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Indústria entra com ação contra regra trabalhista que protege trabalhador com HIV

Genilson Coutinho,
09/02/2020 | 14h02

A CNI (Confederação Nacional da Indústria) entrou com ação no STF (Supremo Tribunal Federal) contra uma regra trabalhista que protege pessoas que vivem com HIV e outras doenças estigmatizantes. A medida ocorreu cinco dias antes de o presidente Jair Bolsonaro afirmar que as pessoas com HIV são uma “despesa para todos no Brasil”.

A ação, protocolada no dia 31 de janeiro, contesta uma súmula do TST (Tribunal Superior do Trabalho) de 2012 que presume como discriminatória a demissão de empregado portador do vírus HIV ou de outra doença grave que suscite estigma ou preconceito. Se comprovado o ato, o trabalhador tem direito à reintegração no emprego.

Para a Abia (Associação Brasileira Interdisciplinar de Aids), as duas ações (de Bolsonaro e da CNI) estão em sintonia já que ambas reforçam o estigma, o preconceito e a discriminação contra as pessoas que vivem com HIV/Aids no país.

“Ao dizer que as pessoas vivendo com HIV causam prejuízo à sociedade, o presidente autoriza tacitamente o estigma, a discriminação e a violação dos seus direitos humanos”, diz nota

“Os dois ataques são de extrema gravidade pois o direito ao tratamento e o direito ao trabalho de quem vive com HIV deveriam ser hoje conquistas inquestionáveis”, diz Mario Scheffer, professor do departamento de saúde preventiva da USP.

“Taxar cidadãos com HIV como item de despesa, gastadores ou privilegiados é reabrir caminho para o estigma e a discriminação de 30 anos atrás. Se essas ideias prosperarem vamos passar de exemplo a vexame mundial no combate à Aids”, reforça o professor.

O Brasil tem um dos programas de atendimento a portadores de HIV mais elogiados do mundo. Segundo o Portal de Transparência, foram investidos em 2019 R$ 1,8 bilhão na compra de medicamentos a esses pacientes, valor que representou 0,06% de todos os gastos públicos.

Na cidade de São Paulo, as infecções por HIV registram queda, mas entre a população idosa há crescimento dos casos.

Na opinião de Scheffer, a fala de Bolsonaro, além de preconceituosa, é desinformada. “O tratamento de Aids hoje é também investimento em prevenção. Pessoas em tratamento adequado com antiretrovirais não transmitem HIV.”

Para a Abia, o peso do estigma e da discriminação é a maior barreira ao controle da epidemia. .A associação diz esperar que o STF e demais instituições jurídicas se mantenham alinhados à Constituição e garantam o acesso ao SUS e a proteção de todos os direitos fundamentais lá garantidos, inclusive das pessoas que vivem com HIV/Aids.

A CNI nega que a ação ingressada no STF tenha alguma associação com a fala de Bolsonaro. Em nota, diz que é veementemente contra qualquer forma de preconceito e de discriminação, dentro e fora do ambiente de trabalho.

Afirma que decisão de se ajuizar ação contra a súmula do TST decorre de repetidas decisões trabalhistas proferidas ao longo dos últimos sete anos que, sem previsão legal, definem quais são as doenças consideradas graves e estigmatizantes.

“Além de não saber quais são essas doenças, uma vez que esta definição está sujeita à interpretação de cada juiz, o empregador terá de provar que a demissão ocorreu por motivo outro que não a doença”, diz a nota.

Na prática, afirma a CNI, a súmula dá margem para que toda demissão imotivada possa ser considerada presumidamente discriminatória, inclusive nos casos em que o empregador não tenha conhecimento prévio da existência da doença.

Segundo o superintendente jurídico da CNI, Cassio Borges, a súmula permite ao juiz trabalhista decidir pela nulidade da demissão e consequente reintegração do trabalhador sempre que a empresa não for capaz de comprovar que a demissão se deu por motivos outros que não a doença.

“É um excesso, uma inversão descabida do ônus da prova que torna abusiva toda e qualquer demissão, praticamente afastando o direito do empregador de demitir sem justa causa”, afirma.

Fonte: Folha de S. Paulo