Por que a presidenta não chora pelos gays?

Genilson Coutinho,
31/01/2013 | 00h01

A tragédia na casa noturna de Santa Maria (RS), no último domingo (27), comoveu o país e o mundo. De toda a repercussão diante do ocorrido, me chamou a atenção nas redes sociais o questionamento sobre o choro da presidenta, considerando que outros/as tantos/as jovens morrem cotidianamente no país (muitos/as de forma igualmente injusta e inocente) e isso não a sensibiliza da mesma forma.

Diferentemente de muitos/as que comentavam o fato da presidenta ter chorado, acho mais produtivo refletir sobre a situação de forma não personalista, afinal, Dilma não foi a única a se comover publicamente diante dessa tragédia e não diante de outras. As tragédias são cotidianas, mas não sensibilizam cotidianamente as pessoas, e isso ocorre independentemente do nível de responsabilidade que temos diante delas.

Talvez isso ocorra porque culturalmente temos selecionado o que é e o que não é uma tragédia. E, aí está um ponto importante para podermos pensar nas insensibilidades diante de algumas desgraças e o grande apelo sentimental (legítimo) diante de outras.

O número de jovens mortos em Santa Maria não é maior, por exemplo, do que o número de jovens mortos anualmente por homofobia ou dos/as que ingressam em nossa medieval realidade carcerária. Os/as mais de cem feridos/as (sobreviventes) não é maior do que o número de mulheres jovens que sofrem graves consequências por terem feito ou tentado fazer o abordo que ainda não foi descriminalizado no Brasil.

Não acho que o ponto é pensarmos sobre quem tem ou não tem o mérito de ser chorado. Sim, porque alguns/algumas pessoas, baseados em fortes valores morais-religiosos, tentaram minimizar a tragédia dizendo que boate noturna não é um lugar de gente de bem. Mas, acho que aí, nesses posicionamentos sobre o mérito de quem sofre ou morre, está uma pista para pensarmos o que culturalmente selecionamos como sendo uma “verdadeira tragédia”.

Nossos valores nos impedem de chorarmos diante de muitas tragédias porque no fundo acreditamos (cruelmente) que de algum modo quem sofreu ou morreu é culpado/a pelo o que ocorreu. Por exemplo, no caso da homofobia, aqui mesmo nesse site já li comentários de leitores dizendo algo do tipo: “morreu porque procurou”, “alguma coisa fez para ser agredido” ou “não precisa sair chamando a atenção”.

Também não é novidade no dia-a-dia a chuva de discursos contrários a revisão do regime penitenciário brasileiro, ou o silêncio maligno diante do sofrimento da comunidade carcerária, porque acredita-se que eles/elas estão lá simplesmente por que escolheram o “mal caminho”, sem qualquer análise mais inteligente sobre os contextos e significados do crime e o quanto o Estado, através de seus agentes e de suas ausências, contribuiu para essa realidade.

E, no caso das mulheres com experiências ligadas ao aborto, é comum referências que as transformam em monstros. Cada vez menos se tem espaço para discussões que irão questionar mais a falsa moral conservadora e menos as pessoas. Há ainda quem defenda que o tema do abordo é uma questão religiosa, e não de saúde pública!

Assim, a pergunta não deveria ser “porque a presidenta não chora pelos gays?”. Mas, quem são esses/as jovens que comoveram o Brasil e o mundo? Não quem são eles/elas em si mesmos, mas “porque a cultura que seleciona o que é trágico e o que não é os/as elegeram em detrimento de outros/as como merecedores de comoção?”. E, o que me parece mais importante: “Porque há uma identificação geral com eles/elas e não com os/as outros/as?”

Por exemplo, façamos um exercício de livre imaginação: se de alguma forma descobrissem que a boate era uma típica boate GLS, ou que era uma festa em uma área de sociabilidade coletiva de um grande presídio, ou que estavam arrecadando dinheiro para campanhas pró-descriminalização do aborto, a tragédia continuaria a mesma?

Mude a identificação das pessoas com o ideal e os valores em jogo que se começa a entender o que caracteriza o que é e o que não é trágico, as vidas que merecem e que não merecem ser choradas.

Mais do que acreditar que os/as jovens da festa de Santa Maria não mereciam e outros/as merecem (ou vive e versa), deveríamos trabalhar para que todos/as que choram compreendessem que a cultura não é algo que em nada podemos mudar. E mais, nesse aspecto, Dilma não é a única que poderia fazer mais do que faz. Enquanto não aprendermos a chorar por todos/as, sejam como forem, não seremos demasiados humanos.

*Tiago Duque é sociólogo e tem experiência como educador em diferentes áreas, desde a formação de professores à educação social de rua. Milita no Identidade – Grupo de Luta Pela Diversidade Sexual. Gosta de pensar e agir com quem quer fazer algo de novo, em busca de um outro mundo possível.

Texto cedido Gentilmente pelo autor

Publicado originalmente no site Acapa