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“O Brasil é um dos países onde mais meninas e meninos são abusados sexualmente”, diz Luiz Mott

Genilson Coutinho,
22/12/2018 | 15h12

Luiz Mott

Maniqueísmo é uma visão do mundo que acredita existir uma dualidade fundamental entre dois princípios opostos: de um lado o bom Deus, do outro, o mau Diabo. O maniqueísta de esquerda acha que Lula é totalmente inocente, o maior santo desse país dominado pelos corruptos. O maniqueísta de direita acredita piamente que o mito Bolsonaro é totalmente honesto, o salvador da pátria. Visões equivocadas, pois ambos líderes reúnem aspectos bons e maus, como todos nós, simples mortais. A mesma coisa em relação às religiões: todas têm aspectos positivos, humanitários, auxiliando muitos a superar sofrimentos; todas também têm aspectos negativos, abjetos, levando à intolerância.

Num recente vídeo a Ministra do Direitos Humanos, Damares Alves, pregando numa igreja evangélica do Rio Grande do Sul, revelou que dos 6 aos 10 anos foi covardemente violentada por dois pastores. Disse que cheia de medo e culpa, decidiu então se suicidar. “Peguei veneno de rato e subi no pé de goiaba, aonde costumava ir chorar. Quando subi com o veneno, vi meu amigo imaginário, o personagem que é Jesus, de barba e roupa branca. O saquinho caiu da minha mão e desisti. Agora estão me ridicularizando por ter falado isso, mas se vocês não acreditam, problema é de vocês. Tem criança que vê duende, que fala com fadas. Eu vi Jesus”. Há crianças que incorporam os Orixás nas rodas de terreiro, acrescento eu.

Muitas divindades se manifestaram aos videntes através do mundo vegetal: Javé, o todo poderoso pai de Jesus apareceu a Moisés no meio de uma sarça ardente no Monte Sinai; Nossa Senhora de Fátima revelou-se diversas vezes em 1913 aos pastorinhos encima de uma azinheira; na tradição das religiões afro-brasileiras, Iroko é uma divindade que habita a gameleira, árvore sagrada pela qual passaram todos os Orixás. Ninguém ridiculariza tais mitos, pelo contrário, recentemente diversas árvores do Campo Grande foram garbosamente “vestidas” de panos brancos, respeitando a mesma tradição religiosa do Candomblé.

As redes sociais e a mídia deitaram e rolaram nesse episódio da goiabeira, sem atentar para dois gravíssimos problemas infanto-juvenis: o abuso sexual e o suicídio. O Brasil é um dos países onde mais meninas e meninos são abusados sexualmente, na maioria das vezes, por parentes, mas também por ministros religiosos. O médium João de Deus, dentre suas centenas de vítimas, abusou sexualmente de algumas pré-adolescentes, inclusive de sua própria filha. Suicídios infanto-juvenis são outra tragédia silenciada em nossa sociedade, seja causados pelos traumas decorrentes desses abusos, seja de jovens LGBT massacrados pelo bullying familiar e escolar.

A ministra prometeu cuidar dessas tragédias infanto-juvenis. Aleluia!

Luiz Mott

Antropólogo, historiador e  fundador do Grupo Gay da Bahia,