Mulher trans foge de clínica com ‘cura gay’ e se assume durante o trabalho

Genilson Coutinho,
29/01/2020 | 10h01
Relato de mulher transsexual contando sobre primeira vez que se assumiu no trabalho teve milhares de curtidas nas redes sociais — Foto: Reprodução/Facebook

G1

“Pela primeira vez vou trabalhar como realmente sou”. Esse foi o relato da escrevente do Tribunal de Justiça Carla de Santana, mulher trans de 40 anos, moradora de Praia Grande, no litoral de São Paulo. Carla fugiu de uma clínica que pregava a ‘cura gay’ em 2019 e, depois da experiência “traumatizante”, decidiu se assumir, se vestindo como mulher pela primeira vez no trabalho na última segunda-feira (27).

Carla é a primeira mulher declarada transgênero a trabalhar no Tribunal de Justiça em toda a Baixada Santista. Perto do dia da visibilidade trans – que é celebrado nesta quarta-feira (29) – ela decidiu trabalhar como mulher pela primeira vez. “Eu queria ter a transição perfeita, mas perto de uma data tão importante decidi que não ia esperar o dia que eu tivesse a aparência mais feminina. Eu sou mulher há anos”, desabafa.

Carla conta que veio de uma família com outros nove irmãos e era a mais nova. Desde pequena usava roupas das irmãs, mas tinha vergonha. Cresceu como homem, se casou quatro vezes, teve duas filhas e depois da morte de um enteado decidiu que ia tentar entender mais sobre sua identidade de gênero. “Decidi entender melhor quem eu era, mas ao mesmo tempo passei por um momento muito difícil e comecei a beber”, conta.

Ela explica que procurou ajuda de psicólogos na época, começou a superar a bebida e aceitar sua identidade de gênero. “Comecei a usar roupas femininas, mas não com a família ou no trabalho”, relata. A família começou a ter conflitos com Carla, e foi quando decidiram interna-la em uma clínica para ‘cura gay’.

Médico fez laudo para que ela fosse internada em clínica para ‘cura gay’ — Foto: Arquivo pessoal

De acordo com Carla, a família a internou alegando que ela tinha problemas com bebida, porém ela já tinha parado coma bebida, conta. Ela foi levada à força por parentes até a clinica, onde ficou do dia 3 de janeiro de 2019 até o dia 11 de abril de 2019.

Carla define a experiência no local como traumatizante e relata momentos de muita invasão. “Precisava tomar banho em um local aberto, com outros homens perto, e na época eu já tomava hormônios. Era constrangedor”, desabafa. Além disso, ela conta que tomava muitos remédios e precisava ouvir músicas evangélicas e fazer trabalhos como limpar banheiros.

Ela ainda conta que, na época, foi feito um laudo como se a sua transexualidade fosse um distúrbio. “Um médico que não era psiquiatra me diagnosticou com distúrbio de personalidade e de gênero, como se fosse uma doença”. Ela decidiu fugir do local, e quando saiu, a família tentou um mandado de apreensão. Carla foi ao fórum, mas a família desistiu de coloca-la novamente na clínica.

Desde seu retorno, Carla conta que tenta se reerguer, e a decisão de ir como mulher ao trabalho faz parte disso. Apesar do momento traumatizante da clínica, ela tem boa relação com a família atualmente. Ela relata que a única dificuldade é a relação com as filhas, que ainda não sabem que ela é transgênero. “É difícil passar por isso, mas com tantas mudanças na minha vida, quero aproveitar e ficar mais próxima das minhas filhas e tentar resolver isso”, desabafa.

Para Carla, a mudança nos últimos dias foi libertadora. Bem aceita pelos amigos, ela publicou o caso nas redes sociais e recebeu muitas interações e desejos de boa sorte. Seu nome nas redes sociais é “Morena Flower” e ela também tem uma página “A Mona faz direito”, onde compartilha dicas para quem quer passar em concursos públicos.

Depois de tantas experiências, aos 40 anos, Carla disse que a sensação ao se assumir é de segurança. “Eu me sinto segura. Todos me veem como mulher hoje. Ontem me despedi de quem eu era. Agradeci ao Willian (seu nome de batismo), por tudo que ele me proporcionou, por tudo que conquistou e por me dar a segurança de hoje poder, finalmente, ser a Carla”, finaliza.