Grupo Dignidade completa 20 anos de luta em prol da comunidade LGBT

Genilson Coutinho,
13/03/2012 | 10h03

Toni Reis é um dos sócios-fundadores do Grupo Dignidade

14 de março de 2012 marca o 20º aniversário do Grupo Dignidade, uma organização criada em Curitiba para promover e defender os direitos humanos e a cidadania de lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transexuais (LGBT) e responder à epidemia da aids nessa população.

Nos anos 80, eu (Toni) participei do movimento estudantil, partidário e sindical. Mas no período pós-ditadura a discussão sobre o movimento LGBT sempre foi secundária. Mesmo assim, eu sempre levantava essa questão nesses meios e também mantinha contato com o Grupo Gay da Bahia e com o grupo Atobá do Rio de Janeiro. Formei-me em 1989 e imediatamente em seguida tive a oportunidade de morar na Europa (Espanha, Itália e Inglaterra) por três anos, onde participei das organizações e paradas LGBT. Aprendi muito e me libertei das amarras culturais brasileiras que infelizmente ainda permanecem muito heterossexistas e com resquícios fortes do fundamentalismo religioso.

Quando voltei para viver em Curitiba com David meu marido, logo de início sentimos um preconceito muito grande. Até para o David poder ficar legalmente no Brasil foi uma luta que durou muitos anos.

Não tivemos dúvidas. Queríamos fundar uma organização para lutar e defender os direitos humanos de pessoas LGBT. Procuramos várias pessoas e instituições para ajudar nessa empreitada. Levamos muitos e muitos “nãos” redondos.

Então, na falta de outro lugar, resolvemos fazer a primeira reunião em nosso apartamento. Fizemos um panfleto convidando: “Venha discutir a fundação do Grupo de Entendidas e Entendidos do Paraná – GEEP”. Colocamos anúncios por todos os lados: na universidade, nos locais de frequência LGBT, na revistaria da Rua 24 Horas e incluímos nosso telefone residencial para contato. Para nossa surpresa somente recebemos mensagens ameaçadoras e gozações, nada de apoio.

Não desanimamos.

Em 14 de março de 1992, no horário marcado, eu, David e alguns poucos amigos começamos a discussão. Como seria o Grupo, o que faríamos. Na semana seguinte mais algumas pessoas apareceram. Começamos a discutir. O que causava a homossexualidade? Discutimos e discutimos e não chegamos a lugar algum. Após algumas semanas, descobrimos que devemos centrar fogo no que causa a violência, a discriminação e o preconceito contra as pessoas LGBT. Com menos de seis meses de existência, recebemos uma carta de um vereador, em papel timbrado da Câmara Municipal de Curitiba, falando que  “o diabo está rindo da desgraça” da “podridão do [nosso] disvirtuamento (sic) sexual”. Nunca desanimamos. Procuramos parceiras com as instituições públicas, os “nãos” eram constantes. Porém, havia uma luz no final do túnel. Na Secretaria Municipal da Saúde de Curitiba, através da Dra. Mariângela Galvão, conseguimos a primeira parceria: uma caixa de papel A4 por mês. Que felicidade!

O que fazer? Discutimos, discutimos e resolvemos fazer o jornalzinho “Folha de Parreira”. Procuramos o sindicato Sinttel. Utilizando o papel A4 doado pela Secretaria de Saúde, o sindicato fazia a impressão do jornalzinho gratuitamente. A primeira edição foi dedicada ao dia 28 de junho de 1992, Dia do Orgulho LGBT, embora naquela época não houvesse Paradas LGBT no Brasil. Na tentativa de encontrar uma tradução mais apropriada para “Pride”, escolhemos a palavra “Dignidade”. Eis a origem do nome do Grupo. Importante também observar que essa primeira edição do Folha de Parreira traz a relação dos apenas dezesseis grupos LGBT existentes em todo o Brasil em 1992.

Agora com um meio de comunicação, começamos a agregar mais e mais pessoas. Nosso apartamento ficou pequeno para fazer as reuniões. Foi nessa época que percebemos a necessidade de agir também no enfrentamento da aids na comunidade LGBT. Vários de nossos amigos e conhecidos estavam sendo afetados e aids também se tornou uma bandeira. Iniciamos uma parceria com a Secretaria de Estado da Saúde, através do Dr. Nizan Pereira. Foi nosso primeiro convênio e possibilitou alugar uma sede para o Grupo Dignidade.

A partir daí tivemos grandes avanços. Demonstramos que éramos sérios e em pouco tempo conseguimos os títulos de Utilidade Pública Municipal, Estadual e Federal. Desenvolvemos vários projetos municipais, estaduais e federais ao longo dos anos. Surgiram outras ONGs LGBT em Curitiba, Paraná e Brasil. Fizemos a primeira Parada LGBT de Curitiba. Muitas pessoas tombaram nesta luta: Redivo, Marcela, Giselle Gagá, Gabriel, entre outras. Tivemos muitas vitórias, e derrotas também, por dizermos com orgulho “sobrevivemos e estamos contribuindo para melhorar nossa história”.

Em 1995, o Grupo Dignidade colaborou efetivamente para a criação em Curitiba da ABGLT – Associação Brasileira de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais – junto com mais outros 30 grupos fundadores.  Embora hoje haja diversas redes LGBT nacionais, a formação da ABGLT representou um marco importante na história do movimento LGBT brasileiro porque possibilitou a criação da primeira instância de abrangência nacional de representação com capacidade e legitimidade para levar as reivindicações do segmento até o Governo Federal, o que até então havia sido impossível. Antes não existia diálogo entre o movimento LGBT e o Governo Federal, com a única exceção do então Programa Nacional de DST e Aids do Ministério da Saúde, que assumiu um papel pioneiro de parceria com o movimento. Assim, havia uma quase total ausência de políticas públicas para a população LGBT. A criação da ABGLT foi uma estratégia que, ao mesmo tempo, ajudou o movimento LGBT a se organizar no país e também deu uma voz a um segmento da sociedade tradicionalmente marginalizado, contribuindo assim para a promoção de seus direitos humanos. Hoje há mais de 300 organizações LGBT no país inteiro e são realizadas anualmente mais de 200 Paradas LGBT. O Governo Federal criou em 2004 o Programa Brasil Sem Homofobia, seguido do Plano Nacional de Promoção da Cidadania e Direitos Humanos de LGBT em 2009, além de já ter realizado duas Conferências Nacionais LGBT. O Brasil se tornou liderança de referência junto à Organização das Nações Unidas no que diz respeito à luta pelo respeito às pessoas LGBT mundialmente, embora a homofobia persista no território brasileiro.

Com certeza nos últimos 20 anos o Grupo Dignidade tem colaborado por uma Curitiba, um Paraná e um Brasil sem homofobia. Queremos lutar agora em todos os âmbitos do Legislativo por leis que garantam a igualdade e a proteção da população LGBT. Em todas as esferas do Executivo queremos o “tripé da cidadania”, composto por  Planos LGBT, Conselhos LGBT e Coordenadorias LGBT dentro da estrutura dos governos. Estamos cientes que precisamos continuar firmes na luta contra a aids. Sabemos que é preciso exercer maior controle social sobre as políticas públicas que dizem respeito à população LGBT, interiorizar mais as ações do movimento LGBT, promover a formação política da comunidade LGBT e o fortalecimento e sustentabilidade das ONGs LGBT. Para isso, também é preciso ampliar o leque de parcerias e alianças com outros movimentos.

Continuaremos na luta pela permanência do arco-íris, simbolizando o respeito à diversidade humana, independentemente do avanço do fundamentalismo e intolerância religiosos. Somos contrários ao “Brasil dos talibãs”. Queremos o cumprimento da lei maior deste país, a Constituição Federal: queremos apenas direitos iguais, nem menos, nem mais.

Por Toni Reis

*Toni Reis e David Harrad – sócios-fundadores do Grupo Dignidade