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Tá tudo dominado: O Carnaval de Salvador é LGBTQ

Tedson Souza,
18/01/2018 | 14h01

Apesar do sucesso comercial de blocos e festas gays, o poder público precisa combater a violência contra homossexuais, lésbicas, travestis e transexuais nos outros dias do ano

“Gay, minoria? No Carnaval de Salvador, não”. A constatação foi feita pelo Jornalista, atualmente âncora do Grupo Bandeirantes, Ricardo Boechat, após passar o primeiro Carnaval na Capital Baiana, em 2016. Cada vez mais o público LGBTQ está ocupando espaço nos corredores oficiais da festa. É muito comum demonstrações de carinho e afeto entre pessoas do mesmo sexo durante o verão soteropolitano. Na verdade o segmento LGBTQ é importantíssimo para o crescimento, profissionalização e hoje para a viabilidade econômica da festa. A sopa de letrinhas da diversidade sexual ou para alguns a turma do “Vale” tem lotado ensaios pré-carnavalescos por onde passam as suas Divas. Na noite de sexta-feira (5), Claudia Leitte foi uma das atrações da primeira edição do Baile da Santinha e o público Gay seguiu sua musa, mesmo em um evento capitaneado por Leo Santana. O gigante, como é chamado pelos fãs, já protagonizou declarações nada amigáveis em relação ao público gay. Certa vez, do alto do trio elétrico em pleno Carnaval disse: “eu não entendo, tanta mulher bonita nesse arrastão e tem homem com homem que fica aí se beijando”. Mesmo assim os gays não se intimidaram e confesso que foi muito bom ver casais formados por dois homens trocando beijos e carícias na plateia, que lotou o desativado Parque Aquático Wet’n Wild.

Os Blocos de Carnaval puxados por Divas Gays como Daniela Mercury, Claudia Leitte e Alinne Rosa são os mais vendidos dessa edição do Carnaval de Salvador. Dentro da corda ou das pipocas das “Rainhas” pagas com gordos cachês pela Prefeitura de Salvador e pelo Governo do Estado da Bahia, milhares de LGBTQ sustentam os dias da festa na atualidade.

A estrela – Divina Vaçéria

Não podemos esquecer que as performances espetaculares da Divina Valéria, rainha absoluta do tradicional Bloco Jacu, e o luxo e glamour das fantasias do saudoso Di Paula abriram caminho para toda essa autoestima, que alguns preferem chamar de Orgulho Gay, desfilar de mãos dadas e aos beijos atrás do Trio Elétrico. Muito antes do Circuito Dodô (Barra-Ondina) se consolidar como o principal corredor da folia, nos anos 1970 e 1980, Gays, Lésbicas e simpatizantes se reuniam na Praça Castro Alves. Eu não vivi essa época, mas até hoje escuto relatos de um espaço dionisíaco em que “era possível ser de todo mundo e ao mesmo tempo de ninguém”. Os relatos dos professores Luiz Mott e Edward MacRae trazem para mim uma memória de uma atmosfera libertária e orgástica, que sem os limites homogeneizantes da indústria da Axé Music e sem o medo da AIDS, possibilitava os mais mirabolantes arranjos e combinações sexuais.

o estilista baiano Di Paula nos deixou em 2014 aos 72 anos

Infelizmente ou felizmente, o meu primeiro Carnaval sem a companhia dos meus pais acontece nos anos 1990, em pleno auge nacional da Axé Music e com a migração da folia para a Orla da Barra. É a materialização de um Carnaval mais industrializado e impessoal, em que as festas da “Elite Branca” dos clubes migram para os camarotes. A Praça Castro Alves deixa de ser o Centro e a turma gay toma conta da Barra. Durante esse período, o espaço onde é montado o camarote da Caixa Econômica e o Beco da OFF é ocupado pela população LGBTQ. Eu morava em Teofilândia, uma pacata cidade do sertão da Bahia, e junto com meus amigos, também adolescentes, pensava que o Beco da Caixa, posteriormente, o Beco da Off, era o ápice da liberdade de expressão sexual. Tudo isso acontecia em pleno anos 1990, quando o armário ainda não estava tão aberto e casais homoafetivos eram, também, assassinados nas novelas da TV Globo.

O Tradicional Beco da Off – Foto : Genilson Coutinho

Caso não esteja enganado, há três carnavais a Prefeitura de Salvador montou no Beco da Off uma estrutura com apresentações artísticas e DJ e batizou o território de “Beco das Cores”. Essa atitude pode ser considerada o reconhecimento do poder público de uma Zona oficialmente LGBTQ no Carnaval. Fico na torcida de que esse seja um passo para construção de uma cidade com menos homofobia e mais aceitação da diferença, pois apesar de todo o barulho e animação alavancados pelo “Pink Money”, eu não consigo comemorar. Sinceramente, não é possível comemorar, pois de acordo com os números do Grupo Gay da Bahia (GGB), a Bahia da alegria e diversidade é segunda colocada no número de assassinato de homossexuais. Em 2016, 32 LGBTQs foram assassinados na Bahia, 17 deles em Salvador.  O Poder público não pode virar as costas para essa tragédia. É preciso poder dizer para “O Vale dos Homossexuais” que venha o ano todo e para isso é necessário combater a violência contra LGBTQs.

Crítica: Daniela Mercury e seu EP Tri eletro

Tedson Souza é Jornalista, Professor Universitário, Mestre em Antropologia e Doutorando em Antropologia pela UFBA. Atualmente realiza estágio Doutoral na Brown University, nos Estados Unidos. Trabalhou na redação da Band Bahia, onde atuou como Produtor Executivo na Bandnews FM. Também passou pelas redações da A Tarde FM e do Jornal Correio. Daniela Mercury é sua cantora favorita.