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O que eu gostaria de ouvir quando conto que tenho HIV

Genilson Coutinho,
01/05/2014 | 13h05


Quando um soropositivo contar a você que tem HIV, saiba, esse é um momento muito calculado. Muitas vezes, vem depois de um dilema, pois esse é um assunto que fica no limiar entre falar do íntimo e o temor do preconceito e da discriminação. Não é uma equação simples: pesamos o momento certo, o lugar certo e a pessoa certa para contar.
Quando revelei ter HIV a amigos mais próximos, alguns queixos caíram. Mas em seguida, carinhosos, eles se limitaram a perguntar: “Você está bem?” E nada mais. Nada além do que precisa ser dito para quem porta uma doença que, com o devido cuidado, é plenamente tratável e não mais letal. No entanto, no que diz respeito a relações amorosas, a coisa muda de figura. Quase todas as mulheres a quem contei ser portador do HIV optaram por seguir com o relacionamento que começava, sim, mas somente depois de algum tempo de digestão da notícia que eu revelara. A duração desse tempo de digestão é que costuma variar.
No primeiro caso, M., uma linda jovem de 24 anos precisou de uma semana de lágrimas e emoções intensas para me dizer “Desculpe, eu não consigo!” e um mês para mudar de ideia e me ligar de surpresa dizendo “Vamos para a cama agora! Mas será essa a única vez que iremos transar!”, me deixando então tão nervoso que acabei broxando nos finalmentes de nossa pouco romântica noite de núpcias. No segundo caso, R., uma empresária de 30 anos, estressada em meio ao caos dos papéis de seu divórcio, precisou de apenas uma tarde. Depois da revelação, saiu para caminhar e voltou com a decisão tomada:
“– Fui ao parque, caminhei e voltei. Hora alguma pensei em não ficar com você. Ao contrário, pensei no que poderia fazer para que tudo desse certo.”
Ainda assim, ela continuava assustada. Não sabia o que poderia fazer diante da situação. Aliás, sabia muito pouco: chegou a sugerir que imaginava que a única saída seria a abstinência sexual. De olhos arregalados, olhou para mim e lamuriou:

“– E eu achando que meus problemas com o divórcio eram grandes. Agora tudo o que me preocupava tem um peso bem menor!”
“– Bom”, respondi sorridente, “Então, não há de quê!”
O curioso é que, embora o tempo que cada uma precisou para digerir a notícia tenha sido diferente, as perguntas que elas dispararam logo depois que eu contei ter HIV foram incrivelmente idênticas e na exata mesma ordem! Perguntaram sobre meu estado de saúde, a origem da minha infecção, meu tratamento, os riscos de transmissão e o que elas deveriam fazer para que o sexo comigo fosse seguro. Por último, perguntaram sobre como deveriam fazer para ter filhos comigo. Como a maioria dos homens, eu, claro, quase desmaiei quando escutei isso! Filhos era a última coisa que passava pela minha cabeça.
Fosse mais fraco, acho que morreria do coração. Aliás, dizem os médicos que soropositivos têm risco discretamente maior de sofrer de problemas cardíacos do que soronegativos não-fumantes (em fumantes esse risco é muito maior que em soropositivos). A explicação é que o vírus causa um processo inflamatório mínimo, porém constante, enquanto o uso vitalício dos antirretrovirais pode aumentar o colesterol, glicemia e triglicérides. Mas acho que as pesquisas que concluíram isso não levaram em conta que ter que se deparar com uma pergunta sobre filhos a cada revelação da sorologia é o que faz essa taxa de problemas cardíacos ser moderadamente mais alta em soropositivos.
Outra coisa a ser levada em conta é que o stress no ato de revelar a sorologia é realmente muito alto — para ambas as partes, é verdade. No que diz respeito à perspectiva de uma pessoa que vive com HIV, é simplesmente impossível prever a reação de seu parceiro ou parceira diante da relevação da sorologia. E é isso o que nos deixa apreensivos, com medo e, na maioria das vezes, optantes pelo sigilo e discrição. A verdade é que nunca sabemos se ao revelar, após observarmos o tradicional movimento do queixo caindo, a sequência será de pânico, choro ou daquele assustado olhar que continua perguntando: “e agora?!”
O fato dessa reação ser quase sempre a mesma é que mostra o quão defasado está o conhecimento leigo daquilo que os médicos (e os pacientes mais informados) já sabem sobre os riscos de transmissão do HIV. Afinal, o “e agora?!” já está respondido pela ciência, e inclui aquilo que tenho escrito nos meus últimos textos. Entretanto, o que nós soropositivos percebemos é que a maior parte das pessoas simplesmente não sabe de nada disso. E temos que explicar como é a vida de alguém que vive com HIV hoje e sobre os riscos de transmissão a cada vez que resolvemos falar que temos o vírus.
Percebemos também que explicar isso não extingue o medo. Mas diminui. Ou limita-o para onde deve estar, sem paranoias e exageros. Melhor ainda, a informação oferece as ferramentas para que o preconceito seja extinguido. Digo isso porque R., a empresária que mencionei acima, mesmo depois de meu explicativo e até descontraído discurso, ainda sentiu medo. E esse medo só sumiu quando ela ouviu de um amigo a quem resolveu consultar, um jovem médico residente em infectologia. Ele, por acaso, iniciou sua a conversa com a resposta tão esperada por todo soropositivo. Aquela que tanto gostaríamos de ouvir depois de revelarmos nossa sorologia a quem quer que fosse:
“– Tem HIV, e daí? É só usar camisinha. E você já ia usar camisinha de qualquer forma, não ia?”
Fonte: Brasil Post