In Moda

Racismo e beleza: uma combinação de matar

Coletivo Minissaia,
29/02/2016 | 23h02

O racismo mata. Vamos começar este texto com essa afirmação.

Royal romance at @ohnetitelny #AW16. #MACBackstage #NYFW

A photo posted by M∙A∙C Cosmetics (@maccosmetics) on

Durante a última semana de moda de Nova York, a MAC, empresa de maquiagem canadense, compartilhou em seu Instagram a foto de uma das produções que fez na temporada: uma boca incrivelmente bem desenhada, coberta com um belo batom escuro. Mas não foram esses atributos que se destacaram no clique. O que chamou mais atenção foi o fato de a boca pertencer a uma modelo negra.

Daí em diante, muitos seguidores aproveitaram o falso anonimato das redes sociais para expor o seu preconceito. Um primeiro comentário foi o bastante para fazer outros explodirem como bomba: “Mulheres negras nunca serão tão bonitas quanto as brancas (…) Continuem mentindo para vocês mesmas de que suas bundas negras são melhores. Continuem sendo invejosas”.

A MAC se negou a apagar o post e tentou contornar a crise, apagando alguns comentários. Mas eles continuaram a surgir como avalanche. A empresa, cujo slogan é “All Ages, All Races, All Sexes”, se pronunciou informando que “MAC respeita todas as idades, todas as raças e todos os sexos. Não toleramos comentários abusivos em nossa comunidade”.

Aamito Stacie Lagum, a modelo da foto, também fez questão de alfinetar os racistas: “Meus lábios tirando o sono de vocês. Obrigada @maccosmetics por essa cor”.

Enquanto isso, há algum tempo, a também modelo Nykhor Paul fez uma grave denúncia sobre o fato de seus maquiadores, no backstage, simplesmente não estarem habilitados a maquiar a sua cútis – definida por ela mesma como “blue black”, algo como “azul de tão negra”. Outras meninas já se queixaram sobre o número ínfimo de modelos não brancas nas seleções de desfiles, que geralmente deixam espaço para apenas uma menina negra por apresentação.

Podem parecer casos isolados, mas essas situações que mostram o quão arraigado e global é o preconceito racial. No perfil da MAC no Instagram, há seguidores de diversos países. Com certeza, representantes de diversas nacionalidades manifestaram seu racismo nos comentários. O que essas pessoas fariam comigo, mulher negra, se pudessem? Será que eu sobreviveria caso eles estivessem em situação de poder?

A resposta está nos casos de genocídio negro denunciados diariamente nas periferias do mundo afora.

 Não há níveis de racismo. O mesmo preconceito que leva alguém a deslegitimar a foto de uma modelo negra nas redes sociais é o que capacita um policial de matar um jovem negro na periferia, porque pré-concebeu que se tratava de um bandido. É esse racismo que faz com que mulheres negras sofram violência sexual porque “foram feitas para isso”. Ou, ainda, que transforma nossas crianças em escravas vendendo balinhas em ônibus às dez da noite.

Todos os racismos são o mesmo racismo. E todo racismo mata. Mata literalmente e também indiretamente, ao acabar com a nossa oportunidade de, um dia, alcançarmos uma igualdade que vá além do discurso.

Termino este texto com a carta que Nykhor Paul escreveu para a comunidade da moda e da beleza, denunciando o racismo oculto dos seus maquiadores. Ficam o impacto e a reflexão.

“Queridas pessoas brancas do mundo da moda!

Por favor, não levem a mal, mas é hora de vocês se mancarem quando o assunto é a nossa cútis! Por que tenho que trazer minha própria maquiagem pra um desfile profissional quando todas as outras garotas brancas não precisam fazer nada além de aparecer, que porra é essa? Não tente fazer eu me sentir mal porque sou azul de tão negra, é 2015, vá pra M.A.C, Bobbi Brown, Make Up For Ever, Iman Cosmetics, Black Opal, até Lancôme e Clinique trazem [produtos indicados], e mais tantas outras. Existem tantas opções por aí pra tons de pele escuros hoje. Um bom maquiador deveria se preparar e fazer sua pesquisa antes de ir ao trabalho porque muitas vezes você sabe o que esperar, especialmente num desfile! Parem com desculpas, é insultante e desrespeitoso comigo e com minha raça, isso não ajuda, sério! Façam um esforço, ao menos! Isso vale pra NY, Londres, Milão, Paris e Cidade do Cabo mais todos os lugares que tem questões com tons de pele pretos. Só porque você somente selecionou poucas de nós não significa que você tem o direito de nos fazer parecer umas rameiras. Estou cansada de reclamar sobre não ser bookada por ser uma modelo negra e estou definitivamente cansadíssima por me desculpar pela minha negritude!!!! Moda é arte, arte nunca é racista, deveria ser inclusiva pra todos, não somente pra brancos, porra, nós começamos moda na África e vocês modernizam e copiam! Por que não podemos ser parte da moda total e igualmente?”.

(Tradução por Site Lilian Pacce: lilianpacce.com.br)

Vanessa Ventura faz parte do Coletivo Minissaia. É blogueira de beleza no Belícia (www.beliciablog.com.br), Relações Públicas, Redatora Publicitária e, orgulhosamente, negra.