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Neutralização de gêneros na moda

Coleção C&A

Por

Isabela Nascimento

Uma mulher vestindo calça é algo tão corriqueiro e óbvio que nem paramos para pensar que há apenas um século, esse ato tão simples, significava tanto. Por volta de 1920, Coco Chanel, figura icônica da moda, popularizou no guarda-roupa feminino uma peça que até então era exclusivamente masculina: a calça comprida. Hoje, guardada as devidas diferenças de modelagem, a peça está presente em qualquer armário, seja qual for o gênero.

Quase cem anos depois, o mercado da moda reacende a questão “roupa de menina” x “roupa de menino”. A Gucci subiu na passarela da semana de moda masculina ano passado, na estréia do seu atual diretor criativo Alessandro Michele, com uma coleção cheia de babados, bordados, laços e transparências. Mulheres vestiam ternos e homens vestiam camisas florais e golas laço. Os looks, por vezes eram quase iguais para os dois, chegando a nos deixar na dúvida se quem o vestia se tratava de um modelo ou uma modelo.

O desfile de Michele não é o início do movimento gender-bender, ou no-gender, como é conhecido. Nas passarelas, na música, no cinema e outras artes essa discussão é recorrente, se faz presente há tempos. No entanto, na “moda da vida real”, as mudanças comportamentais demoram um pouco mais para serem aceitas. Para o varejo ainda é uma questão muito incipiente, especialmente no Brasil. Ter uma marca como a Gucci, que tem uma apelo comercial forte, apostando nessa nova estética, é um sinal de que aos poucos a neutralização de gênero na moda está chegando ao consumidor.

A Zara foi a primeira no Brasil

A proposta é quebrar padrões já estabelecidos para as roupas e desconstruir a ideia de que existe roupas para gêneros e sim que existe roupas para pessoas. Mais do que oferecer uma peça lisa, de cor neutra e modelagem ampla, que caiba em um homem ou em uma mulher, o gender-bender é propor uma mudança comportamental. É apresentar ao seu cliente a possibilidade de comprar o que quiser, de qualquer modelagem, cor ou estampa, sem rótulos. A divisão entre as sessões masculinas e femininas nas lojas por si só um elemento fortalecedor de padrões preestabelecidos. Pensando nisso, a inglesa Selfridges criou em 2015 uma experiência  de compras diferente, retirando as divisões de sessões da loja de modo que o cliente se deparava com um ambiente único, sem manequins femininos ou masculinos, com peças expostas sem limitações de estereótipos. No começo do ano, Jaden Smith, filho do ator Will Smith, estrelou a campanha da linha feminina da Louis Vuitton. Em meio a outras modelos, Jaden, que adota a estética gender-bender no seu dia a dia, aparece usando jaqueta de couro e saia. Mais uma marca trazendo a questão para mais perto do público em geral.

No Brasil, recentemente a C&A, maior varejista de moda do país, lançou a campanha Tudo Junto e Misturado, com o intuito de mostrar o seu posicionamento a favor dessa tendência de comportamento. Então você entra no site, com um banner bem grande da campanha na página inicial e encontra o e-commerce dividido em masculino e feminino, menino e menina. É até compreensível que o assunto seja introduzido de forma suave no mercado brasileiro, tão cheio de preconceitos, mas ao se propor a trazer à tona essa discussão, é de extrema importância que o discurso esteja alinhado com ações, e definitivamente não é o que acontece no caso. Mais que surfar na onda do momento, é preciso que a marca adote de verdade a bandeira e entenda que o agender é mais que uma “modinha”, é o caminho para uma mudança comportamental que vai além da roupa que se quer comprar, que tem a ver com o entender e respeitar a diversidade que existe no mundo. Muito além das cifras, muito mais humano.

Isabela Nascimento é integrante do Coletivo Minissaia e criadora do blog Vitrine Virtual. Foi parar no mundo da moda por acaso quando criou o blog, mas o que era hobby acabou virando paixão e hoje estuda Design de Moda e trabalha como produtora de moda e stylist.

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