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Transexual será líder de voluntários na Olimpíada

Genilson Coutinho,
27/07/2016 | 18h07

Arquivo Pessoal

Há sete anos, Camila viu seu pai morrer de um câncer na laringe e decidiu mudar o próprio corpo. Tomou hormônio e implantou peças de silicone para modelar sua silhueta, um pecado que o pai jamais perdoaria. No meio da transição, quando os seios começaram a crescer e a voz afinar, sentiu o golpe: foi demitida da clínica em que atuava como enfermeira.

Não sendo aceita em nenhum emprego formal, foi trabalhar como prostituta nas ruas do Rio de Janeiro. Várias vezes escapou de apanhar de clientes. Já teve amigas assassinadas. Já temeu a própria morte. Mas ela precisa pagar o aluguel. Agora, se prepara para ser um dos mais de 50 mil voluntários a trabalhar nas Olimpíadas.

“Eu chorei muito quando recebi a confirmação de que estava dentro”, disse ela em uma conversa por telefone com a reportagem do apartamento em que divide com uma amiga no Rio.

Ela sempre praticou esportes. Basquete e natação, quando criança. No futsal, foi goleira; no vôlei, bicampeã dos jogos escolares do Rio Grande do Norte. Mas desde que iniciou sua transição, parou de levar a coisa a sério.

Imagem /Arquivo Pessoal

Se antes chegou a pensar em seguir carreira como jogador de futsal, hoje evita se jogar no chão por medo de romper as várias próteses que tem pelo corpo.

A organização da Rio-2016 promete acolher igualmente todos os voluntários, independente de gênero e orientação sexual. Camila diz ter sido respeitada em todos os seus contatos com os organizadores, que imprimiram em seu crachá seu nome social e verdadeiro, e não o de batismo, masculino.

“Cheguei lá e disse que queria muito usar meu nome social no crachá, porque meu nome masculino não tem nada a ver com a forma que as pessoas me veem”, conta ela. “Então eles colocaram meu nome social na frente. Na parte de trás tem que ter o outro nome, mas lá ninguém vai ver mesmo.”

Em agosto, Camila estará em Copacabana atendendo o púbico olímpico e os atletas de provas como o ciclismo de estrada e a maratona aquática.

Imagem/Arquivo Pessoal

Depois que se assumiu uma mulher transexual, diz Camila, “não arranjei emprego em lugar nenhum. Nunca ligavam de volta. Tentei loja, supermercado, tudo, mas não consegui. Pra uma trans conseguir emprego ela tem que conhecer alguém que puxe ela porque pra ficar jogando currículo é muito difícil.”

“A maioria cai na prostituição”, ela diz. “O único emprego que aceita travesti é a prostituição, e hoje a prostituição é minha única fonte de renda. Eu queria tanto um outro emprego pra eu poder ter ao o menos o prazer de falar ‘Eu sou tal coisa, eu faço tal coisa…’

Hoje se lhe perguntam o que ela faz ela mente que é vendedora.

Camila foi escolhida para ser líder de equipe

No último domingo Camila participou de um treinamento com outros voluntários e recebeu uma importante notícia. Ela será líder de um grupo de voluntários.

“Sou líder de equipe”, escreveu ela por Whatsapp. “Muito legal eles me darem essa oportunidade, né?”

E enviou um áudio para contar que seu grande desafio olímpico inclui superar um pequeno trauma de sua adolescência: falar em público.

A “lacradora” da Rio-2016

Camila soava radiante quando soube ter sido aceita como voluntária da Rio-16. Nem sequer se importa em não ser paga pelo trabalho, porque adora esportes e participar de uma Olimpíada era um sonho antigo.

No dia em que recebeu seu uniforme, gravou um vídeo mostrando o material. Sua felicidade foi publicada no Facebook atraindo uma enxurrada de ‘likes’. Postou perguntando se haveria outras pessoas trans entre os voluntários, foi chamada de ‘lacradora’ e ‘destruidora’.

Recebeu ainda mais curtidas e memes com as celebridades Inês Brasil e RuPaul, identificadas com o público LGBT.

Do UOL/ Olimpíadas 2016