Nelson Baskerville é nosso entrevistado da SALA VIP

Fábio Rocha,
04/05/2011 | 18h05

 

O Site Dois Terços entrevistou o ator e diretor Nelson Baskerville, que levou ao palco uma história de família. Em “Luiz Antônio – Gabriela”, ele conta a história de seu irmão Luiz Antônio, adotado, homossexual, que saiu de casa, virou travesti e perdeu contato com a família por quase trinta anos. Luiz se apresentava como Gabriela na noite de Bilbao, Espanha.

Nelson, que foi molestado pelo irmão quando era criança e que nunca mais o viu depois que ele saiu de casa, contou que a peça foi uma maneira de desculpar-se e de perdoá-lo.

Dois Terços: O espetáculo “Luiz Antonio-Gabriela” tem como eixo temático fatos que marcaram o seu círculo familiar. Por que você resolveu levar essa história para o palco?

Nelson Baskerville: Não sei explicar exatamente. Tive necessidade. Chegou o momento e eu não conseguiria falar sobre outra coisa. E comecei a ver também o assunto da diversidade e transexualidade muito banalizado, as redes sociais entupidas de frases “invividas” e precisei narrar a experiência daquilo que vivi de dentro, um irmão travesti e o impacto para ele e para a família. E é impressionante como algumas pessoas, mesmo depois de verem o espetáculo, vêm falar que o travesti faz uma opção e sofre as consequências. Ou seja, há muita ignorância cercando o assunto.

DT: Você conta e dirige a história da sua vida. Quais foram as maiores dificuldades encontradas neste seu novo trabalho?

NB: A dificuldade foi imaginar qual seria o impacto do espetáculo na plateia. Como as pessoas receberiam? A história é trágica e eu não queria que fosse vista como tragédia mas sim como alguma coisa que pudesse ser evitada se não fosse essa enorme ignorância. E realmente conseguimos nosso objetivo: as pessoas saem do espetáculo dizendo que precisam pensar melhor sobre esse assunto e que nunca tinham visto sob esse ângulo. E esse ângulo é o do não preconceito, do não maniqueísmo e da não auto-piedade. O travesti é alguém que precisa ser inserido na sociedade, como qualquer outra pessoa que tem sua voz abafada por essa sociedade ainda machista, homofóbica, retrógrada.

DT: As apresentações no Centro Cultural São Paulo foram encerradas no último dia 23 de abril com filas intermináveis e lista de espera para todas as apresentações. Como foi a reação do publico durante essas apresentações?

NB: O público chora, ri e se transporta para um lugar acima da história pessoal que o espetáculo retrata. Acredito que tivemos ajuda de outra ordem que nos fez falar com a voz de todas as pessoas que sofreram preconceito em algum momento na vida. Que não são poucas. E isso tem encantado as plateias e ainda temos a plena convicção que não fizemos isso com o pé no melodrama fácil de absorver.

DT: As cenas de sexo entre os irmãos tem gerado algum tipo da resistência para os mais conservadores que vão ao espetáculo?

NB: Não. Essa cena, na verdade, nem sequer é vista. É apenas sugerida. Ela é feita atrás de uma coluna de concreto, filmada sob luz de um flash estroboscópico e com sons, onde vemos apenas partes de corpo que nem nus estão. Não sei porque não choca, acho que é porque as pessoas entendem os dois lados e o ambiente propício para que aquilo tivesse acontecido.

DT: Segundo alguns críticos, a peça é um acerto de contas sua com seu irmão Luiz, que deixou o lar para ganhar a fama como ator transformista na Espanha. Como você lida com as críticas sobre o trabalho?”

NB: Não tivemos nenhuma crítica negativa. Acho que todos têm entendido que esse acerto de contas não é apenas entre eu e ele. É um perdão universal. Pessoas nos relatam que sentem vontade de perdoar depois do espetáculo. Sentem necessidade de rever seus conceitos. Têm vontade de se atirar mais na vida, não se segurar tanto. Todo o espetáculo está envolto numa extrema coragem e sensibilidade e contagia a todos que vão assistir.

DT: A historia do espetáculo é um fato real da sua vida e da vida da sua família, porém você não conviveu com vida de transformista do sue irmão. Como você trabalhou a construção e concepção dos ato personagens do espetáculo.

NB: Eu sou de Santos (São Paulo) e vim para a capital em 1980 para cursar a Escola de Arte Dramática (EAD) da Universidade de São Paulo (USP). Eu vim sem apoio financeiro da minha família e por isso tive muitos empregos. Em 1981, fui convidado por Renato Kramer, um ex aluno da EAD, para integrar o elenco de “Nos tempos da jovem guarda”, uma homenagem ao movimento, onde as cantoras eram representadas por atores. Renato Kramer era Wanderleia. Eu fui Erasmo Carlos e Wanderley Cardoso. Fizemos tremendo sucesso durante dois anos na boate Homo Sapiens, uma das primeiras boates gays em São Paulo. Ali convivi muito de perto com o universo transformista, assistia aos outros shows, vi Claudia Wonder trabalhando, entre muitos outros. Também participei de um grande sucesso “Nossa Senhora das Flores”, de Jean Genet, com direção de Luis Armando Queiros e Mauricio Abud, no qual era retratado o universo de um travesti, Divine. Trabalhei com Cassandra e Ana Paula e depois ainda Claudia Wonder, de novo, travestis famosos dessa época. Isso me deu algum entendimento do assunto. E meus atores também pesquisaram bastante sobre isso.

DT: As apresentações comprovaram o interesse da população. Salvador está nos seus planos?

NB: Está muito difícil fazer turnês no Brasil. É caro e ninguém mais quer bancar se não houver nomes muito famosos no elenco. É claro que queremos muito ir, mas isso depende da vontade dos que querem nos receber e do apoio local com hospedagem, transporte e alimentação.

DT: Algumas empresas não gostam de apoiar espetáculos que abordem o universo gay com medo de atrelarem seus produtos e serviços ao público gay. Você sentiu essa dificuldade no processo de capitação de patrocínio?

NB: Uma coisa muito importante: tivemos apoio, em primeiro lugar do governo do estado através de um prêmio, PROAC LGBT, que ajuda e incentiva manifestações artísticas que tratem desses assuntos que envolvem diversidade e preconceito. Porque entendo que o poder público tem grande dever e responsabilidade na mudança de pensamento sobre isso. E isso é conseguido também com a militância dos grupos que apoiam a temática, que fazem pressão sobre os órgãos públicos. Tivemos o apoio financeiro de uma empresa de terceirização de mão de obra, Visa Clean, que está muito satisfeita com a repercussão do espetáculo e a vinculação dele com a marca. Acho que isso estimula a iniciativa privada.