Retrospectiva: fora do armário, atletas gays ainda lutam por respeito

Genilson Coutinho,
29/12/2013 | 11h12

No início de agosto, um festão com vista para a praia do Porto das Dunas, em Fortaleza (CE), selou a união entre Larissa e Lili. A grande repercussão do casamento nas redes sociais colocou a discussão sobre os direitos civis dos homossexuais em evidência também no meio esportivo brasileiro. Ao redor do mundo, muitos atletas também aproveitaram o alcance da internet para combater o preconceito ou assumir a opção sexual em 2013.

O caso de maior alcance no Brasil foi o casamento entre Larissa e Lili, que estavam juntas há cerca de dois anos. Pelo Facebook, a medalhista de bronze em nos Jogos de Londres 2012 ao lado de Juliana e a jogadora do Circuito Brasileiro de Vôlei de Praia compartilharam fotos da festa e exaltaram a união com mensagens carinhosas, como “Obrigada por esse dia maravilhoso em nossas vidas, meu amor. Te amo!” e “Só tenho olhos pra você!”. Empolgada com a vida de casada, a jovem jogadora adotou o sobrenome de Larissa e passou a assinar Liliane França. Pelas redes sociais, o casal recebeu o carinho e o apoio dos fãs, que logo foram presenteados com a notícia de que a ex-parceira de Juliana estava grávida. A medalhista olímpica engravidou após um processo de inseminação artificial a partir de um óvulo de Lili, que tomou medicação para fortalecer a célula.

Mundo afora, relacionamentos homossexuais também estamparam as manchetes esportivas. O astro do salto ornamental Tom Daley, queridinho da Inglaterra e eleito o homem mais sexy do mundo em 2013 pela revista “Attitude Magazine”, utilizou um vídeo divulgado no YouTube para assumir sua opção sexual e revelar que está namorando outro homem.

O jovem atleta, esperança britânica para uma medalha de ouro nos Jogos do Rio 2016, afirmou que a decisão de se expor publicamente foi bastante difícil, mas crucial para colocar fim a uma onda de boatos e especulações. Daley, de 19 anos, conquistou a medalha de bronze em Londres 2012 e acredita que encerrar os rumores sobre sua vida pessoal é um passo importante na caminhada rumo ao Rio de Janeiro.

Nos Estados Unidos, o veterano jogador de basquete Jason Collins decidiu assumir a homossexualidade aos 34 anos, tornando-se o primeiro atleta em atividade na história das principais ligas profissionais do país a se declarar abertamente gay. O pivô, que defendia o Washington Wizards, time do brasileiro Nenê, mas está sem clube desde julho, afirmou que chegou a namorar mulheres, mas recebeu apoio de uma tia para aceitar a própria sexualidade.

Após se assumir, Jason Collins participou da Parada Gay de Boston, nos Estados Unidos (Foto: Agência AP)

A repercussão das declarações de Collins foi grande, e o jogador recebeu apoio público de muitas personalidades americanas. Por meio das redes sociais, o ex-presidente Bill Clinton, o ator Dwayne “The Rock” Johnson, o cineasta Spike Lee e outros jogadores, como Kobe Bryant, Tony Parker e Steve Nash, além de ex-companheiros dos Wizards, elogiaram a atitude e a coragem do pivô.

No entanto, muitos atletas que admitem publicamente a opção sexual ainda enfrentam o preconceito dentro e fora do esporte. Em outubro, o portorriquenho Orlando Cruz, primeiro boxeador em atividade assumidamente gay na história, lutou contra o mexicano Orlando Salido pelo cinturão dos pesos-pena da Organização Mundial de Boxe (OMB). Vestindo um calção com as cores do arco-íris, o pugilista foi alvo de insultos homofóbicos vindos da arquibancada.

O portorriquenho, que também usava luvas pretas com detalhes em rosa, acabou perdendo o combate. Se conquistasse o título, Cruz planejava homenagear o ex-bicampeão mundial Emile Griffith, que morreu em julho deste ano e foi o primeiro a admitir ser bissexual depois de sua aposentadoria. Em novembro, já recuperado da derrota, Cruz se casou com o namorado, José Manuel Colón, em uma cerimônia no Central Park, em Nova York.

Orlando Cruz, com seu calção colorido, na luta contra Orlando Salido (Foto: Agência Reuters)

Insultos e comentários homofóbicos também já afetaram o jogador de futebol americano Kevin Grayson, ex-aspirante à NFL (liga profissional de futebol americano). Tido como uma das maiores promessas do esporte nos Estados Unidos nos últimos anos, ele revelou ser homossexual no início do ano. Na ocasião, Grayson disse já ter sofrido hostilidade por parte de treinadores e companheiros de equipe, que o chamavam de apelidos como “princesa”, “bicha” e “homo”.

Polêmica à vista: Olimpíadas de Inverno Sochi 2014

A intolerância sexual também deu a tônica de uma polêmica que concentrou todas as atenções na reta final de preparação para as Olimpíadas de Inverno de 2014, que serão disputadas em Sochi, na Rússia, em fevereiro do próximo ano. Estrela do Mundial de Atletismo de Moscou, realizado em agosto, a saltadora Yelena Isinbayeva provocou a ira da comunidade gay ao pedir discrição para os atletas homossexuais que participarem do evento.

Para Isinbayeva, os atletas estrangeiros deverão respeitar as regras do país e não se comportarem publicamente como homossexuais. O discurso da musa do atletismo, afinado com as leis que vigoram por lá e preveem prisão para quem pratica ou promove a homossexualidade no território russo, não foi bem recebido ao redor do mundo, aumentando a onda de protestos e ameaças de boicote à competição de Sochi. Mais tarde, Isinbayeva voltou atrás e disse que foi mal-interpretada.

A mobilização contra a legislação russa foi potencializada após a postura defendida por Isinbayeva. Com a proximidade da abertura dos Jogos, a lei antigay passou a ser refutada também por figuras políticas, inclusive o presidente americano, Barack Obama, que desafiou o governo russo ao anunciar que a delegação oficial do país terá, entre seus membros, duas mulheres declaradamente homossexuais: a ex-tenista Billie Jean King e a jogadora de hóquei Caitlin Cahow.

Apesar de não criticar abertamente a lei antigay, o comunicado da Casa Branca apresentou outros indícios da desaprovação dos Estados Unidos em relação ao código de conduta russo. O mais importante deles é a ausência de Barack Obama na cerimônia de abertura dos Jogos de Inverno, sob o argumento de que o presidente americano não encontrou tempo em sua agenda para viajar para a Rússia.

Até agora, nenhum país confirmou boicote oficial às Olimpíadas de Sochi, mas outros líderes adotaram posicionamento semelhante ao de Obama. O presidente da Alemanha, Joachim Gauck, decidiu não viajar para o evento em resposta às violações de direitos humanos e perseguição do governo russo. Na sequência, o ministro das relações exteriores da França, Laurente Fabius, anunciou que nem ele nem o presidente François Hollande planejam ir para a competição.

A polêmica lei antigay desencadeou uma onda de protestos às vésperas dos Jogos de Sochi (Foto: AP)

A lei antigay também tem provocado debates e campanhas calorosas na internet. Muitos grupos que lutam pelos direitos das comunidades homossexuais criaram petições online pedindo que atletas e governantes boicotem o evento. A causa ganhou a adesão de personalidades do cenário pop, como as cantoras Lady Gaga e Cher – esta última recusou um convite para cantar na cerimônia de abertura da competição.

A rigorosa legislação também divide opiniões dentro da Rússia. Uma organização do país que luta pela igualdade de direitos dos homossexuais anunciou que pretende organizar os Jogos Gays em Moscou, logo após o término das Olimpíadas de Sochi. O evento terá o objetivo de atrair apoio para a causa homossexual e ganhou respaldo do americano Greg Louganis. O ex-saltador de trampolim, gay assumido, prometeu competir na capital russa.

Matéria publicada no site do Globo Esporte do Globo .com