Opinião

O meio do caminho: medidas que consolidam conquistas

Dra. Bethânia Ferreira,
08/11/2015 | 11h11

Recentemente eu li duas notícias que, a meu ver, são avanços na política de proteção e defesa dos direitos da população LGBT. A primeira tratava da formação de policiais da área de segurança pública no estado do Rio de Janeiro sobre atendimento e acolhimento da população LGBT; a segunda referia-se à inclusão de campos específicos em formulários da Secretaria de Segurança Pública de São Paulo que indicassem a prática de atos de homofobia.

Práticas como estas – formação de profissionais e operacionalização administrativa – são tão importantes quanto a edição de uma legislação de proteção da comunidade LGBT. Digo isso porque a prática já deixou claro que não basta uma lei, mas que é preciso operacionalizá-la e fazer com que ela chegue ao seu destinatário, ou seja, no popular, é preciso fazer com que a lei “pegue”.

No Rio de Janeiro, a Secretaria de Segurança Pública pretende capacitar seis mil agentes para atendimento e acolhimento da população LGBT. Desde o início do programa, doze mil policiais já foram capacitados. Criar uma relação de intimidade com o tema para os agentes de segurança pública é determinante para a efetiva proteção dessa população.

Além do mais, cursos de formação que promovam a tolerância e minimização de conceitos discriminatórios e jocosos perpetrados contra determinado grupo vulnerável  permitem que atos de preconceito, de injúria ou difamação, por exemplo, sejam registrados de forma adequada. É preciso que o agente relate com precisão a intolerância e discriminação, não dissimulando o caso como simples briga de bar ou de vizinhos.

Em São Paulo, as Delegacias de Polícia passarão a contar em seus formulários de registros de ocorrências com campos específicos relativos à orientação sexual e à identidade de gênero e – um dado importante – se o crime cometido foi motivado por esses aspectos. Tal modificação permitirá que as informações possam ser levantadas e contabilizadas, sendo assim possível quantificar o número de injúrias, agressões, ameaças e lesões corporais cometidos em razão da homofobia e da transfobia.

Por sinal, essa alteração se dá a partir do grupo de trabalho criado para aprimorar a aplicação da Lei n. 10.948/2001 do estado de São Paulo. A normativa citada merece considerações e deveria ser replicada em todos os estados brasileiros, por se tratar de uma lei que permite a aplicação de sanções administrativas em razão da prática de atos de discriminação decorrentes da orientação sexual e identidade de gênero.

Ao prever uma série de penalidades – a exemplo de advertência, multa, suspensão ou cassação da licença estadual para funcionamento dos estabelecimentos –, a mencionada lei busca coibir atos discriminatórios, como a prática de qualquer tipo de ação violenta, constrangedora, intimidatória ou vexatória, de ordem moral, ética, filosófica ou psicológica. Serão, enfim, penalizados aqueles que insistem em proibir o ingresso ou permanência de pessoa pertencente à comunidade LGBT em qualquer ambiente ou estabelecimento público ou privado, aberto ao público.

Outro aspecto interessante que essa normativa traz é a possibilidade de o próprio ofendido denunciar o fato. Dessa forma, ele não precisa passar pelo crivo de admissibilidade – se a denúncia é de discriminação ou não – de nenhum agente público para a formalização de sua denúncia e desenvolvimento de processo administrativo que tramitará nos órgãos estaduais de proteção.

É importante ressaltar que a lei é de 2001, mas somente agora a Polícia Civil do estado de São Paulo contará com a possibilidade de um registro mais preciso em seus boletins de ocorrência. O fato é que a lei existe e podemos exigir seu cumprimento.

Quanto ao estado da Bahia, tramitam na Assembleia Legislativa alguns projetos de lei com conteúdo semelhante desde o final da década de 1990, contudo até hoje carecemos de normativa que possibilite a penalização administrativa de estabelecimentos públicos e privados diante do cometimento de atos de homofobia e transfobia.

Da mesma forma, precisamos de uma posição mais assertiva da Secretaria de Segurança Pública da Bahia na capacitação de seus profissionais. Não podemos mais aceitar que agentes públicos de segurança tratem o tema de forma irônica ou indiferente, permitindo que crimes sejam cometidos sem a determinação precisa de suas motivações: homofobia e transfobia.

Que a Bahia aproveite os bons ventos e avance nesses temas. Afinal, segurança pública deve ser para todos e com respeito a todas as especificidades.