Literatura

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Psicólogo baiano lança livro sobre afetividade, racismo, sexualidade e religiosidade

Genilson Coutinho,
24/06/2020 | 19h06

“Águas de um Orí é uma oferenda literária e afetiva. Nesta obra, o escritor Almerson Cerqueira tece, em poesias e poemas, reflexões sobre a sua trajetória a partir de uma perspectiva ancestral. Ele conduz um ebó discursivo onde as temáticas de afetividade, racismo, sexualidade e religiosidade se articulam para compor as diversas encruzilhadas do que é ser um homem negro em trâns[e]to no Brasil. Uma viagem literária, despida de romantização, mas cheia de [re]construções políticas e afetivas, nesta relação com os ancestrais africanos em diáspora. Águas de um Ori é um convite a revisitarmos o princípio Sankofa e o reconhecimento legítimo do processo de ser um corpo negro no mundo”.

Lembro que uma das grandes violências vividas em minha trajetória foi a suposta incapacidade/limitação de escrever. As narrativas produzidas pelas pessoas de que eu não era bom o suficiente para utilizar as palavras são a materialização desse sistema racista: nós, pessoas negras, não somos dotados de potencialidades, então, estamos longe de produzir conhecimento e saberes. Passei boa parte de minha vida acreditando nisso, que as palavras eram um mundo distante. Mas, ao mesmo tempo, era na escrita que eu buscava um lugar de desabafo, de cura, liberdade possível mesmo que sofrida. Escrever, para mim, sempre foi um paradoxo: ao mesmo tempo que me reinvento, eu me saboto, alimento os rasgos do neocolonialismo e, ainda que hoje me autorize a isso, dói. É doloroso porque para nós, pessoas negras, existir é um processo de reconhecer as feridas do corpo e da alma, de sabermos que nenhum privilégio foi nos dado. A gente produz afeto, amor, luta às sombras constantes de uma reconstrução, porque é isso: nossas potências só fazem sentido em projetos coletivos, em uma perspectiva de reordenar o mundo, no devir, nesse princípio Sankofa que nos alimenta.

Eu nunca pensei que poderia escrever um livro, principalmente, articulando, nas oferendas literárias, encruzilhadas que nos toca, que me toca. Por isso, compreendo o meu choro enquanto potência ancestral, lugar onde as inundações marejam meus olhos e faz cortar a força dos meus inimigos. Hoje simboliza o momento em que arrio uma das minhas principais oferendas: as palavras. E é só o começo, pois tenho aprendido a voltar, a compreender os passos que vieram antes e que proporcionaram esse ebó literário.

Esse livro é uma homenagem as todas as mulheres negras que me inspiram a desbravar o desconhecido e a reconhecer esse resgate histórico. Agradeço a Oxum, Orixá que me dá a autorização ancestral para rabiscar o papel com lápis d’água; a minha mãe, minha maior fonte de amor genuíno; e minha avó e Iyá Maria Luiza de Logun Edé, meu bem mais precioso. Agradeço a meu pai Almir, meus meus irmãos Almirzinho e Matheus, meu companheiro Marcelo e todos àqueles que fizeram parte dessa construção.

E por fim, agradeço a Deus e a minha aldeia, lugar onde Oxóssi, Oxum, Logun, Xangô e Ogum fazem mover os meus pés, afiando meus olhos e abrindo caminho.

Espero que vocês possam ler estes escritos e possam compartilhar com o seu povo o desafio do que é ser corpo preto no mundo.

Eu não vou desistir de riscar esse mundo com as nossas memórias e o nosso corpo, pois “Ori é uma eterna travessia”.

E sim: eu sou um escritor!

Olorum Modupé!

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