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Kassin soma forças com o rapper LGBT Jeza da Pedra em EP inspirado na cultura urbana do Rio

Redação,
29/04/2019 | 10h04

Jeza da Pedra e Alexandre Kassim (Foto: Divulgação)

Um Rio de Janeiro contemporâneo, ora raivoso, ora bem-humorado, ora romântico surge no urgente EP “Jeza+Kassin”, unindo o premiado músico e compositor com o primeiro rapper assumidamente gay da cena carioca. O trabalho está disponível nas plataformas de música digital através do selo Lab344.

Ouça “Jeza+Kassin“:

Faixa-a-faixa abaixo

Com quatro faixas, o intenso registro foi inspirado desde o funk 150bpm, até a cultura hip hop, passando pela EDM, experimental e religiões afro-brasileiras. O EP lança um olhar singular em temas atuais e une artistas de origens e bagagens completamente distintas. O objetivo é que as dissemelhanças se complementem, se transformando em algo novo e diferente de tudo que os dois artistas já fizeram.

“Desde o começo, a gente tinha a ideia de tratar cada faixa como uma crônica musical com olhar voltado para o agora. Tudo foi criado no meio de um clima doido que o Brasil está vivendo desde antes das eleições”, conta Jeza da Pedra, que não esconde sua admiração por Kassin: “trabalhar com ele é algo que ainda não caiu a ficha pra mim”.

Alexandre Kassin é um dos músicos mais influentes e respeitados do Brasil, tendo atuado em projetos como Acabou La Tequila, +2 e Artificial. Lançou álbuns aclamados como “Sonhando devagar” e “Relax”, que foi indicado ao Grammy latino em 2018. O também produtor e multi-instrumentista já trabalhou com artistas como Caetano Veloso, Jorge Mautner, Los Hermanos e Gal Costa. O EP lançado com Jeza é o primeiro passo da parceria entre os artistas, que trabalham em estúdio em um álbum completo.

“Eu já estava com a ideia de fazer algo com muita percussão, programação e sintetizador. Achava que eu cantando ia soar totalmente errado e queria achar alguém que cantasse em cima delas. Quando ouvi o trabalho do Jeza, pensei na hora que ele poderia ser a pessoa certa para essas faixas. De um jeito diferente, o nosso trabalho dialogava nas letras com senso de humor, por exemplo”, conta Kassin.

Jeza criou sua identidade musical no Complexo da Pedreira em meio a igrejas neopentecostais, bailes funk e rodas de samba. Essa combinação incomum resultou no EP de estreia lançado em 2017, “Pagofunk Iluminati”. Em 2018, o rapper fez a sua primeira turnê na Alemanha, sendo convidado como atração na segunda maior parada LGBTQ da Europa. Lançou o single “Junto ao meu lado”, produzido por Rick Beatz em colaboração com Sofia Vaz (Baleia) e Migué, além de uma nova versão deluxe do EP debut com faixas extras e parcerias com o Afrojazz.

Ouça “Jeza+Kassin”: https://lab344.lnk.to/JezaKassin

Faixa-a-faixa, por Jeza da Pedra:

Pedra do Sal: A Pedra do Sal é sinônimo de resistência, berço do samba e local sagrado onde nasceram as religiões afro-brasileiras. Antes da zona portuária ser aterrada o mar começava exatamente ali. Fiquei viajando nessa parada da Pedra do Sal, na falácia da meritocracia, no apartheid geográfico que recorta o Rio e priva o direito de ir e vir das pessoas que moram distantes do Centro e da zona sul.

O mote da letra surgiu depois que o Kassin me explicou que a linha percussiva tinha enredo com toques de Exu. A gente também tinha como referência fazer um bagulho meio “DJ Dennis do mal”, algo que fosse dançante, bem pra cima numa vibe tipo pista de dança da Via Show.

IH CRL: Foi a música que fizemos mais rápido no estúdio. Mauro, Kassin e eu estávamos conversando sobre a pira do 150bpm no Rio, de como que se constituía o corpus linguístico do funk dentre outras paradas.

O funk, tal como é produzido e consumido na favela nos dias de hoje, não tem pretensão de soar politicamente correto, porque nesses territórios periféricos as leis, a soberania e legitimidade do Estado desaparecem por questões óbvias (impunidade policial, descaso com a saúde, educação, saneamento, cultura, e por aí vai). É também uma voadora na indústria cultural porque quem produz funk, ‘tá cagando se o som vai vingar ou não na pista.

Acho que a gente fez a “IH CRL” com esse ímpeto do “foda-se”. A gente só ‘tava querendo se divertir fazendo um som maneiro. Sou suspeito pra falar mas acredito que o nosso registro ficou bastante fidedigno à proposta de um proibidão tiro de bazuca hi-tech.

Escuta: Essa foi a última que entrou no EP. Eu ‘tava com a letra e melodia prontas e muito sem graça de mostrar ao Kassin porque achava tudo muito love song ‘xonadinha e diferentona demais. Eu a compus pensando no tanto que já vacilei por causa desse bagulho de ciúme e inseguranças.

A princípio, a ideia era fazer um funk melódico, só que parecia que a gente ‘tava utilizando uma fórmula meio batida e repetitiva, o que destoava esteticamente do projeto e não dialogava muito bem com a proposta musical daquilo que havíamos imaginado. Foram três versões até chegar ao resultado final.

Eu queria que o nome fosse “Amor Líquido” por causa de um livro do Zygmunt Bauman que já me fez pirar bastante. Só que parecia um nome acadêmico demais para uma love song. Perguntei ao Kassin o que achava e ele rechaçou a ideia, mas simplificou as coisas com uma sugestão melhor: “Escuta”. Aí ficou o nome.

Lajão do final feliz: É sobre os bairros que fizeram e ainda fazem parte da minha história no Rio. É sobre um percurso que começa em Madureira e passa por vários bairros e favelas da zona norte até chegar na Prainha do Vidigal e terminar na estação de metrô General Osório, em Ipanema.

Há muitos anos, havia uma pichação no muro da estação de metrô da Pavuna dizendo que “Pavuna significa buraco escuro em tupi”. Nunca procurei saber se essa informação é de fato verídica, contudo, creio que todos que vivem naqueles arredores têm esse inscrito na memória – e isso me marcou tanto que acabou entrando na letra. Acho importante exaltar bairros e favelas que não figuram com frequência na música popular e que fazem parte daquilo que eu sou.