Opinião

Opinião: Sobre o “caralho” de Ney Matogrosso

Rafael dos Anjos,
25/07/2017 | 11h07

A declaração de Ney Matogrosso realmente seria usada como munição dos homofóbicos que tem “até amigos gays”. E foi. Uma pena? Sim!

Contudo, acho que a militância está muito ávida por debates repetitivos nas redes sociais e há uma necessidade de protagonizar tudo e qualquer discussão. Me lembra o que antes nós jornalistas buscávamos com o “furo de reportagem”.

Quem está online precisa achar a sua arma e sair atirando antes de todo mundo. A mesma comunidade (gay) poderia ter sido menos superficial a respeito da colocação de Ney. Criou-se uma necessidade de banir pessoas, empresas, marcas e afins… Foi assim com a Coca-Cola recentemente. Não há diálogo! Precisamos transformar alguém em inimigo.

Lembrando que a mídia vem lá pelas beiradas e sempre leva meia dúzia desses “rebeldes virtuais” consigo. Aí surge o perdão involuntário às Claudias Leites e Joelmas da vida. Quem explica?!

Homofobia estrutural

Não só curtir o Ney isentava as homofobias estruturais alheias, mas negar homossexualidades de Renato Russo, de Cazuza e até do Freddie Mercury, também. Sempre foi assim. Acho que os mais antenados, analistas e críticos sociais na internet, poderiam se apropriar da declaração de Ney e ressignificar isso. Não deveríamos esperar que a heteronormatividade social tomasse o discurso dele e o usasse como munição contra nós.

Ney tem uma história que precisa ser respeitada e avaliada na hora de sairmos julgando o que ele diz. Ele nunca negou ser gay, sua relação com Cazuza, por exemplo. E inclusive criticou o filme ‘Cazuza- O Tempo Não Para’, por negligenciar esse fato. Eu vejo a resposta dele: “sou um ser humano”, como uma humanização das cobranças a seu respeito, normal. Ainda mais quando a pergunta que a originou, relacionava sua sexualidade ao passado durante a Ditadura Militar e sua expressão artística. Sem com isso negar nenhuma ferida ou mazela.

“Me enquadrar como ‘o gay’ seria muito confortável para o sistema. Que gay o caralho! Eu sou um ser humano, uma pessoa. O que eu faço com a minha sexualidade não é a coisa mais importante da minha vida. Isso é um aspecto de terceiro lugar”. E ele segue ao responder o que seria mais importante a respeito da sua vida: “Ter caráter, ser uma pessoa honesta, de princípios, que trata bem as pessoas. Ser uma pessoa afetuosa, amorosa. Isso é mais importante do que com quem eu trepo”.  Leia na íntegra.

Ou seja, fica claro que ele está ampliando o debate a respeito de ser gay, que não é um estilo de vida, como muitos imaginam. É uma vida! Uma pessoa, simples assim. E dessa maneira deve ser vista.

Até Daniela Mercury já falou sobre essa insatisfação dela enquanto artista e o tratamento desde que assumiu publicamente sua homossexualidade. Entretanto, acredito que Ney veio ali, e como sempre, usando sua bandeira que é sua história, sua arte e a força de sua expressão, cheia dos signos que nos são referências, pra dizer “parem e nos vejam além da sexualidade”.

E a opção de levantar mais bandeiras, como ele mesmo citou, as dos índios e negros, não exclusivamente dos LGBTs, é extremamente válida e legítima. Essa militância toda diluída na qual estamos, causa mais danos do que a frase dele propriamente dita. E diga-se de passagem, usada propositalmente fora de contexto.

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Rafael dos Anjos
Jornalista e especialista em mídias sociais