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‘Rogéria foi uma das minhas inspirações na comunidade LGBTQIAPN+’, diz Bagageryer Spilberg

Carlos Leal,
07/09/2023 | 22h09
Foto: Genilson Coutinho

André Luis Sousa e Silva, que dá vida a Bagageryer Spilberg, ou Baga para os íntimos, é um dos mais importantes artistas da cena LGBTQIAPN+ baiana de todos os tempos. Nessa entrevista ao site Dois Terços, ele conta um pouco da sua trajetória, passando pelo sucesso nas casas noturnas soteropolitanas, sua participação no programa Brasil Legal (TV Globo) e o brilhante trabalho feito com as senhoras da melhor idade. Confiram.

DOIS TERÇOS: André, Bagageryer Spilberg faz sucesso há 37 anos. Nos anos 90 não se falava em outra coisa quando o assunto era a vida noturna soteropolitana, a não ser em seus shows e seus famosos bordões. Como você André Luis, que tinha um trabalho dito “normal” em uma grande empresa, criou a Bagageryer?

BAGAGERYER SPILBERG: A Bagageryer foi inspirada em três artistas: Ney Matogrosso, de quem sou muito fã, Shirley Bassey, artista que admiro muito pelo visual e pela voz e também muita coisa do trabalho de Maria Bethânia. São três características que minha personagem tem e que eu trago nesses 37 anos de carreira. É o que me inspira. Eu trago esses artistas juntamente com aquilo que eu acho importante levar para meu trabalho como ator transformista e apresentador.

DT: Uma curiosidade: e o nome Bagareryer Spilberg, como surgiu?

BS: O nome vem da inauguração do Shopping Iguatemi em Salvador. Existia uma loja chamada Bagagerie. Lembro que eram duas lojas, uma no bairro da Barra e outra inaugurada no Iguatemi. Ai quando eu li esse nome, achei interessante, alterei o Bagagerie para Bagageryer e o Spielberg vem do grande diretor de cinema Steven Spilberg. Nascia ali Bagageryer Spilberg.

DT: Em entrevista recente ao Dois Terços, a empresária May Matos contou que você era um rapaz tímido que chegou na Boate Holmes e pediu uma oportunidade na casa. O personagem nascia ali na Boate Holmes ou ele já existia e você já fazia apresentações em outras casas?

BS: Quando May assumiu a Boate Holmes, Bagagerye já existia e eu já tinha passado pelas grandes casas de Salvador. Ali, ao lado de May, eu só fui certificar e pontuar essa arte dentro daquela casa que era uma boate gay mas que tinha também um teatro no primeiro andar. Então estava ali tudo que eu gostava: essa arte, cortinas, camarins… ali no New Look Bar, na gestão da May Matos, vivemos momentos memoráveis. Eu Laysla Pleurinsk, July de Glamour, Dalma Calandre, Leonara Taylor, Nina Vogue, Shirley Valantine, Dion, Marina Garlen, o Grupo The Best… foram momentos maravilhosos e ao lado de May Matos fizemos história na época. Sei que May está bem, morando na ilha e a gente se vê sempre.

DT: Então, em paralelo à Holmes, você se apresentava em outros espaços?

BS: Eu sempre fui convidado para me apresentar nos mais importantes eventos de Salvador, não somente espaços LGBTS mas também eventos héteros. Nos anos 90 eu fiz o Meia Noite se Improvisa, no Teatro Vila Velha. A partir daí todas as casas se abriram para mim. Depois conheci as senhoras da melhor idade onde suas famílias me acolheram da forma mais carinhosa possível. É um trabalho que faço com amor, só tendo parado durante a pandemia.

DT: E o apoio da sua família quando você resolveu fazer shows como ator transformista em casas noturnas?

BS: A minha família só ficou sabendo desse meu trabalho a partir da minha participação no Programa Brasil Legal, apresentado por Regina Casé, isso em 1995. Ali, a minha família me descobriu como artista, que estava dentro de um programa sério, com uma pessoa séria e dentro de uma empresa séria que era a Rede Globo. Como eu sou um artista sério, tudo casou, graças a Deus.

DT: Um bordão criado por você e que é dito até hoje é “meus aplausos por favor, que eu não estou morta”. Lembra como ele surgiu?

BS: Olha, acho que eu ouvi isso a primeira vez com Jorge Lafond, a famosa Vera Verão. Em vários eventos que eu fui em São Paulo, Rio de Janeiro, Aracaju, enfim, pelo Brasil, eu sempre me batia com Vera Verão, inclusive trouxe ela para Salvador para o Miss Bahia Gay na Boate Is’Kiss. Ele falava algo nesse sentido, aí eu levei para o meu show a acabou ficando uma coisa muito minha, muito próximo ao meu personagem. As pessoas ainda hoje me param nas ruas dizendo isso: “meus aplausos, meus aplausos que eu não estou morta”.

DT: Você já falou sobre sua participação no programa Brasil Legal, apresentado por Regina Casé. Como surgiu esse convite e o que ele representou artisticamente para você?

BS: O convite surgiu a partir do Meia Noite Se Improvisa, que eu apresentava no Teatro Vila Velha. Em Salvador não tinha muito o que se fazer depois da meia noite, então os artistas que vinham para cá com suas peças de teatro e shows, acabavam depois indo assistir ao Meia Noite. Artistas como Regina Duarte, Fábio Assunção, Cláudia Abreu, Marina Lima… todos iam parar no Vila Velha para ver o Meia Noite se Improvisa. Foi ai que alguém falou de mim para Regina Casé. E descobrimos que tínhamos muita coisa em comum, primeiro a família Velloso: Caetano, Canô e Bethânia. Depois o nome da minha mãe que é Benedita, nome da filha de Regina…. então todo acabou casando e fiz o programa com ela, minha amiga até então.

DT: Quando lembramos, principalmente, dos anos 90 e vemos os dias atuais, percebemos que a vida noturna LGBTQIAPN+ soteropolitana mudou muito. Você sente saudades?

BS: Saudades não é a palavra. Nós vivemos o que é de melhor nessa época. Estamos em 2023, eu trabalho hoje no melhor lugar de Salvador, para mim, que é o Clube 11 e vamos seguindo recebendo os aplausos dos anos 80, anos 90, anos 2000…

DT: Você já falou que Maria Bethânia foi uma inspiração para você, mas no universo LGBTQIAPN+, qual artista podemos dizer que serviu de inspiração para Bagareryer Spilberg?

Foto: Conteúdo Estadão

BS: Sem sombra de dúvidas foi Rogéria. Ela foi uma das artistas mais importantes no mundo dos espetáculos. Certa vez, nos anos 90, ela me disse: Bagageryer, leia um jornal por dia e você terá assunto para seus espetáculos. É assim que eu faço até hoje e quem assiste aos meus shows sabe que ele tem uma pegada grandiosa de jornalismo. No palco eu sou um pouco de Marilia Gabriela, um pouco de Glória Maria, um pouco de Rogéria e muito do ser Maria Bethânia.

DT: Descobri um fato muito interessante: é verdade que a frase “o truque da galinha morta”, que em Salvador significa fingir que nada aconteceu, que não viu nada, se fingir de morta para sobreviver é uma criação sua?

Foto: Arquivo pessoal Baga

BS: Esse bordão é mais um que eu acredito que ouvi da boca de Jorge Lafond. Eu comecei a falar nos shows e o bordão ficou conhecido como uma coisa que é de Baga.

DT: Houve um certo avanço no que se refere à homofobia, mas o Brasil ainda é um dos países que mais matam LGBTS no mundo. Mesmo com essa estatística, você consegue ver um avanço dos anos 90 para os dias atuais?

BS: Sim, apesar de estarmos em primeiro lugar em assassinatos dentro da comunidade LGBTQIAPN+, principalmente porque se fala mais. Quando falamos mais em um determinado assunto, ele acaba virando destaque nos jornais, na TV e conseguimos chegar mais perto das pessoas que estão precisando de um alento. São pessoas discriminadas e torturadas diariamente na nossa comunidade LGBTQIAPN+.

DT: Depois da Pandemia, as coisas estão voltando ao normal. Quais os próximos projetos de Bagagerye Spilberg?

Foto: Genilson Coutinho

BS: Meu amigo, tem muita coisa por vir, eu trabalho muito, graças a Deus. Continuo fazendo shows nas casas das famílias, trabalho com as senhoras da melhor idade, estou já organizando um evento para elas dia 27 de dezembro, será um concurso de beleza: Miss Universo – A Beleza Não tem idade. Para você ter ideia, eu faço esse evento há 19 anos, só parei durante os três anos da pandemia, o Miss Bahia Gay que completou 29 anos, o Miss Brasil, que será realizado dia 15 de novembro, também completa 29 anos. Fora as viagens, fora o Clube 11, que completou 18 anos agora em 9 de setembro. Enfim, pagou, me convidou, estou presente, porque a aranha vive do que tece.