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Mães de adolescentes LGBT+ mandam recados para outras famílias: ‘aceitação’

Genilson Coutinho,
09/05/2021 | 10h05

Uma vez, preocupada com as reações de colegas de escola do meu filho caçula, eu comecei a desenhar um projeto, uma campanha. Nele, queria dar voz às mães que, como eu, gostariam que seus filhos gays não fossem rejeitados e discriminados. Imaginei que, apelando para o sentimento materno, poderíamos pedir a outras mães que ensinassem respeito e promovessem acolhimento dentro de casa. Ousei mais.

Por que não convocá-las a cuidar das nossas crianças, nas ruas, para que elas não sofressem violências homotransfóbicas? Faríamos o mesmo pelos filhos delas, porque sabemos o que é ter medo. Seria um pacto de proteção das crianças. Um pacto de mães. Um sonho, que ainda não saiu do papel.

Mas, então, chega o Dia das Mães de 2021 e participo de uma das comunidades mais acolhedoras que já conheci, o Mães pela Diversidade, de familiares LGBTQ+, coletivo criado pela jornalista Majú Giorgi.

Temos um grupo de WhatsApp e, dia sim, dia sim, me emociono com os depoimentos de mulheres e homens (pais) de crianças, adolescentes e adultos que não se encaixam no modelo heteronormativo (modelo tradicional, menina de rosa, menino de azul etc…)

“Ontem saímos, eu e Luiz, pra comprar batom e voltamos com uma saia e blusa. Foi muito difícil pra mim, engoli o choro muitas vezes na loja”, diz uma mãe de adolescente que se define como um jovem não binário, que não cabe dentro de conceitos pré-estabelecidos de masculinidade e feminilidade. “Mas ver a alegria dele com sua nova roupa transbordou amor de meu coração.”

Como não aproveitar esse dia para dar um recado de mãe para mãe? Abro esse espaço para a voz das mães de jovens homossexuais, transexuais e não binários. De maneira muito generosa, essas mulheres toparam meu convite para deixar falar nesse Dia que entendo como sendo de celebração do amor e da aceitação.

Observação: troquei o nome das mães e filhos para evitar exposição de suas identidades. Um dia, quem sabe, esse tipo de cuidado não seja mais necessário.

Recado de Carolina, mãe de um adolescente trans de 16 anos

“Foram seis longos anos de tristeza, depressão e uma tentativa de suicídio. Desde os 10 anos de idade, havia algo, mas os psicólogos não deram importância. Mas, no fim do ano passado, minha filha me chamou no quarto dela e se assumiu como menino. Na hora, eu disse que a amava do jeito que ela fosse. Ela chorou de emoção, disse que estava feliz e me amava muito, mas também estava com medo. Foi quando encontrei o grupo Mães pela Diversidade, recebi amor e carinho e aprendi muito. Principalmente que eu não estava sozinha. O amor supera todos os obstáculos. No dia 10 de janeiro, minha filha fez o primeiro corte de cabelo masculino. Foi o dia que mais chorei, não de tristeza, mas da despedida da minha Bela, que não era feliz, para dar lugar ao Luan, que é feliz, radiante, carinhoso.”

Recado de Paula, mãe de um jovem não binário de 20 anos

“Meu filho se identifica como não disforiabinário. Mas com vontade de se apresentar como mulher.
Sempre fomos muito próximos, mas levei um choque quando soube do não-binarismo, de uma possível disforia de gênero, https://nos.blogosfera.uol.com.br/2019/12/28/minha-filha-nasceu-menino-pai-conta-caminhos-que-trilhou-com-filha-trans/ quando a pessoa se identifica com um gênero diferente do que nasceu. Choque que demorou dias pra dissipar. Lágrimas, dúvidas e medo. Muito medo. Medo da sociedade, do preconceito, da violência. Medo dos filhos e filhas de outras mães. Medo de mim? Comecei a ler, pesquisar, me cercar de pessoas que vivenciam a mesma realidade. E como é acolhedor não estar só. É fácil? E quem disse que a maternidade é fácil? Em qualquer situação. Nunca foi. E não será diferente agora. Quero dizer que o amor, que eu já sentia, transmutou. Transbordou. Que a relação, que já era linda, agora é embalada por uma delicadeza que eu não conhecia. Delicadeza que não possuía. Quando eu o/a olho e escuto, brota admiração de meu coração. Como admiro a coragem, a garra, a maturidade de meu/minha filhe. Como admiro sua força pra desmoronar um sistema que foi construído ao longo de seus 20 anos. Por isso eu lhes peço, mães, que experimentem o amor incondicional e respeitem as escolhas de nossos filhes. Se precisarem, contem comigo pra lhes mostrar o meu amor.”

Recado de Catarina, mãe de um jovem gay

“Somos uma família cristã protestante e, quando meu filho mais velho se assumiu gay, nós o acolhemos com todo o amor que sempre tivemos. Mas não foi fácil, pois a maioria das igrejas não sabe e nem nos auxilia a lidar com situações de diversidade. Tivemos medo da rejeição que ele poderia sofrer, da violência deste mundo homofóbico e da não aceitação por parte de pessoas que nos eram próximas. Aos poucos, fomos nos acalmando e aprendendo a viver sem neuras. Nunca tivemos vergonha do nosso filho, que é um menino de ouro. Ele é muito amado por todos nós, por nossa família extensa e por todos os nossos amigos. Mas vejo em nosso meio muitas famílias que sofrem, que abandonam seus filhos que se assumem LGBTs. E o que tenho a dizer a eles é que Deus ama seus filhos como eles são e que a maior expressão de amor, acolhimento, segurança, confiança e liberdade começa em casa, quando você o abraça e enfrenta o mundo por causa dele.”

Recado de Vanessa, mãe de um menino trans

“Aos 12, 13 anos de idade, minha filha se declarou lésbica. Na época, isso já pareceu difícil, desafiador, mas ok! No entanto, um receio sempre pairou no ar em relação à identidade de gênero, pois “ela” sempre se identificou com o universo masculino. Quando ouvia as histórias das mães de trans, eu pensava: essa podia ser a história da minha filha… E emendava: Deus nos livre disso, muito sofrido, muito louco, não quero não! Mas, como Deus é um cara brincalhão, em abril do ano passado, minha filha se revelou pra mim e o chão se abriu! Ela chorou muito, eu abracei e a acolhi e, desde então, estamos no caminho da transição. É esquisito, é preocupante e ficamos cheios de dúvidas. Ser trans é espiritual? É biológico? Gênero é apenas algo construído? As perguntas ficam sem respostas… Porém, tenho um filho mais feliz em casa, em busca de afirmação da sua identidade, e que pode contar conosco pra tudo! Com dúvidas ou não, a única coisa que queremos é a felicidade dele, respeito por quem ele é, um lugar no mundo para viver como qualquer um de nós! Amo meu filho mais que tudo e do jeitinho que ele é!”

Recado de Dora, mãe de uma adolescente trans de 13 anos de idade

“Mães, escutem seus filhos, eles têm muito a dizer. Em casa, percebemos que nosso filho era diferente quando ele era bem pequeno e queria imitar a irmã mais velha, usar panos na cabeça para parecer que tinha cabelo comprido. No começo, achamos que ele seria gay, mas com o tempo percebemos que não era isso. Ele, ela, estava sofrendo muito, era vítima de bullying na escola. Pesquisamos bastante o assunto e passamos a perceber que se tratava de disforia de gênero. Hoje, depois de muita coisa, estamos passando pelo processo de transição com a ajuda de médicos e psicólogos. Ela está mais feliz. Todos nós estamos.”

Recado de Ana, mãe de um jovem homem trans

“Oi, você. É! Você que se sente perdida, sozinha e meio confusa, não é? Quando soube que meu filho era trans, fiquei com medo por ele, e apreensiva pelas pessoas que podiam não aceitar. É normal, viu? Meu conselho é que você tenha orgulho das coisas que seu filho conquistou, mesmo que pareçam pequenas ou estranhas porque passo que ele dá exige que ele supere muitas dificuldades. Aproveite cada minuto junto, são preciosos. Curta, escreva um diário, escreva bilhetes de momentos bons e os coloque em um pote para abrir depois de um ano. Aí, você pode mostrar que tem coisas positivas acontecendo. Seja a rocha dele, encontre sua força onde precisar! Eu encontrei um conjunto de mães prontas para arregaçar as mangas e lutar comigo, me ouvir e buscar soluções. Não estamos sozinhas.”

Recado de Laura, mãe e madrasta de jovens LGBT+

“Queridas mães, nenhuma de nós escolhe a cor dos cabelos ou dos olhos das crianças que geramos ou pelas quais nos tornamos responsáveis: apenas desejamos que sejam saudáveis e oferecemos todo o colo, cuidado e aconchego de que precisam para que cresçam felizes. Nenhuma de nós escolhe o gênero com o qual essa criança se identificará um dia, ou a orientação sexual que expressará quando chegar à adolescência ou vida adulta: mas é nossa opção continuar proporcionando apoio e proteção em um lar seguro, acolhedor e amoroso.”

Se você quiser conhecer mais do coletivo Mães pela Diversidade, acesse o site.

Fonte: Coluna Brenda Fucuta (Universa)