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Resposta aos stories de Carlinhos Maia

Genilson Coutinho,
28/04/2019 | 00h04

Foto: Reprodução | Instagram

Por Alan di Assis (@alandiassis)

Eu vou me esforçar para partir do pressuposto de que Carlinhos Maia, de fato, não tem noção do desserviço que está prestando em seu Instagram e tentar ser didático.
Já foi dito que Carlinhos Maia representa muitos de nós em se tratar de uma pessoa socialmente construída em meio a inúmeros preconceitos e que os incorpora e os reproduz. Carlinhos afirma estar tentando se descontruir, aprender – e pede paciência.
O grande problema é que toda essa desconstrução e reconstrução de Carlinhos têm acontecido online, e não off-line. Em vez de buscar informações e aprendizados para só depois se pronunciar – o que demonstraria o mínimo de responsabilidade diante do tão autoproclamado poder de influência –, ele tem causado polêmicas desnecessárias com falas precipitadas e equivocadas e tornado essas polêmicas ainda maiores com suas reações de ego ferido.
Sobre os últimos stories de Carlinhos, algumas considerações:
Carlinhos diz que sua intenção – e de seu noivo – não é “mudar a história”, apenas viver num mundo onde todos são iguais. Acontece que viver nesse mundo já implica necessariamente em mudar a história, uma vez que este mundo onde todos são iguais, infelizmente, ainda é uma utopia – pela qual lutamos, mas ainda há muito a ser conquistado.
Toda essa atual polêmica – porque já houveram outras – começou porque, numa entrevista, ele disse não se tratar de um “casamento gay” a cerimônia a ser realizada no dia 21 de maio, e sim de uma “união de duas pessoas que se encontraram”. O fato é que, quer ele queira, quer não, a cerimônia será um casamento gay – cuja definição é a união de duas pessoas do mesmo sexo. Rejeitar este “rótulo” – ou, melhor, este conceito – não promove igualdade, como tenta sugerir Carlinhos, uma vez que isso não tornará seu casamento igual a todos os outros casamentos heteros – porque não é, tendo em vista que ele mesmo fala sobre suas particularidades, como o ineditismo do seu tipo de relação (homoafetiva) em diversa situações como, por exemplo, a da entrevista (onde ele e seu noivo foram o primeiro casal gay a desfilar na SPFW), e até mesmo quando se fala sobre não casar numa igreja, com um padre por não querer afrontar (o que não é uma questão para heteros – os que não casam na igreja é, realmente, por não quererem e não por serem impedidos ou retaliados). Além disso, falar que seu casório é “só a união de dois caras” é reduzir a própria história. Já que ele fala tanto sobre igualdade, vale refletir: qual hetero se refere dessa forma ao próprio casamento? Essa rejeição tem muito mais a ver com uma homofobia velada e internalizada.
Ainda sobre o episódio da entrevista, o ator diz que é lamentável que apenas os LGBTs tenham o recriminado, dizendo que eles deveriam o aplaudir, assim como os heteros fizeram, alegando que a comunidade é desunida. Mas é óbvio que os fãs heteros não tem motivos para discordar das falas de Carlinhos, afinal, além de convenientes, não são sobre eles – que, em geral, não entendem as demandas do grupo que tem se colocado contra declarações. Se existe um público específico discordando, é necessário entender as razões.
Quando Carlinhos cita as “pessoas que ladram”, ele desrespeita a voz e o posicionamento daqueles que estão sendo afetados pelo que ele fala – e se opondo. Este “ladrar” é legítimo, tendo em vista os sofrimentos que a comunidade LGBTQIA+ enfrenta rotineiramente. O instagramer precisa se desacostumar apenas com os elogios e dar ouvidos a quem ele, direta ou indiretamente, representa. A empatia, bandeira levantada por Carlinhos, é exatamente a capacidade de se pôr no lugar do outro. Em vez de exigir que toda a comunidade e militância LGBTQIA+ se ponha no lugar dele (de um homem branco cisgêncero, que tem o apoio da família, que, agora, tem dinheiro e fama, ou seja, está em condições de privilégio), ele mesmo deveria, com a humildade que tanto gloria-se de ter, se pôr no lugar de gente que luta muito antes dele – e, também, por ele – por direitos básicos, como o casamento – que ele, agora, usufrui.
O digital influencer diz que procura se informar, mas não fala de que forma. O que ficou evidente durante os vídeos dos stories foi o discurso dele sendo embasado por seu amigo hetero, Diogo, que minimiza toda uma história, questionando se, por ser gay, Carlinhos paga mais ou menos impostos, como se essa fosse a simples solução para todas as problemáticas. O amigo chega a dizer “a gente vive um período que não precisa mais de classificações (…), você é um ser humano. Gente é gente e ponto”. Diogo ainda fala que “a sua condição sexual não tem que ser um fator de diferenciação”, pergunta “pra quê essa cota? ‘Dez por cento da população é homossexual’. Pra quê isso? Cem por cento da população é gente”. Impulsionado por essa fala, Carlinhos acrescenta: “existe cota para hetero?”. O que sugere quais tem sido as referências dele neste assunto. Mesmo tendo acesso a informação, a pessoas, podendo estudar, pesquisar, o humorista parece acreditar que à medida que comete erros, as pessoas precisam, pacientemente, levar a ele o conhecimento que ele tem negligenciado. É isto que fica claro quando ele diz que não vai “deixar de falar tudo que pensa para agradar um grupo, como um robô”. Mas ele precisa aprender que internet não é fluxo de pensamento e não se pode postar tudo que pensa – ou à medida que pensa . É necessário filtrar e isso não é ser um robô, é ser responsável.
Citar a sua grande audiência – predominantemente de heteros – não legitima seus discursos, pelo contrário, os torna ainda mais problemáticos. Se, como ele mesmo afirma, seus posts são fonte de informação e desconstrução para seus seguidores, é ainda mais importante que ele transmita as informações corretas, caso contrário, estará prestando desserviço. Carlinhos reduz a comunidade LGBTQIA+ que se opõe a suas declarações como “os que lacram”, e que este não é o seu público-alvo. Entretanto, mesmo que este não seja o público que ele quer atingir com seus discursos – e já não atinge –, indiretamente este é o público que ele representa. Ele não fala “com este” grupo, mas fala a partir “deste” – e “sobre este” – público, por isso, precisa se importar, sim com o feedback. Questionar e discordar e repudiar não é falta de respeito, como ele diz.
Parece que Carlinhos estava muito certo de que sua saída do armário renderia a ele algum reconhecimento, como o título de “herói da promoção da igualdade entre as sexualidades”, e está muito ferido pelas consequências de seus próprios erros. Desse modo, ao contrário do que ele julga, é ele quem está em guerra consigo e em busca de aprovação, reforçando exaustivamente seus números e sucesso profissional. Quanto mais Carlinhos tenta se explicar, mais problemas aparecem em suas falas… Ele diz que a vida não acontece apenas no Twitter e que “existe vida aqui fora”, repetindo algumas vezes que os LGBTQIA+ precisam trabalhar e se sustentar. Um conselho que não precisava ser dado, uma vez que uma das muitas mazelas que unem as histórias de todos na comunidade é, justamente, o fato de precisarem trabalhar desde cedo para se sustentarem, seja por serem expulsos de casa ao comunicar a sexualidade ou por lutarem por independência financeira a fim de poderem viver suas vidas de maneira livre – como parece ser o caso de Carlinhos, que afirma ter ouvido quando mais novo “seja gay, mas vá trabalhar, porque não vou sustentar ‘baitola’”. Quem bem sabe da dureza da vida real (fora do Twitter e outras mídias) são os LGBTs… A história dele, definitivamente, não é exclusiva, nem sequer o maior dos exemplos de superação e força (apesar de ser uma história bonita também). Se ele praticar, de fato, a empatia, vai perceber e, talvez, entender, de uma vez por todas, que ele se parece muito mais com aqueles de quem ele tenta se desassociar, do que com os que ele tenta agradar, e pare de disparar frases absurdas como: “as pessoas não tem preconceito com gays. Até existe uma parte que tem. Mas elas tem preconceito com aqueles que não se mantém”.
Por último, é necessário esclarecer outra pergunta que a celebridade direcionou àqueles que quisessem dialogar e não gritar: “Você quer ser sempre o gay? Sempre a lésbica?”. Não se trata de querer. Seremos sempre o que somos, e disso não poderemos fugir. Toda condição humana é parte de sua essência e identidade. Isto não limita. Seremos, sim, sempre gays e sempre lésbicas – e tudo mais quanto a sigla LGBTQIA+ representar –, mas não só isso. Seremos muito mais. E é essa a nossa luta, para sermos e estarmos onde quisermos. Neste momento, não é sobre igualdade, é sobre equidade.
Carlinhos precisa se dar conta de que num país como o nosso, não existe opção para o LGBTQIA+, resistir e militar são instintos de sobrevivência.
OBS: Os stories foram apagados, mas em outros vídeos, Carlinhos conversa com um gringo falando que “no Brasil as pessoas fazem polêmica de tudo e não ensinam, apenas gritam”. E que “para o Brasil se tornar um país de primeiro mundo, precisa de diálogo, porque ninguém escuta gritos, só a minoria”. E ainda que “o Brasil vai continuar sendo pequeno porque a mentalidade das pessoas é pequena demais, pelo menos da minoria. Porque a maioria só vai ouvir quem fala baixinho, quem grita ninguém ouve”. Reforçando que ele está no pedestal e que seu comportamento é podado para que esta “maioria” o ouça.

Alan di Assis (@alandiassis) – Jornalista e colaborador do Dois Terços