Comportamento

Social

Jovem transexual faz campanha para realizar cirurgia de retirada dos seios

Genilson Coutinho,
19/01/2016 | 10h01

Professor de música faz campanha para arrecadar dinheiro para cirurgia (Foto: Arquivo Pessoal)

O jovem transexual Bernardo Gonçalves, de 22 anos, que ficou conhecido após sofrer uma agressão enquanto aguardava para usar o banheiro de um bar em São Carlos (SP), lançou uma campanha na internet para arrecadar R$ 12,7 mil para a realização de uma mastectomia masculinizadora. A cirurgia para a retirada dos seios faz parte do processo de redesignação de gênero de Bernardo, que há dois anos e meio se reconhece e identifica como homem.

A ideia da campanha surgiu depois que o jovem, que dá aulas de música para crianças e ganha entre R$ 720 e R$ 800 por mês, fez as contas para saber quanto tempo teria que economizar para conseguir pagar a operação. O valor total inclui gastos de R$ 1,9 mil de despesas hospitalares, R$ 2,4 mil de anestesista e R$ 8,4 mil do procedimento cirúrgico. “É a única forma de conseguir fazer a cirurgia, com o dinheiro que eu ganho e sem ajuda, vou levar 10 anos para juntar o que preciso”, estimou.

Segundo o Bernardo, realizar a cirurgia pelo Sistema Único de Saúde (SUS) seria ainda mais difícil. “Nós somos o país que mais mata e o que menos auxilia pessoas trans. Os sistemas públicos que nos atendem são hiper lotados. De acordo com os cálculos de um amigo, pedindo uma consulta hoje, eu levaria em torno de 150 anos pra ser operado”.

Há um ano e oito meses tomando hormônios, com acompanhamento médico e psicológico, o jovem tem problemas de saúde ocasionados pelo uso do binder, faixa de compressão que usa para esconder os seios.

“Eu sempre ando curvo, porque se endireitar as costas vai aparecer o meu peito. Sem contar as assaduras e cortes que a faixa causa, já perdi uma porcentagem da capacidade pulmonar. Eu sinto dor no peito o tempo todo. Às vezes fico com tontura na rua e preciso ir até um banheiro e ficar 15 minutos sem a faixa”, disse.

Com o tratamento hormonal avançado, Bernardo tem traços masculinos, mas ainda fica desconfortável com os olhares que recebe. “Tenho a sensação que sou uma gambiarra ambulante. Estou sempre me apertando em cima para não aparecer nada do que não devia. Quando as pessoas na rua ficam confusas sobre eu ser menino ou menina, a primeira coisa que olham é para o meu peito”.

Quando iniciou o processo de transição de gênero, Bernardo já dava aulas e conversou com seus alunos para explicar as mudanças que estavam por acontecer. “As crianças estão muito mais preparadas para o diferente do que os adultos. Eu esperava uma reação negativa, ou pelo menos complicada, e quando eu expliquei que na verdade sou um menino nenhum deles pareceu estar recebendo uma grande notícia. Acho que eles sempre me viram como uma figura masculina, só ficou mais fácil pra todo mundo”, afirmou.

Desde que lançou a campanha em um site na internet, Bernardo já arrecadou R$ 375 e espera atingir o valor necessário para realizar seu sonho e ter uma vida normal como outros jovens da sua idade.

“Se tiver uma palavra que defina o que esse procedimento significa para mim, essa palavra é liberdade. Eu nunca fui à praia, nunca entro em piscinas, meus amigos me chamam pra nadar e eu morro de vontade, porque adoro nadar, mas me sinto muito mal tendo que ficar de binder na frente de todo mundo. Acho que além da liberdade a cirurgia também seria uma forma de reinserção social que eu ainda não tive”, declarou Bernardo.

Agressão

Em janeiro do ano passado, Bernardo Gonçalves afirmou que foi vítima de agressão física e verbal de um casal de clientes quando aguardava para usar o banheiro masculino de um pub da cidade. Segundo ele, um segurança do local também o ofendeu.

“Eu estava na fila quando um sujeito chegou gritando e perguntando se as pessoas tinham genitais femininos ou masculinos e se elas iriam urinar em pé. Eu percebi que era comigo e tentei remediar, disse que todos iriam usar o banheiro e bastava ele ter calma e aguardar sua vez. Ele se ofendeu e começamos a discutir. Quando tentei entrar, ele me puxou”, afirmou o jovem ao G1 na época.

Segundo o Ambulatório de Saúde Integral para Travestis e Transexuais, que atende o Estado de São Paulo, desde 2008 uma portaria do SUS regulamenta as cirurgias para transexuais, porém o procedimento é realizado pelo Hospital das Clinicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo há mais de 20 anos. Desde o ano passado, o Hospital Estadual Mario Covas, em Santo André, também realiza a operação.

Para ter acesso às cirurgias de redesignação sexual os pacientes precisam passar por, no mínimo, dois anos de acompanhamento com equipe multiprofissional, composta principalmente por endocrinologista, psicólogo e psiquiatra, e ter relatórios médicos das três especialidades.

Hospital das Clínicas de São Paulo (Foto: Reprodução/ TV Globo)

Ainda de acordo com o ambulatório, atualmente, mais de 300 homens transexuais estão em atendimento e o tempo de espera na fila para a cirurgia é superior a 15 anos, pois as vagas são disputadas com mulheres transexuais.

Anualmente, o Hospital das Clínicas realiza em média 12 novas cirurgias mas, no caso dos homens, o procedimento é feito em três etapas, que são realizadas semanalmente.

Entre 2008 a 2014, foram realizadas 246 cirurgias de redesignação sexual e 6.741 pacientes transexuais foram atendidos pelo SUS, segundo dados do Ministério da Saúde.

Serviço

O Ambulatório de Sexualidade Humana de São Carlos oferece atendimento psicoterápico, laudo psicológico e encaminhamento ao Ambulatório de Saúde Integral para Travestis e Transexuais, em São Paulo. A unidade atende moradores de Descalvado, Dourado, Ibaté, Porto Ferreira, São Carlos e Ribeirão Bonito. O ambulatório fica no Centro Municipal de Especialidades (Ceme), na Rua Amadeu Amaral, nº 555, na Vila Isabel. Mais informações podem ser obtidas pelos telefones (16) 3368-2044 e (16) 3368-7402.

Em São Paulo, o Ambulatório de Saúde Integral para Travestis Transexuais fica na Rua Santa Cruz, nº 81, na Vila Mariana. O agendamento de consultas pode ser feito pelo telefone (11) 5087-9984, das 8h às 11h.

Do G1