Os altos e baixos da trama gay de Insensato Coração

Genilson Coutinho,
16/08/2011 | 13h08

O casal Eduardo e Hugo morre através de ato homofóbico violento ao final da novela Insensato Coração. Esse rumor rondou os corredores da grande estação de televisão por algumas semanas e deixou muito telespectador que torcia pelo final feliz dos dois, no mínimo confuso. Agora na reta final, ficou confirmado, o casal realmente morreu, mas por um ato homofóbico muito pior que a violência. A intolerância e a censura conseguiram apagar uma das mais belas histórias de amor na teledramaturgia brasileira.

Mesmo quem não acompanha e não gosta de novelas precisa concordar que esse meio desempenha um papel quase que fundamental no Brasil. As novelas dialogam diretamente com a sociedade, e acabam servindo como termômetro de opiniões. Desta forma, a obra de Gilberto Braga e Ricardo Linhares não fugiu a regra e mostrou que muitas pessoas estão prontas para encarar temas ligados à homossexualidade, mas não à homoafetividade.

Isso aconteceu pelo número de gays no chamado núcleo colorido, que representaram de forma heterogênea o universo multilateral homossexual. No passado, gays eram retratados como personagens afeminados, confusos ou como uma adição cômica à história. Insensato Coração mostrou que existem muitos outros tipos de gays, com personalidades diferentes e que não se encaixam no estereotipo criado pela sociedade. Nesse quesito, o casal formado pelos atores Rodrigo Andrade e Marcos Damigo passou de forma magistral ao telespectador que a única diferença entre um casal homossexual e heterossexual está no gênero, nada mais.

Mas foi nesse ponto que a trama de Gilberto Braga se perdeu. Um romance que surgiu de forma tão espontânea e que mostrou a realidade de muitos gays na vida real não conseguiu sobreviver à censura de conteúdo. A alta cúpula daquela rede de televisão insiste em influenciar de forma direta na construção da trama gay de várias novelas por acreditar que o que pode ser mostrado é o amor teórico, mas não o prático, o palpável. Será um reflexo também da sociedade? Dois homens podem demonstrar que se preocupam um com o outro, mas precisam permanecer de forma assexuada nas cenas.

E essa assexualidade permeou os personagens. Roni Fragonard, interpretado pelo Leonardo Miggiorin, raramente foi visto com outro homem durante a novela. As raras cenas que mostraram o interesse dele não chegaram a ter mais que cinco minutos. Outra personagem, Xicão, até que eventualmente aparecia com namorados, mas o padrão se repetiu e as cenas não eram suficientemente longas. O casal formado por Eduardo e Hugo também sofreu, pois a censura cortou várias cenas em que os dois demonstravam o carinho que tinham através de gestos físicos.

Então uma polêmica surgiu, o personagem de Gilvan foi brutalmente assassinado e levantou um antigo questionamento sobre o motivo pelo qual a rede de televisão continuou na ideologia de barrar o beijo gay. Muitos demonstraram repúdio a forma como Gilberto Braga e Ricardo Linhares não conseguiram inserir o beijo, mas puderam ir em frente com a violência homofóbica, que infelizmente retrata a realidade brasileira. A morte passou pela censura, mas não a afetividade.

A trama de Insensato Coração conseguiu superar muitas barreiras, mas há ainda muito a ser feito. A sociedade com seus Bolsonaros e Rios precisa enxergar que um direto não pode ser retirado de uma parcela da população por a mesma ser minoria. A melhor forma de atingir essa sociedade é através das histórias passadas pelas novelas. Só nos resta torcer para que no futuro a teledramaturgia realize uma inversão de valores, tornando a homofobia um tabu e celebrando o carinho, o amor e principalmente as demonstrações de afeto entre pessoas do mesmo sexo.

Por Bira Vidal

 

Bira Vidal Jornalista – Jornalista

Jornalista formado pela Cameron University no estado de Oklahoma, Estados Unidos. Apaixonado por comunicação política, decidiu voltar ao Brasil para se dedicar ao Direito, onde atualmente cursa na Universidade Federal da Bahia. Fascinado por artes e culturas, passa maior parte do tempo entre filmes, livros e música brasileiros e estrangeiros. Pretende se aprofundar nos instrumentos da comunicação usados na política, e vice-versa.