Homofobia: caso Michael e o descaso legislativo

Genilson Coutinho,
19/04/2011 | 11h04

Questiona-se muito sobre a eficácia do projeto de lei 122/06, que criminaliza a discriminação em relação à orientação sexual. Seria uma lei capaz de colocar fim a homofobia? Evento recente faz crer que sim, que punir a discriminação é indispensável.

O jogador de vôlei Michael foi ofendido por cerca de duas mil pessoas que ocupavam as arquibancadas de um ginásio em Minas Gerais, através de palavras de cunho homofóbico. Após o evento, assumiu publicamente a sua orientação sexual. Foi acionada a Comissão Disciplinar do Superior Tribunal de Justiça Desportiva do Vôlei que, por unanimidade, condenou o clube cuja torcida foi responsável pela agressão. A decisão foi aplicar ao clube multa de R$ 50 mil pela prática de “ato discriminatório, desdenhoso ou ultrajante, relacionado a preconceito em razão de origem sexual”.

Evidente que se trata de multa de baixo valor e que não será ela o fator determinante para se colocar fim à homofobia entre aqueles torcedores que sequer foram punidos diretamente. Mas, o clube que sofreu multa de R$ 50 mil, por ser primário, temeroso de que o evento se repita, vai iniciar uma campanha educativa entre os seus torcedores. Esse, sim, talvez seja o resultado positivo da condenação.

A discriminação não se extingue apenas com a criação de uma lei. Os homofóbicos, por certo, mesmo que sob ameaça de punição, dificilmente deixarão de lado o preconceito. Mas, pelo menos, evitar-se-á que o exteriorizem. Aliado a isso é preciso uma intensa campanha educativa que seja capaz de atingi-los de uma forma transformadora.

Já em relação às crianças e adolescentes o poder de transformação é maior. A melhor saída é educá-los de forma que pensem e ajam tendo em mente o direito à igualdade de todos. As crianças que convivem com homofóbicos não podem ser educadas apenas por eles, sob o risco de carregarem dentro de si o preconceito em relação à orientação sexual quando adultos.

Daí a necessidade da interferência da sociedade e do governo que têm a missão de mostrar-lhes que acima de todos os pensamentos deve estar o da igualdade. Educando as crianças, colabora-se para que eventos como os que envolveram Michael não voltem a acontecer. Já com aqueles para os quais a homofobia é algo que faz parte de seu caráter, restará a lei.

A urgência na adoção de alguma medida é patente pelos dados apresentados pelo Grupo Gay da Bahia (GGB), que tem como uma de suas tarefas amealhar informações para elaboração de estatística quanto às agressões praticadas contra os integrantes do segmento LGBT. Segundo o GGB, no ano passado 260 pessoas foram assassinadas em decorrência de sua orientação sexual, número que representa um crescimento de 31,3% em casos de homicídio envolvendo homossexuais, em relação ao ano de 2009.

O descaso do governo é tanto que sequer existem estatísticas oficiais, e os números apresentados pelo GGB, infelizmente, são menores do que os reais. Isso porque são apurados através de informações de jornais, sites e denúncias que recebem. Certamente outros inúmeros casos não integram o levantamento, que mesmo assim faz com que o Brasil continue em primeiro lugar no ranking, como país líder em homicídios movidos pela homofobia.

Se considerarmos que um gay tem 785% mais chances de ser assassinado no Brasil do que nos Estados Unidos, não resta a menor dúvida de que o projeto de lei 122/06 deve ser aprovado, mesmo que seja apenas como uma tentativa de nos livrar dessa liderança.

Sylvia Maria Mendonça do Amaral*

* Sylvia Maria Mendonça do Amaral é especialista em Direito Homoafetivo, Família e Sucessões, sócia do escritório Mendonça do Amaral Advocacia e autora dos livros “Histórias de Amor num País sem Leis” e “Manual Prático dos Direitos de Homossexuais e Transexuais –

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