Que tipo de pulga é você? Por João Barreto

Genilson Coutinho,
23/07/2011 | 11h07

Existem dois tipos de seres humanos… Na verdade, existem muitos tipos (ainda bem!), mas vou me restringir a esses dois para poder argumentar sem perder o juízo. Nós podemos ser divididos e classificados entre aqueles que se maravilham com o mundo e aqueles que se maravilham com o mundo e fazem alguma coisa para entendê-lo & modificá-lo.

É logo no comecinho de O Mundo de Sofia que se diz que quando somos crianças somos como pulgas no pêlo de um coelho na cartola do mágico, observando o mundo à nossa volta e o mundo exterior à cartola e exclamando “oh” e “ah” (s) com a admiração daqueles que veem algo pela primeira vez sem terem sido contaminados por padrões da cultura (como os anjos de Asas do Desejo, de Wim Wenders). Quando vamos crescendo, começamos a aprender traços da cultura que nos cerca e deixamos de nos supreender com o universo e tudo o mais porque a cultura apresenta interpretações prontas daquele universo. Vamos escorregando para perto do couro do coelho e esquecemos de olhar para fora da cartola – a menos é claro que você seja um cientista, que ganham salários para olhar fora da cartola. Mas os seus problemas se acabaram, Creissom! Venho para lhe dizer que é possível escalar a peruca do coelho e voltar lá para cima para observar o movimento fora da cartola!

Vejamos o exemplo da homofobia (você, leitor, nem imaginava que eu ia tratar disto – de novo – não é mesmo?). Homofobia se aprende! Como se pôde inferir por um vídeo que circulou essa semana na web, homofobia é algo que se aprende cultural e socialmente, muitas vezes através da educação doméstica. No vídeo, uma criança se surpreende ao ver um casal com dois maridos e, na sequência, os convida para jogar ping-pong. A criança do exemplo deve ter tido pais, no mínimo, humanistas. Pais ignorantes e radicais, por outro lado, podem criar filhos homofóbicos, racistas, machistas etc. É um mecanismo de defesa da cultura, digamos, que almeja a sua perpetuação no longo prazo. Da mesma forma, não nascemos racistas, mas nascemos todos com muito potencial para aprender sobre o ambiente à nossa volta e mudá-lo para melhor. Isto pode requerer, naturalmente, motivação, capacidade intelectual, mas acima de tudo, demanda compreensão prática do mundo que, bom, qualquer criança pode ter se estiver com os olhos bem abertos… antes de sair correndo para jogar ping-pong.

Não basta entendermos a homofobia, nos assustarmos com ela e nos escondermos no gueto. Talvez a forma mais óbvia de combater a homofobia seja mesmo sair do armário. Todos pudemos ou poderemos, em algum momento, dar esse passo.

Eu acho que chegou o momento em que nenhum L, G, B ou T (s) brasileiro pode se dar ao luxo de permanecer escondido no armário tenha isso o custo social ou de saúde pública que tiver. Virar para o seu círculo social e dizer “Eu sou gay” é a atitude mais política que qualquer um de nós podemos ter. Acredito que vão dizer que eu estou numa posição cômoda para falar, naturalmente: sou respeitado no meu trabalho e na minha profissão, sou respeitado dentro na minha família e no meu círculo de amigos. Mas não se engane, leitor lindo, esta posição não me caiu do céu, foi conquistada a duras penas: foi necessário abrir mão de amigos homofóbicos, educar e conscientizar familiares e até mesmo por a cabeça a prêmio na entrevista de emprego. E, embora existam muitos homofóbicos por aí, existe muita gente bacana também, que admira seres humanos pelo que eles são: se canhotos ou destros, tanto faz, o importante é que diversos.

Os manifestantes de Stonewall perceberam a força dos números e, mais recentemente, os manifestantes da Marcha da Liberdade perceberam a força dos números também ao reunir diversos movimentos sociais convergentes ao mesmo tempo em uma mesma manifestação. Em Nova Iorque, há quatro décadas atrás, os manifestantes de Stonewall empunhavam cartazes dizendo We are everywhere. E nós, brasileiros, quarenta anos depois, também estamos por toda parte e a sociedade heteronormativa precisa ter conhecimento disto o quanto antes. Então, eu digo: ‘bora sair do armário, cambada, é tempo de sair do gueto, frequentar lugares públicos e colonizar os ambientes heteronormativos por natureza. Cidadão LGBT não precisa se esconder na boate LGBT para se ter amigos e para paquerar. Os shopping centers, as ruas, as igrejas, os bares, restaurantes, teatros e cinemas precisam nos aturar, afinal eles dependem do nosso dinheiro para funcionar. O governo precisa nos aturar pois depende de nós para pagamento de impostos e para eleição de seus oficiais.

A cidade é o mundo, como diziam os romanos, mas o mundo é nosso, de todos nós, independente de etnia, orientação sexual, gênero, crença ou ausência de crença… O pior que pode acontecer está acontecendo, mas pelo menos você fez a sua parte ao invés de ficar se balançando no coelho e reclamando que o mundo é cão.

Por João Barreto

João Barreto – Jornalista

Jornalista e mestre em Comunicação e Cultura Contemporâneas pela Faculdade de Comunicação da Universidade Federal da Bahia. É analista de comunicação e cultura, especialmente de poéticas audiovisuais. Também tem interesse em desenvolvimento sustentável.