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Teatro

Ricardo Fagundes em cartaz com o solo “Das ‘coisa’ dessa vida …” no Teatro Sesi Rio Vermelho

Genilson Coutinho,
28/07/2022 | 10h07
Fotos Caio Lírio

Nalde ainda criança colocava a toalha na cabeça e fazia da cama seu palco. “… o quarto já não era mais quarto … era tudo outra coisa. Queria brincar de ser …”. Ali só sentia, não entendia. Nessa época chamavam, “Naldo …”. Cresceu, rebolou e chamou a atenção, olhares preconceituosos e homofóbicos. Não entendia, só sentia a alegria que o movimento despertava. Nem homem, nem mulher, nem binário, nem … Não se define.

Da mesa do seu bar de beira de estrada, com a brisa fria e úmida, Nalde convida a quem queira brilhar que nem Vagalume para assistir “Das ‘coisa’ dessa vida …”, servindo café, vendendo guloseimas, flores e o que desejar. “Vem quem quiser e fica se for de paz e se tiver vontade … só deixo passar verdades”. E nesse contar de histórias, Nalde vai ocupar o palco do Teatro Sesi do Rio Vermelho, sábados e domingos, de 06 a 21 de agosto, às 20h, com classificação de 12 anos. Os ingressos estão a venda pelo Sympla (https://www.sympla.com.br/das-coisa-dessa-vida__1649977) e portaria do teatro.

Para viver e friccionar escrevivências queer de um corpo estigmatizado, que desvia da normalidade, o ator Ricardo Fagundes – responsável pela concepção e idealização do espetáculo, que assim como Nalde está em cena pela vontade de “Quero Existir”. O solo, que conta com direção de João Miguel e texto de Gildon Oliveira, é uma obra em que o trabalho do ator é o foco.

Vale lembrar que, estreado em 2019, com temporada no Teatro Gamboa Nova, o espetáculo recebeu três indicações ao Prêmio Braskem de Teatro 2019 – Direção, Texto e Ator. Pela atuação, Ricardo Fagundes ganhou o Prêmio Braskem de Teatro 2019 – categoria Ator. Vale pontuar que, Fagundes em 2022 comemora 25 anos de carreira.

A canção-tema do personagem composta por Rebeca Matta e Luisão Pereira com participação de João Miguel através de seu poema “Seu corpo luminoso pode”, dá voz a Nalde, pessoa que compartilha com o público suas histórias enquanto se arruma para uma performance, preparada para o ídolo, que a qualquer momento pode chegar.

Vinde do Brasil profundo e com sonhos, Nalde sofreu muitas repressões e tentou se enquadrar nas regras sociais para não sofrer, até que um dia, percebe que não nasceu para agradar os outros, então decide viver a vida que sempre desejou. “Sai do seu interior e das catalogações impostas para poder existir”, declara João Miguel.

Desatar de nós
Ao partir em busca da sua verdade, Nalde encontra inúmeras dificuldades, mas com a habilidade das pessoas que precisam sempre seguir em frente, as supera. Assim, de coração aberto, fala de seus amores, desamores, das relações familiares, crenças e, também, reflete sobre suas aventuras e desventuras na tortuosa estrada da vida. “… eu não paro, eu não abaixo, eu não rendo, me nego a cair no chão depois da degola …”.

Nalde é resiliência, que aprendeu a destampar o nó e chorar com Vó. Esta ganha uma das cenas mais emocionantes do solo. “Aprendi com a vida e com vó … Quando me via desgostando, me abraçava …”. De acordo com o dramaturgo, a plateia deve se identificar com o personagem porque a busca dele pela construção de sua identidade tem pontos universais com as histórias individuais de cada um. “Nalde nasceu dando a cara para bater. O depoimento de Nalde é atual e conta como conseguiu riscar seu espaço de liberdade e brilhar no palco”, complementa o ator.

Construção da cena
Nalde nasce da vontade verdadeira de Ricardo Fagundes de existir em cena. Deste ímpeto, Nalde é movimento escrevivente de corpos que não se contentam em ser definidos, mas que desejam vivenciar os espaços sociais com liberdade e dança. Nalde é corpo Queer.

O batismo de Fagundes aconteceu durante I FestVILA, em 2018, no Ceará, num ambiente predominante masculino, a “Toca do Zé Pajé”, bar localizado na cidade do Crato, durante a transmissão de uma partida de futebol na tevê. “Formou-se a alma de Nalde no Crato”, afirma o intérprete.

Ele relata que a todo instante ouvia do diretor a indicação de ir para rua experimentar. E assim permanece existindo, pois Nalde é personagem movimento. Ao longo das temporadas, este espetáculo tem sido apresentado, de forma voluntária, em lugares vivos, cujo público, dificilmente, tem possibilidade de ir ao Teatro. O objetivo é aguçar a curiosidade, promover acessibilidade à Arte e estimular o hábito da ida ao Teatro.

Penitenciária Feminina de Salvador, universidades e FUNDAC (Fundação de Desenvolvimento da Criança e Adolescente), Casa Aurora, Casa Ninho – todos na Bahia. Em São Paulo, Casa Florescer, Ocupação Quilombaque, Faculdade Célia Helena foram os lugares percorridos.

Memórias
A construção do espetáculo durou um ano e meio entre ensaios, laboratórios, finalização do texto e definições dos elementos cênicos. Os primeiros estímulos para a criação do solo vieram das lembranças do ator relacionadas à infância, adolescência e ao convívio familiar que foram ressignificadas através dos movimentos da dança e assim geraram novos elementos para a construção da cena. “O nosso corpo é um armazenamento de recordações de tudo que a gente vive”, explica o diretor.

Paralelo ao trabalho inicial, Gildon e Fagundes se encontravam periodicamente para conversar sobre as experimentações dos ensaios e discutir o encaminhamento do enredo. O dramaturgo conta que o texto não é biográfico: “as inspirações vieram de muitas histórias de pessoas que não se encaixam nos padrões impostos socialmente e como elas fazem para viver. Assim como em artistas que atravessaram a conjuntura cultural do país nas últimas décadas”, afirma o autor.

Intérprete
O ator Ricardo Fagundes iniciou a carreira no espetáculo que reinaugurou o Teatro Vila Velha, em 1998, “Um Tal de Dom Quixote”, dirigido por Márcio Meirelles. De lá para cá, o também soteropolitano trabalhou, durante três anos, com a Companhia Baiana de Patifaria em “A Bofetada” e “Capitães da areia”, e fez o circuito Caixa Cultural e SESC CE com a montagem “O grande passeio”, direção de Meran Vargens. Como dançarino, Fagundes integrou a Companhia VilaDança em “Da ponta da língua a ponta do pé” e também “Aroeira”. Atualmente, ele é doutor em Artes Cênicas pelo PPGAC da Universidade Federal da Bahia.

Serviço
O quê – “Das ‘coisa’ dessa vida …”, solo com Ricardo Fagundes, direção João Miguel e texto de Gildon Oliveira
Quando – 06, 07, 13, 14, 20 e 21 de agosto de 2022, às 20h
Onde – Teatro Sesi do Rio Vermelho
Ingressos – R$ 30 (inteira) e R$ 15 (meia) – venda pelo Sympla (https://www.sympla.com.br/das-coisa-dessa-vida__1649977 ) e Bilheteria do Teatro