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Jovem trans recebe apoio jurídico da FTC Conquista para mudança do nome

Redação,
17/05/2017 | 16h05
Adriel Souza Silva - FTC Conquista (2)

Adriel Souza Silva (Foto: Divulgação)

O verão de 2014 entrou para a história da vida de Adriel. Em fevereiro daquele ano, ele conquistaria pela primeira vez o direito a ter sua identidade masculina reconhecida de forma institucional.
 
Nascido com o sexo feminino e batizado como Adriele Souza Silva, o conquistense de 21 anos obteve o reconhecimento ao se matricular no curso de Publicidade e Propaganda da FTC Conquista. “A FTC foi o primeiro lugar que me respeitou. Na matrícula, pedi para mudar o nome para Adriel e isso foi feito. Foi modificado nas provas e na chamada. Eu fiquei muito surpreso e grato com a FTC”, declara.
 
Após cursar quatro semestres, Adriel resolveu mudar de curso e hoje está na área de saúde, estudando em um curso técnico de Enfermagem, onde busca reforçar sua identidade masculina estando em um corpo feminino – Adriel é transexual, pessoa cujo gênero biológico se difere da identidade sexual.
 
Mas seus laços com a FTC não foram cortados. No início deste ano, ele procurou o Núcleo de Práticas Jurídicas (NPJ) da Instituição para auxiliá-lo a dar entrada num processo de requalificação civil, com o objetivo de mudar o nome em seus documentos oficiais e ter sua identidade sexual reconhecida pela Justiça.
 
“Desde a infância e início da adolescência, notei que tinha algo de errado comigo. Até me assumi como lésbica, mas não era aquilo ainda”, conta Adriel, segundo o qual ele decidiu pela identidade masculina na adolescência.
 
“Com 20 anos, eu comecei a fazer tratamento hormonal e outros exames, pois já tinha certeza do que queria”, diz ele, cuja aparência em nada lembra uma mulher.
 
Adriel procurou o NPJ por influência de uma amiga estudante da FTC. No momento, ele providencia a documentação necessária para entrar com o processo, que envolve ainda provas testemunhais.
 
“As pessoas do NPJ estão procurando me ajudar e estou vendo que não estou sozinho, isso para mim é muito bom”, destaca.
 
Exemplo
 
E para além da mudança de nome e reconhecimento por parte da Justiça da sua identidade de gênero, Adriel quer servir de exemplo para que outras pessoas transexuais busquem seus direitos.
 
“Tenho um grupo de amigos trans e ao menos três deles procuram ajuda para entrar com o processo, ter mais respeito e aceitação social. Isto porque a transexualidade ainda é pouco compreendida pelas pessoas, o que acarreta muitas vezes, em constrangimentos, como ir a um consultório médico e ser chamado pelo nome de batismo”, explica.
 
Na família, Adriel afirma que encontrou barreiras, mas posteriormente os parentes foram mais compreensivos. “Ninguém imagina ver você crescer de uma forma, depois estar de outra e já querer ser reconhecido como menino”, disse, ao informar que para todos foi um “choque”.
 
A situação foi contornada aos poucos, quando ele passou a conversar com os parentes da família de cada vez. “Minha mãe foi mais tranqüila e me ajudou a conversar com outras pessoas, como minha avó. Hoje, se alguém pergunta se eu sou neto dela, ela já associa, mas ainda não aceita totalmente, pois é evangélica e tem os princípios dela. E eu respeito isso também”.
Adriel Souza Silva - FTC Conquista (3)

Adriel Souza Silva (Foto: Divulgação)

 
Primeiro caso no NPJ
 
No Núcleo de Prática Jurídica da FTC este é o primeiro atendimento feito relacionado à transexualidade, mas já houve outros atendimentos a casais homoafetivos que desejavam a adoção de crianças.
 
Criado em 2008, o NPJ da FTC realizou até dezembro do ano passado aproximadamente 16 mil atendimentos, sendo mais de 2,5 mil conciliações de casais em estado de separação, 3 mil audiências, 65 exames de DNA (iniciados em 2012) e está com mais de 1,6 mil processos ativos, dos 3,6 mil que deu entrada.
 
No Núcleo, quem acompanha Adriel é a estudante Samara Mira, do 9º semestre de Direito. “É muito importante para eles sim, é um direito querer mudar o nome. Acho que seria um grande avanço se o judiciário colaborasse. Procurar o Núcleo é muito importante para encorajar os outros também”, comenta a aluna.
 
Segundo informa a professora e advogada Maria Vitória Dias, uma das profissionais que atuam no NPJ da FTC, orientando os estagiários de Direito da Faculdade, o judiciário está sedimentando uma pacificação sobre o entendimento do tema.
“Estão estudando, por exemplo, se é necessário fazer uma transgenetização [cirurgia para troca de sexo] ou não. O Superior Tribunal de Justiça (STJ) já vem entendendo que não é preciso”, diz a professora Maria Vitória.
 
Outra dificuldade é que em alguns casos, o judiciário, para autorizar a troca de nome, pede laudo que ateste que a pessoa transexual não está sofrendo um suposto transtorno de identidade de gênero, como define a Organização Mundial de Saúde (OMS) na Classificação Internacional de Doenças (CID) F64.
 
No caso de Adriel, ele afirma não ter dúvida alguma sobre sua identidade sexual e acha desnecessário provar isto por meio de um exame mental. Com relação à cirurgia, o jovem diz que, por enquanto, pretende retirar apenas os seios.
Quem vai julgar?
 
Diante de tanta falta de entendimento, outro problema surge nas próprias varas judiciais, as quais se julgam incompetentes para analisar estes casos que vão para o Tribunal de Justiça, em Salvador, para que seja decidido quem julgará o tema. Os conflitos são entre a Vara da Família e a de Registro Público.
 
A professora de Direito da Família da FTC, Glenda Félix, lembra que está pendente no Supremo Tribunal Federal (STF) ação de inconstitucionalidade para que o artigo 58 da Lei de Registros Públicos (Lei 6.015/73) seja interpretado de acordo com a Constituição, indo pelo princípio da dignidade da pessoa humana. “Porém o juiz pode dar a sua interpretação, se pode fazer ou não a mudança de nome [sem a necessidade da cirurgia]”, declara a advogada.
 
OMS pretende mudança na CID F64
 
Em 2015, a OMS anunciou que estuda a mudança na CID F64. A entidade diz que já não classifica a transgeneridade como uma condição patológica.
 
A condição emocional causada pela insatisfação do indivíduo transgênero é hoje tratada como “disforia de gênero”, uma condição que exige intervenção especializada para adaptar o corpo do paciente à imagem que ele tem dele mesmo.
 
“É crítico ressaltar que os transgêneros passam por aflição emocional resultada não só da pressão externa, da discriminação, mas também da insatisfação causada por estar em um corpo que não corresponde à sua identificação de gênero”, ressalta Rafael Mazin, conselheiro sênior do Escritório da OMS nas Américas, em comunicado oficial.