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O impeachment e os direitos da comunidade LGBT

Dra. Bethânia Ferreira,
17/04/2016 | 09h04

Eis que chegou o final de semana e, com ele, a votação na Câmara dos Deputados para a admissibilidade do processo de impeachment da Presidenta Dilma Rousseff. O país só fala nisso, grande parte do mundo fala disso e a discussão sobre o tema permeia nosso cotidiano. Contudo, todas essas discussões travadas em mesas de bar ou redes sociais estão sendo calcadas em dois aspectos: corrupção e “tira o PT” ou “fica o PT”.

Com o debate baseado nestes dois pilares – corrupção e o destino do Partido dos Trabalhadores – todas as demais políticas públicas e garantias de direitos fundamentais e sociais não estão sendo sequer mencionadas. Eu ainda não vi nem ouvi ninguém discutir qual a política de saúde que o Governo Temer, caso ocorra o impeachment, vai adotar. Pois bem, se nada escutei sobre a política de saúde, muito menos ouvi sobre a política LGBT que será adotada, caso Dilma deixe de ser a presidente e o vice Michel Temer assuma o poder.

Embora nada tenha ouvido acerca da política LGBT que Temer pretende aplicar, eu tenho algumas premissas – em sentido muito amplo – de como as coisas se encaminharão no futuro para a defesa dos direitos da comunidade LGBT. A primeira premissa a considerar é a opinião dos principais apoiadores do impeachment sobre a garantia dos direitos LGBT. É sabido por todos que o presidente da Câmara, Eduardo Cunha, é um dos articuladores de todo o processo do impeachment, não somente no aspecto legal que lhe cabe, mas também realizando articulações e conjeturas para que esse fato aconteça. Vale lembrar que, se Michel Temer assumir a presidência, Eduardo Cunha o substituirá em eventuais afastamentos.

Bom, não é novidade para ninguém quais são os posicionamentos de Eduardo Cunha sobre os direitos da população LGBT e os direitos das mulheres. O Presidente da Câmara sempre se posicionou contrário a legislações que garantissem direitos a esses grupos e apresentou propostas de leis absurdas sobre a matéria. Em 2010, o “nobre” deputado apresentou um projeto para a criminalização da heterofobia. A justificativa? Ele se sentia perseguido pelos gays.

Durante sua campanha para presidência da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha já tinha avisado que ele não colocaria em pauta quaisquer projetos de lei relativos à criminalização da homofobia, à legalização do aborto ou à mudança da política de drogas. Meus caros, sinto informar que a vitória do impeachment manterá nos porões do Congresso o PLC 122, que trata da criminalização da homofobia, ou o PL 5002/2013, que trata do direito fundamental à identidade de gênero, garantia de dignidade para transexuais, travestis e transgêneros.

Por outro lado – o que é igualmente lamentável –, tramita rapidamente na Câmara dos Deputados, desde a assunção do deputado ao cargo de presidente, o Projeto de Lei n. 5.069/2013, que altera o tratamento dado a uma vítima de violência sexual. Por exemplo, não será mais fornecida a pílula do dia seguinte, em caso de estupro na rede pública de saúde. Nem pretendo citar aqui os escândalos de corrupção nos quais Eduardo Cunha está envolvido.

Só para constar na premissa, apoiadores do impeachment, Jair Bolsonaro apoia o impedimento da presidenta. Meus caros, eu não preciso escrever absolutamente nada sobre o deputado Jair Bolsonaro, não é mesmo?

Temos maturidade para reconhecer que o governo do PT e da Presidenta Dilma não foi o que esperávamos, no que concerne à garantia dos direitos LGBT. Muitas proposições legais e políticas públicas poderiam ter avançado, mas isso não ocorreu. Ao se unir, em nome da governabilidade, a partidos e apoiadores com apelo religioso, vários deles fundamentalistas cristãos, muitos projetos de leis deixaram de ser votados pela sustentabilidade do governo. A criminalização da homofobia é um desses projetos que poderia ter avançado. É também verdade que, no campo das políticas públicas para a população LGBT, houve alguns avanços, mas estamos longe de conseguir cumprir todas as nossas obrigações com essa parte da população.

Além da preocupação com os apoiadores do impedimento e suas relações com as políticas para a população LGBT, temos que ter uma grande preocupação diante do desrespeito ao Estado Democrático de Direitos que estamos vivendo. Seja em operações da Polícia Federal e da Lava Jato, seja na condução do processo de impedimento, podemos verificar uma enormidade de abusos contra os direitos fundamentais.

A velha saga para vencer a qualquer custo, com a tônica de que “os fins justificam os meios”, não é saudável para Democracia. E a Democracia, acima de tudo, não é o governo da maioria. Em verdade, a democracia é o governo em que se respeita a maioria, mas com a obrigatoriedade de se respeitar as minorias. Eu vejo com grande preocupação a defesa dos direitos humanos nesse contexto em que a população brasileira está inserida. Desconsiderar direitos humanos para punir “A” ou “B” é típico de sociedades fascistas. E nessas sociedades, já sabemos que minorias como a população LGBT e as mulheres não têm vez nem voz.

Caso ocorra o impeachment da presidenta, o futuro sobre os direitos humanos e o respeito à Constituição Federal estarão incertos. Caso não ocorra o impedimento, teremos dias difíceis que podem sacrificar mais direitos das minorias em nome da governabilidade até 2018. Mas não podemos retroceder nos poucos direitos já conquistados pela comunidade LGBT. Qualquer dos resultados – impedimento ou não – implicará um contínuo processo de luta. Só espero que esta não tenha que se acirrar em meio à criminalização dos movimentos sociais.

Vamos aguardar atentos!

Doutora Bethânia é Defensora Publica