Transexuais se reúnem em ato no Rio de Janeiro
Carlos Tufvesson fez uma homenagem a Welluma Brown, durante o I Seminário de Cidadania Trans — Dignidade, Inclusão e Respeito, nessa terça-feira (29), no centro do Rio de Janeiro, no dia em que foi comemorada a Visibilidade Trans. “Perdemos uma grande amiga e militante da causa que tinha uma história incrível e enriquecedora”, disse Tufvesson sobre o ícone na luta em prol da comunidade trans e única travesti a ser chacrete nos anos 70. Ela morreu no dia 11, vítima de queimaduras num acidente doméstico. Na plateia estava a travesti Porcina D’Alessandro, amiga de Welluma, que não concordou com a homenagem e soltou o verbo: “Por que não fazer um tributo em vida?”, perguntou. “Estávamos criando a homenagem e ninguém imaginou que Welluma fosse nos deixar”, respondeu Carlos. “Estão falando que ela se matou, mas não foi isso. Ela não queria morrer, muito pelo contrário”, retrucou Porcina. Welluma brilhou como diretora da casa de espetáculos Le Galaxie, em Paris, e se tornou parte da história da TV brasileira ao entrar para o elenco das chacretes, as cobiçadas assistentes de palco do programa A Buzina do Chacrinha, nos anos 70. Durante sua rápida permanência, ninguém suspeitava que aquela moça alta e bonita era na verdade uma travesti. O nome Welluma foi dado pela atriz Elke Maravilha, jurada do programa.
No bate-papo do evento, histórias de sucesso de transexuais como a modelo internacional Lea T.; a musicista Kathyla Valverde; a atriz, cantora e dançarina, Cláudia Celeste; a professora de artes da rede pública Municipal e Estadual, Maya Valentina; o professor da Faculdade de Serviço Social da UERJ, Guilherme Almeida; e o escritor João W. Nery.
“Somos os próprios embaixadores da nossa causa. Nos já somos sufocados demais para nos rendermos aos padrões da sociedade. O importante é respeitar as diferenças porque ‘cada um de nós sabe a delícia de ser o que é’. Então, o que vale para mim não vale para o outro, mas nos amemos para depois amar aos outros”, disse Tufvesson na abertura.
Um dos momentos mais aplaudidos pela plateia foi o discurso do escritor João W. Nery – que viveu até os 27 anos como mulher. “Ninguém nasce trans, hetero ou homossexual. A gente é livre para escolher”, disse Nery, atualmente com 63 anos e o primeiro transexual homem operado no Brasil. Até hoje ele luta por uma lei de identidade de gênero que faça com que o nome seja aceito sem necessidade da cirurgia de mudança de sexo. “Ela (a cirurgia) tem que ser opcional”.
Na década de 60, a operação era considerada ilegal e o país vivia sob o regime da ditadura militar. Nery tirou nova documentação por conta própria para poder se articular socialmente e com isso perdeu todos os direitos anteriores, inclusive o seu currículo escolar e profissional – era formado em psicologia pela UFRJ. “Agora estou lutando para conseguir a mudança de nome no meu diploma. Há dois meses entrei com um pedido na UFRJ e o secretário da faculdade me ligou e disse que nunca houve um caso desses. Expliquei que, por isso, quis entrar com o processo, para abrir as portas para os próximos trans”, disse ele.
A última a dar o depoimento, o mais esperado do dia, foi Lea T. “Minha sorte é que encontrei uma psicóloga que me ajudou a entender que eu tenho que ser eu mesma e aceitar esse fator antes de fazer a cirurgia. Biologicamente nunca seremos mulher de verdade. Ponham os pés no chão. Pensem bem antes de enfrentar uma cirurgia porque não é fácil. Temos que aceitar a escolha de ter transformado nosso corpo dessa forma”, disse a top.
Lea ganhou o apoio da cantora e militante Jane di Castro. “Seu depoimento me comoveu. Ninguém pode falar que você está certa ou errada. Trabalhei em Paris com várias operadas que se suicidaram porque não eram transexuais, mas travestis como eu. Eu não sou mulher, sou um travesti e me transformei pela arte. Jamais cortaria meu pênis porque o ser mulher está dentro de mim”, disse Jane, ovacionada pela plateia.
I Seminário de Cidadania Trans – Lea T. com Carlos Tufvesson e Jane di Castro /Fotos: Miguel Sá
O seminário fez tanto sucesso, que Tufvesson prometeu um novo encontro para daqui a dois meses, com a presença de um profissional da saúde para esclarecer detalhes sobre a cirurgia de transformação de sexo – tanto para ‘transmulheres’ como para ‘transhomens’.
Mesmo antes das despedidas, todas as pessoas fizeram fila para tirar uma foto com Lea T., uma verdadeira celebridade no mundo trans. No fim do evento, as militantes partiram para a Cinelândia para protestar sobre seus direitos, principalmente reivindicar a inclusão do nome social nos documentos de identificação.
Fonte: Coluna Bruno Astuto