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Mais de 26 mil pessoas foram diagnosticadas com HIV desde 1984 na Bahia

Genilson Coutinho,
27/11/2015 | 09h11

Paulo Oliveira*, 44 anos, tinha 21 quando descobriu que teria que viver com a Aids. No trabalho, ele deixou cair um copo no chão, sem motivo aparente: descobriu um tumor no cérebro. Mas somente nos exames que antecederam a radioterapia soube que era soropositivo. “Eu transava sem camisinha porque naquela época não dava de graça nos postos de saúde e eu não tinha sempre dinheiro para comprar”, conta.

No ano em que Paulo foi diagnosticado, em 1992, mais 37 adolescentes e jovens como ele –  entre 13 e 24 anos  – receberam a mesma notícia na Bahia – em Salvador, foram 25. O estado já sabia o que era a Síndrome da Imunodeficiência Adquirida (Aids) desde 1984, quando o primeiro caso foi confirmado na capital: um homem, entre 35 e 39 anos, com ensino médio incompleto e homossexual.

Mas o perfil da pessoa vivendo com Aids na Bahia mudou. De acordo com dados do Ministério da Saúde, novos diagnósticos vêm sendo feitos em todas as faixas etárias.

Desde 1984, 26.268 pessoas já foram diagnosticadas com a doença na Bahia, segundo a Secretaria Estadual da Saúde  (Sesab). Destes, 16.269 foram confirmados somente nos últimos dez anos, entre 2005 e 2014.

Para especialistas, o aumento no número de casos é explicado pela falta de prevenção. “O uso da camisinha ainda não é uma prática diária”, diz a coordenadora do Centro Estadual Especializado em Diagnóstico, Assistência e Pesquisa (Cedap), a médica  infectologista Miralba Freire.

Ela aposta, ainda, em outro fator: menor preocupação com a seriedade da doença. “É uma mudança de visão. Talvez os jovens hoje tenham uma vivência diferente de quem viu perdas graves, de artistas, de pessoas que eram até idolatradas, para a Aids. As pessoas têm uma falsa ideia de que o coquetel (de remédios) significa segurança. Ele melhora muito a qualidade de vida, mas não representa cura”, alerta.

Juventude em risco

De 1984 até 2014, os diagnósticos de Aids em adolescentes e jovens na Bahia representavam pouco mais de 10% do total no estado até aquele momento: eram 2.588 casos no universo de 26.268 diagnósticos. Hoje, em Salvador, segundo a coordenadora municipal de DST/Aids, Flávia Guimarães, é entre jovens a prevalência de novos casos.

“É uma epidemia concentrada em populações-chave. Os jovens não viram o lado feio da Aids e hoje têm a ideia de que tem cura. Tudo bem que nós tivemos grandes

avanços, tem o coquetel, a pessoa convive bem com a doença. Ela  vai ter uma vida longa, mas com restrições”, afirma.

Segundo Flávia, os jovens aparecem duas vezes no quadro de populações-chave para o Ministério da Saúde: como jovens, propriamente, e como homens  jovens que fazem sexo com homens (HSH).

Em 2013, último dado anual disponibilizado pelo Ministério da Saúde, a maior parte dos adolescentes e jovens identificados com Aids na Bahia eram homens, pardos, com ensino médio completo e heterossexuais.

A coordenadora de Educação e Saúde do Cedap, Marli Miguez, enxerga outro problema. “O maior desafio é ensinar prevenção para uma geração que não tem medo da Aids. É um grande desafio falar para jovens quando não temos mais aquele impacto, onde as pessoas morriam, aquela cara feia da Aids. A gente vê pessoas convivendo com uma doença de manejo crônico, mas a epidemia continua fora de controle”, afirma.

Dados do Boletim Epidemiológico de Aids de 2014 do Ministério apontam a maior concentração de pessoas vivendo com Aids no Brasil tem, hoje, entre 25 e 39 anos. Nos últimos dez anos, o maior crescimento foi entre homens de 15 a 19 anos – 53,2%. É também nesse grupo que está a maior tendência de mortalidade pela doença.

Já na Bahia, a maioria dos diagnósticos em 2013 é de homens, entre 40 e 49 anos, de cor parda, com ensino médio completo e heterossexuais.

O perfil é o mesmo encontrado nas três cidades com o maior número de novos casos nos últimos 14 anos e meio (2000-2014): Salvador (9.619), Feira de Santana (1.060) e Vitória da Conquista (514). As outras sete cidades com o maior número de novos casos nesse período são, também segundo o Ministério da Saúde, Itabuna (435), Porto Seguro (435), Camaçari (420), Juazeiro (405), Ilhéus (387), Lauro de Freitas (386) e Eunápolis (309). Todas as cidades têm mais de 100 mil habitantes.

*Nome fictício

Esperança de vida de soropositivos é de 55 anos

O relatório de 2015 do Programa Conjunto das Nações Unidas sobre HIV/Aids (Unaids) mostrou ao mundo uma série de dados animadores. Um deles é o aumento da expectativa de vida para o paciente diagnosticado com Aids. De acordo com o relatório, uma pessoa que era identificada com a doença aos 20 anos de idade teria, entre 1995 e 1996, a expectativa de viver apenas mais oito anos.

Essa esperança foi crescendo com o passar do tempo: entre 2000 e 2002, chegou a mais 36 anos; depois, a mais 45 anos e, entre 2006 e 2009,  chegou a 51 anos. Desde 2010, a expectativa de vida desse mesmo paciente diagnosticado aos 20 anos é de mais 55 anos de vida. Ou seja, apenas cinco anos a menos do que uma pessoa HIV negativa. Outro dado animador foi o fato de o mundo ter alcançado a meta de 15 milhões de pessoas vivendo com HIV/Aids em tratamento. Agora, a  meta da Unaids é conseguir acabar com a epidemia de Aids em 2030. Dentro da meta, a Unaids prevê reduzir, até lá, para 400 mil o número de mortes pela Aids – em 2014, foram 1,2 milhão.  Também segundo a Unaids, a exposição heterossexual é responsável por 80% das novas infecções HIV do mundo. Na África Subsaariana, esse é o principal meio de transmissão do vírus HIV.

De mãe pra filho: 8,2% na Bahia

Estudo apresentado este ano pela enfermeira sanitarista Reijane Patricio, do Centro Estadual Especializado em Diagnóstico, Assistência e Pesquisa (Cedap), mostrou um número preocupante: a  taxa de detecção de HIV/Aids em gestantes e a transmissão vertical – de mãe para filho. alcançou a marca de 8,2% na Bahia.

“A transmissão vertical é uma coisa que chama a atenção, porque é algo totalmente possível de prevenir. É importante que a gestante com HIV faça um acompanhamento, porque assim essa transmissão pode ser, inclusive, zerada”, diz a coordenadora do Cedap, a infectologista Miralba Freire.

O dado foi obtido através de casos atendidos no Cedap, mas que reflete uma realidade no estado porque é este o centro de referência que atende pacientes dos 417 municípios baianos e até de outros estados. Segundo Reijane, há ainda uma tendência à feminilização da Aids. “Hoje, o número de casos em homens é três vezes maior do que nas mulheres, mas já existem muito mais mulheres vivendo com Aids do que há 20 anos”, diz.

De acordo com dados do Conjunto das Nações Unidas sobre HIV/Aids (Unaids), em 2014, as mulheres já foram maioria no número de novas infecções por HIV no mundo, no público de 15 a 24 anos.

Saiba onde encontrar tratamento na Bahia

Cedap  O Centro Estadual funciona de segunda a sexta-feira, das 7h às 19h, na Rua Comendador José Alves Ferreira, 240, no Garcia, em Salvador. É o centro de referência estadual para todos os municípios da Bahia.

Semae Liberdade  É um dos três centros municipais especializados de Salvador. Funciona de segunda a sexta, das 8h às 17h,  na Rua Lima e Silva, 217, na Liberdade.

Centro São Francisco  Segunda a sexta, das 8h às 17h, na Rua José Duarte, 86,  Nazaré.

CTA Marymar Novaes  Segunda a sexta, das 8h às 17,  Rua Artur Bernardes, Bonfim.

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