Comportamento

Social

Mais de 80 pessoas trans e travestis foram assassinadas no Brasil no primeiro semestre de 2018

Genilson Coutinho,
13/07/2018 | 11h07

 


Por Neto Lucon

A violência transfóbica continua fazendo vítimas fatais no Brasil neste ano. Dados divulgados pela Antra (Associação Nacional de Travestis e Transexuais) e IBTE (Instituto Brasileiro Trans de Educação) mostraram que mais de 80 pessoas trans e travestis foram assassinadas no primeiro semestre de 2018.

Segundo os dados, foram 86 travestis, mulheres transexuais e outras pessoas trans assassinadas neste ano. A região nordeste é a que mais matou pessoas trans: 33 assassinatos. Ela é seguida da região Sudeste (25), Norte (10), Sul (09) e Centro-Oeste (09).

“Podemos dizer que 86 assassinatos é um índice elevado e não temos visto nenhuma ação efetiva do governo para combater a violência que vem crescendo cada vez mais nos últimos 10 anos contra a nossa população”, declara a pesquisadora Bruna Benevides, da Antra.

“Outra característica dos crimes desse ano são as pedradas direcionada no rosto. Esse tipo de morte ocorria na Inquisição, quando se matavam mulheres acusadas de bruxaria que, além de queimadas, recebiam pedradas. Parece uma herança medieval e colonial que compulsoriamente impuseram a nós, transexuais. Essa desfiguração no rosto é como se afirmassem que nós não tínhamos que existir”, diz a pesquisadora Sayonara Nogueira, do IBTE.

Segundo o site da Antra, o levantamento se baseia nos casos que foram divulgados pela grande mídia, redes sociais ou por informações de redes afiliadas. Levando-se em conta que há muitos casos subnotificados e muitos que não se tornam reportagens, os números podem ser muito maiores.

Neste ano, as pesquisadoras da ANTRA e do IBTE, Bruna Benevides e Sayonara Nogueira – que desenvolviam trabalhos voluntários dentro de suas associações – se uniram pela primeira para viabilizar os dados e atuar de forma eficaz na veracidade das informações. O objetivo é levar a discussão para fora do movimento social e lutar contra a transfobia.

ASSASSINATO E MORTE SOCIO-CULTURAL

Além disso, a pesquisa divulgou que houve 29 tentativas de assassinato, sete casos de suicídio, 19 mortes por transfobia sócio-cultural e 33 casos de violações de direitos humanos. Sendo assim, os números de mortes sobem para 105. Bruna explica que mortes sócio culturais são aquelas provocadas pela omissão do Estado no acesso aos serviços básicos:

“Assassinato é uma morte intencional, provocada e direta. Já a morte por transfobia social/cultural é aquela causada pelo não acesso a serviços básicos ou a espaços sociais, desemprego, falta de saúde, educação, expulsão de casa, situações que nos são impostas a uma vida precarizada e extremas vulnerabilidades que levam uma pessoa a não-vida e até a morte”.

Dentre elas está o suicídio. “Eles refletem em grande parte à transfobia que vulnerabiliza nossas existências. Pode ser lido como assassinato social”, afirmou.

CRIME POR TRANSFOBIA

Neste ano, a Argentina reconheceu o primeiro crime por travesticídio. Trata-se do assassinato da militante travesti Amancay Diana Sacayán, que ocorreu em 2015, e que foi julgado em junho de 2018. O assassino foi condenado a prisão perpétua por travesticídio.

Bruna destaca que no Brasil nem mesmo o assassinato de Dandara dos Santos, que ocorreu no Ceará no último ano, contou com gravação e repercussão mundial, foi considerado transfóbico pelo Estado do Ceará por meio da Secretaria de Segurança Pública. Sayonara defende que quando houver o primeiro julgamento reconhecendo o crime por motivação transfóbica, ele poderá servir de parâmetro para outros julgamentos.

“O Brasil tem obrigação de reconhecer as identidades trans e criar mecanismos de punição quando esse crime de ódio acontece. Vivemos num país hostil para nossa população, as políticas públicas quando surgem é como se fossem migalhas, porque ainda somos moedas de troca”, diz.

bruna-e-sayonara
Bruna Benevides e Sayonara Nogueira

Com a finalidade de denunciar a transfobia crescente no país, a Antra entregou neste ano o relatório de assassinatos de 2017 à Comissão Interamericana de Direitos Humanos nas mãos da presidenta Margarette May Macaulay. “Assim como fizemos junto com a ONU, em janeiro deste ano, esperamos que a CIDH tome alguma providencia a fim de instar o Brasil como responsável por estes assassinatos”.

Já o IBTE trabalha para diminuir a transfobia escolar. “Atuamos através de pesquisas e monitoramento dessas violências no ambiente escolar, Acreditamos que quando essa população volta para os bancos escolares e se inclui no mercado do trabalho, é uma forma de diminuir esses assassinatos. Uma vez que a maior parte das vítimas são profissionais do sexo, já que a prostituição é compulsória nas nossas vidas”.

EM 10 DIAS

Em julho já ocorreram outros cinco assassinatos, aumentando 91 casos contra pessoas trans e travestis. Dentre elas está Mirela, que foi encontrada morta embaixo de pilha de entulho em um terreno baldio em Balneário Camboriú, Santa Catarina. Ela foi estrangulada com a alça de uma bolsa e também tinha cortes no pescoço