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Memória LGBT de Salvador: ‘Praia dos Artistas’ e suas histórias

Genilson Coutinho,
08/04/2020 | 20h04

Por Genilson Coutinho

Na década de 70 era ponto de encontro dos artistas, da comunidade gay de Salvador e turistas, conhecida como a “Praia dos Artistas”, na Boca do Rio, precisamente na Praia Corsário, até 2010, o endereço era visto como um dos lugares mais prestigiados para quem buscava  uma programação cultural nas quentes tardes de domingo. A ferveção só era possível devido a programação organizada pelas barracas: Aruba, República, Bahamas e a Sky Blue, a mais antiga.  Juntas, as barracas ofereciam um mix de música, show e muita diversão, e tinham como ponto de referência, as três gigantes bandeiras com as cores do arco-íris e uma bandeira também na entrada, estilizada, com temáticas diversas, para receber os clientes.

Além de ser um território democrático e livre para beijar. As tardes de domingo, com os shows das estrelas do transformismo e muita música eletrônica, passaram a ser o ponto alto das barracas, que abriam a programação a partir das 15h, com shows dos atores transformistas e a batida eletrônica do DJ Johnny, residente da barraca República, e dividia a pista com Pereca Brasil e Elen, sua assistente de palco. O cast de estrelas de cada fim de semana trazia para a praia grandes shows e muita churria, em um palco improvisado, que era o espaço mais disputado pelas estrelas.

Era um movimento de visibilidade e liberdade que fazia uma mistura que agradava e atraía, a cada domingo, mais admiradores e os frequentadores de carteirinha que ganharam o título das bibas de Aruba, após a gravação de um vídeo que virou sucesso na internet, e que, se fosse nos tempos de Facebook, seria um boom nas redes. Além das novinhas que já causavam na época, estrelas como Scher Marie, Miss Boana, Valerie O’rarah , Scarleth Sangalo, Andrezza Lamark, Fabiane Galvão, As Winkys Avatar ,Dymmmy Kieer, um time incrível já passou e encantou muita gente pelas areias da Praia dos Artistas. A força desse movimento era tão grande para a visibilidade, que Bruce Cesar, organizador do Miss Universe, fez um tour com as candidatas do concurso na Barracas, causando o maior burburinho com aquele time de miss, maquiadas e com seus vestidos luxuosos em plena tarde de verão.

É com saudosismo que Scher relembra sua passagem no espaço, e recorda o seu primeiro contato com o site Dois Terços através de Genilson Coutinho e sua equipe. “Passei momentos maravilhosos na Aruba. Naquele espaço nasceu muita gente boa na cena do transformismo, fora o calor humano da galera, e o horário cedo era perfeito para trabalhar e depois tinha os DJs para fechar a noite. Através dos eventos conheci Genilson e ali foi a maternidade do site Dois Terços, acompanhamos o seu nascimento naquela praia. Não poderia ter tirado aquele espaço da gente, é lamentável”, pontua.

Essa é uma das maiores tristezas dos LGBTs que viveram uma das épocas mais encantadoras da cena gay de Salvador, após a derrubada das barracas de praia em 2010. Esse fato, além de tirar o lazer, apagou de cena uma efervescência da diversidade e gerou muitos prejuízos, não apenas aos donos de barracas, mas também para muitos empresários que mantinham suas casas nos fins de domingo com os afters pós-Aruba.

Genilson Coutinho é editor-chefe do Dois Terços e fotógrafo.