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2ª temporada de ‘Pose’ por Filipe Cerqueira

Filipe Cerqueira,
15/05/2020 | 18h05

Filipe Cerqueira

Recentemente me peguei empolgado relatando minha experiência ao assistir a segunda temporada de Pose para um amigo. Ele, fã da primeira temporada do seriado, disse que Pose é para bichas fortes e que ele, no momento, não estava preparado pra isso. Infelizmente este meu amigo, devido as fragilidades do período de quarentena, se afastou de uma bela oportunidade de se emocionar com o lado positivo de ser LGBT! Sim, a segunda temporada de POSE vai te fazer chorar… mas como Ryan Murphy, criador da série, é um entusiasta, a produção vai edificar emoção por bons caminhos. A segunda temporada de POSE é sobre a luz no fim do túnel e de como se marcha para alcança-la.

A série começa com a explosão do hit Vogue da cantora Madonna e com a entrada dos brancos no mundo dos bailes. Há uma esperança no ar. O mundo agora  pode enxergar homossexualidades presentes ali deixando estigmas e a AIDS para trás. O gueto sabe seu potencial e vê na abertura do sucesso da canção uma oportunidade. Neste ponto, os personagens se separam em dois pólos. Os confiantes na mudança a partir do hit e outros que, devido ao histórico de apropriação cultural, veem tudo como algo passageiro.

São pessoas de visões opostas convivendo no mesmo mundo. O mundo dos bailes, do vogue, da prostituição nos bairros marginalizados, da violência do gueto e do fantasma da AIDS. Os personagens de POSE precisam conviver com a dura realidade. Mas não deixam de ser sonhadores. Blanca tentando manter equilíbrio entre mãe da casa Evagelista, seu trabalho como manicure e sua vida pessoal conturbada pelo HIV. Angel, despontando em uma agencia de modelos famosa, mas precisando esconder seu gênero para os contratantes. Pray tentando manter-se equilibrado à sua velhice sendo HIV positivo, vendo todos ao seu redor morrer semana após semana. E o casal de namorados Rick e Damon edificando uma carreira como dançarinos e rivais em uma chamada para a nova turnê mundial da cantora Madonna.

De todas as personagens a que mais cresce em tela é Elektra. Anti heroína, sua jornada movimenta essa segunda temporada. Elektra agora ganha dinheiro como dominatrix, sustentando estranhos prazeres dos brancos de classe média ou ricos de NY. Do submundo de seu oficio, surgem dinheiro para patrocinar planos, novos personagens e abertura para novos cenários. Por falar neste último, a série visita lugares que se tornaram LENDAS urbanas/mitos da cidade de Nova York. Logo no primeiro capitulo vemos a Hart Island, uma ilha cemitério onde os mortos com AIDS eram enterrados, em outro episódio vemos a referência à camisinha gigante do grupo ACT UP, também há citação do homem morto descoberto num armário de uma famosa drag queen depois de 15 anos e o prédio do sexo onde uma transexual foi encontrada morta espancada. Para os mais atentos fãs de Madonna, o dançarino da Blond Ambition Tour  e considerado inventor do Vogue, Jose Gutierez Xtravaganza (pai da casa REAL Xtravaganza) faz participação no júri do baile em vários episódios. São causos da comunidade LGBT dos EUA que Murphy vai e introduz como parte do seu universo. E claro, a visceral referencia a Angels In America (clássica peça teatral e série), onde personagens mortos falam com os vivos com fluidez absurda.

Nesses cenários onde se dá o dia a dia conturbado das personagens, a série trabalha episodio após episodio a auto estima e força desse grupo de pessoas. O mais incrível é ver a diferença sendo tratada sem desigualdade. Não há um romantismo militante onde a união por uma causa é colocada como pauta principal. POSE diz, família ao mesmo tempo se ama e se odeia. Briga e se beija. Quem não consegue conviver com isso vive à margem. Pois viver com medo é viver pela metade! E os personagens de POSE tem medo… mas se desafiam, o medo é algo passageiro. Afinal de contas estamos falando de uma série e seu criador afeiçoado!

A quem não entenda, como Murphy consegue criar séries tão diferentes entre si como Glee, POSE, Politician, Hollywood, Screem Queens e Estética. Elas realmente são  diferentes, mas tem um ponto em comum: Ryan é especialista em loosers. Pessoas consideradas fracassadas pelo mundo, donos de vidas conturbadas, mas que colocam toda força de si no trabalho e no talento como motivação para suas vidas. É o que acontece também em POSE. Personagens brilhantes no baile, no jogo de cintura da vida, mas capengas nos sentimentos. Envoltos em traumas complicadíssimos, mas donos de uma força interna gigante.

Esse entusiasmo passa não só em POSE como trama, mas nos bastidores também. A atração é conhecida como série com maior elenco transexual de todos os tempos. Bom colocar a luz também, POSE é revolucionaria do lado oposto a câmera. Mulheres negras cis e trans fazem parte da atração roteirizando, produzindo e dirigindo os episódios. Janet Mock, Tina Mabry, Jennie Livingston e Gwyneth Horder-Payton são os nomes por tras do sucesso da série junto a Ryan, homem cis gay assumido. Pois não adianta o elenco refletir o espectador, se quem manda no show, a trindade santa, roteirista (quem escreve a trama)/ diretor (quem comanda o set) / produtor (quem MANDA na série) não estiver comprometido com a causa. Afinal de contas, muitos são os casos de série com negros personagens e branca produção verdadeiros desastres ideológicos…

Não se deixe levar, como meu amigo, pelas fragilidades desse período tenebroso da vida no planeta. POSE é forte, é emocionante em sua segunda temporada, mas vai te levar a sorrisos amplos. Vai te fazer ter esperança em si, no mundo, no outro… e tudo sem deixar seus pés fora do chão. Há uma qualidade e um cuidado no texto, nas interpretações, tudo feito com muito respeito, afinco e verdade. É lindo de ver a entrega! Se você é uma bicha forte (e você sabe que é!), veja a segunda temporada de POSE. Se emocione e sorria ao mesmo tempo!

Filipe Cerqueira é diretor da SOUDESSA Cia de Teatro, historiador pela UNEB, realizador audiovisual pelo Projeto Cine Arts – UNEB – PROEX e apaixonado por cinema.