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Um torcedor com orgulho de ser gay e rubro-negro

Genilson Coutinho,
13/08/2015 | 10h08
“O Flamengo é parte essencial do que eu sou”, diz o torcedor

“O Flamengo é parte essencial do que eu sou”, diz o torcedor

Imagina um garoto, como tantos milhões de outros garotos, apaixonado por futebol . Agora imagina esse garoto impedido de jogar bola por outros garotos sem nem saber o porquê. Esse garoto cresce e, por desgosto, se afasta do objeto de sua paixão. O menino José Roberto Medeiros cresceu jogando bola na rua. A família toda de flamenguistas, menos o avô, botafoguense. E era exatamente esse avô o mais fanático por futebol e quem transmitia esse amor pelo esporte ao garoto.

Dividia o tempo entre a bola e os estudos. Tudo caminhava bem nos primeiros anos escolares, terminou a quarta série e foi aprovado para cursar o antigo ginásio em um colégio militar. Foi lá que seu sofrimento começou. José passou a ser vítima de bullying.

“No colégio militar todo mundo é metido a machão. Aprontavam muito comigo. Faziam piada com meu jeito. Colocaram giz rosa na prancha do ventilador que ficava em cima da minha mesa para cair em cima de mim. Faziam caricaturas no quadro-negro para me humilhar”, lembra.

Excluído pelos colegas do colégio, o garoto se fechou. O futebol da hora do recreio não era mais para ele. Perseguido, evitava estar perto dos meninos para não sofrer mais humilhações. “Quase fui reprovado em Educação Física. Não usava o vestiário por nada e para não usá-lo tinha que fugir da aula. Cheguei até a jogar vôlei com as meninas, mas não era minha praia. Depois de tanta pilha, tanta opressão, brincadeiras de mau gosto, eu me sentia mal perto dos meninos do colégio”, contou.

O tempo de colégio passou, mas os traumas ficaram. José Roberto concluiu os estudos com perfeição e dedicação excessiva. Formou-se em duas faculdades (história e jornalismo), mas o futebol, aquela velha paixão, se tornou motivo de constrangimento. “Passei a jogar menos futebol. Ainda jogo quando entre amigos, mas sou muito retraído quando tem muitas pessoas desconhecidas”.

O trauma provocou ainda bloqueios sexuais. A primeira relação aconteceu apenas aos 26 anos. Foi somente com essa idade que ele entendeu tudo o que estava acontecendo. Foi quando ele entendeu o motivo de todas as humilhações na infância e adolescência, o motivo do isolamento. Foi, enfim, quando ele se entendeu e se aceitou homossexual. “Quando me descobri, quando aconteceu pela primeira vez, tudo fez sentido e eu entendi o que todo mundo via, menos eu”.

Mengão Campeão

Mas uma paixão não se esquece. Não quando essa paixão é o futebol. Não quando para esse menino essa paixão é o Flamengo. Nada, nada o impede de expressar seu amor pelo time. Ele esteve na final desta quarta-feira no Maracanã e vibrou com a conquista do título da Copa do Brasil. Nos templos do futebol, ele se liberta de todo o medo, toda a repressão e torce efusivamente pelo time de coração.

“Eu sou José Roberto, 28 anos, flamenguista, portelense e homossexual. Minha paixão pelo Flamengo foi descoberta antes da minha sexualidade. Preconceito nenhum no mundo me faria colocar o futebol em segundo plano. Sou retraído em praticar o esporte com quem não conheço, mas assistir, torcer, impossível não fazer. A paixão é maior que o medo e o preconceito, não tenho dúvida disso.

Quando instigado a definir o que é o Flamengo e o que o time representa em sua vida, o jornalista faz uma declaração de amor exacerbada que não deixa dúvida sobre o sangue rubro-negro que sente correr nas veias.

“Flamengo é vida. Faz parte da vida. É capaz de mudar o humor, encher de alegria, causar tristeza. Eu tenho muito orgulho de ser brasileiro. Amo meu País. Mas eu não escolhi o Brasil. O Flamengo eu escolhi. Faz parte da minha identidade. Aquele papo de segunda pele, de pele rubro-negra, é assim que a gente se sente. Quando o Flamengo entra em campo os problemas não importam, o mundo não importa. Importa torcer, gritar e apoiar 90 minutos aquele time que faz parte da gente. Que é parte do que eu sou. Eu não sei me definir sem o Flamengo. O Flamengo é parte essencial do que eu sou”.

Do ODia.