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HIV na terceira idade: por que o número de novos casos está aumentando?

Genilson Coutinho,
14/07/2021 | 22h07

Neste ano, a epidemia do HIV, vírus da imunodeficiência adquirida, completou 40 anos. Entre avanços científicos e a evolução da vacina contra a doença, o Brasil ainda tem um longo caminho pela frente.

Segundo o último Boletim Epidemiológico sobre HIV/aids, de 2020, foram 13.677 novos casos detectados no Brasil. Em 2019, esse número era 41.909. A redução, entretanto, mostra que a pandemia de covid-19 pode ter reduzido a quantidade de diagnósticos.

Um outro ponto que vem chamando atenção é o aumento de casos na faixa etária a partir dos 60 anos. Nos últimos 5 anos, o número está subindo: em 2015, foram 1.187 novos casos, seguidos de 1.362 (2016), 915 (2017), 1.045 (2018) e 963 (2019). Em 2020, teve uma queda (333 novos casos), mas, de novo, não necessariamente porque as ocorrências diminuíram e, sim, pelo atraso dos diagnósticos.

“Com a pandemia, os recursos ficaram mais voltados para a covid. As clínicas e UBSs [Unidades Básicas de Saúde] voltaram os serviços para isso. Então, as pessoas fizeram menos exames de rotina e menos diagnósticos”, afirma Thallyta Antunes, infectologista do Hospital Universitário da UFPI (Universidade Federal do Piauí), da Rede Ebserh.

Com isso, a preocupação dos médicos é de que pacientes com HIV na fase inicial “perderam” a chance de serem diagnosticados, aumentando os riscos para o agravamento do quadro. Já com surgimento de doenças oportunistas, como tuberculose e pneumonia, o quadro caracteriza-se como aids.

Por que os índices na terceira idade estão aumentando?

Não há uma única resposta para isso, mas, sim, um conjunto de fatores, segundo os especialistas consultados por VivaBem. As pessoas com 60 ou mais estão fazendo mais testes rápidos ou exames de sorologia e, portanto, sendo diagnosticadas rapidamente —embora ainda não da maneira ideal.

Além disso, os idosos também tendem a apresentar um comportamento de risco porque não possuem o hábito de usar camisinha ou pensam que não vão ser infectados nesta idade. Ou mais: com a evolução do coquetel medicamentoso, aceitam o risco já que há tratamento disponível —quando eram jovens, era comum ver amigos morrendo por causa da aids.

Quem explica melhor é Gisele Cristina Gosuen, infectologista pelo Instituto de infectologia Emílio Ribas e responsável pelo Ambulatório de HIV e o Envelhecer, da EPM/Unifesp (Escola Paulista de Medicina da Universidade Federal de São Paulo).

“Os idosos não têm essa cultura do uso de preservativos. A mulher, após a menopausa, não vê potencial de engravidar, portanto, ela não usa o preservativo”, diz.

Além disso, Gosuen relembra os medicamentos que ajudam nos problemas de disfunção erétil, permitindo relações sexuais em idades mais avançadas.

“O divórcio, há muito tempo, contribuiu para o aumento da multiplicidade de parceiros e, também, a internet. Há mais diversidade com maior alcance. Não só para os idosos, mas para todos”, diz.

Essa questão esbarra em outro ponto: será que estamos testando pouco? De acordo com os médicos, sim. Muitos profissionais de saúde ainda têm receio em abordar a sexualidade dos idosos e, por vezes, não incluem nos exames de rotina a sorologia para HIV e outras ISTs (Infecções Sexualmente Transmissíveis). Há uma ideia ultrapassada de que os mais velhos não transam e, por isso, a preocupação não é necessária.

Mas quanto antes diagnosticado, menos chance de o paciente adoecer e desenvolver o quadro da Aids. “A gente sempre fala em prevenção e a própria testagem é uma forma de prevenir”, explica Vinicius Borges, infectologista pelo HC-UFMG (Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Minas Gerais) e idealizador do canal Doutor Maravilha.

“Se a pessoa recebe o diagnóstico e inicia o tratamento, a quantidade de vírus fica indetectável e ela perde a capacidade de transmitir. A gente evita, então, essa cadeia de transmissão com a própria testagem.”

Por isso, os médicos, principalmente os geriatras, devem incluir nos atendimentos perguntas sobre a sexualidade dos idosos. Alguns exemplos citados: Tem vida sexual ativa? É casada (o)? Tem relação extraconjugal? Quantos parceiros(as)? Usa preservativos?

“No caso dos idosos, há essa ideia do avô e da avó que não transam e ninguém pede exames. Então, a gente tem que perguntar, na consulta de rotina, e caso ela tenha vida sexual ativa, tem que pedir [exames ou teste rápido] sim”, explica Borges. Isso inclui pessoas casadas ou não. A recomendação é que os exames de sorologia, por exemplo, sejam incluídos nos de rotina, feitos a cada 6 meses ou 1 ano.

Até porque é normal que as pessoas façam exames de sangue para checar os índices de colesterol, glicemia, entre outros. Então por que não incluir o exame de HIV, e de outras infecções, como sífilis e as hepatites?

Isso deve também partir dos profissionais de saúde. “Muitas vezes é uma população que não teve acesso. Por mais que pareça óbvio hoje em dia, esse tipo de assunto não foi disseminado na geração deles”, explica André Bon, infectologista do Hospital Brasília, que vê uma falha nas campanhas voltadas aos idosos.

“Os idosos, muitas vezes, têm dificuldade de obter informações e a linguagem usada para a prevenção de IST não é muito acessível para eles —é muito voltada ao público jovem. Há uma dificuldade de conscientizar essa população”, diz.

Por fim, Borges pontua que as pessoas nesta faixa etária ainda carregam o medo da doença, em estágios já avançados, mas é preciso conversar com eles, inclusive para tirar esse receio do diagnóstico —por temor do resultado, muitos preferem viver “no escuro”.

“Devemos falar de prevenção e trazer mais campanhas do governo. Os serviços de saúde, muitas vezes, fazem roda de conversa nas UBSs sobre hipertensão e diabetes. Por que não podem falar sobre a sexualidade do idosos? É isso: combater o estigma do HIV e mostrar que hoje há diagnóstico e dá para viver assim”, afirma.

Eles contam como é viver com HIV

Há mais de 10 anos convivendo com o HIV, o aposentado José Armando de Gouveia, 73, conta que descobriu a doença já em uma fase avançada, em 2010, caracterizando-se como Aids. Na época, ficou internado 62 dias no hospital. “Foi um sofrimento muito grande aquele momento em isolamento”, diz.

A desconfiança surgiu quando ele começou a emagrecer rapidamente e não tinha apetite. No hospital, o teste rápido foi feito e logo veio o diagnóstico. “Todo mundo sabe que, há uns 30 anos, não tinha jeito, as pessoas morriam. Perdi muitos amigos porque não existia esse coquetel”, conta. “Quando fiquei internado, eu já desconfiava do problema por causa do meu modo de ter relação sexual com mulheres.”

Armando, como gosta de ser chamado, relembra que não tinha o costume de usar camisinha. Foi casado por mais de 30 anos e, quando a esposa morreu, “caiu na gandaia”.

Não é fácil, passei por um sofrimento desnecessário. Hoje eu falo para todo mundo: usem preservativos. Isso é muito importante
José Armando de Gouveia

Tomando os medicamentos corretamente todo dia e já com o vírus indetectável, o aposentado relata, com alegria, que nunca sentiu preconceito por parte dos colegas. “Pensei que seria excluído aqui onde moro, há mais de 60 anos, mas isso não aconteceu. Não preciso negar. Tenho, sim, HIV e qual o problema?”.

É da mesma maneira que o produtor Mario Lago Filho, 65, leva a vida. Com diagnóstico recebido há 4 anos, precisou de um tempo para digerir o ocorrido antes de expor o fato. “A primeira coisa que fiz foi retomar as redes sociais. Falei tudo que tinha acontecido comigo”, conta. “O pior é o ‘autopreconceito’, ficar falando que ‘estou mal’ ou que ‘tenho isso ou aquilo’. Falei logo!”.

A esposa, que morreu em 2011, tinha HIV e fazia o tratamento corretamente. A suspeita do diagnóstico, assim como Armando, veio já com surgimento de sintomas. Estava mais magro, mas pensava que era resultado de exercícios físicos ou, então, pelo quadro de depressão. “Nós sempre tomamos cuidado, mas em algum momento aconteceu”, lembra.

Ficou dois meses internado, com pneumonia, e só depois de recuperado começou com o tratamento via oral —disponibilizado apenas via SUS (Sistema Único de Saúde).

Por conta da pandemia, pega os remédios a cada 2 meses, além de passar em consultas a cada 6 meses. “Levo uma vida normal. Daqui 1 semana volto para pegar mais medicamentos.”

Fonte: UOL