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Gays de direita: o que pensam jovens homossexuais conservadores

Genilson Coutinho,
18/06/2018 | 09h06


Rommel Werneck, o Febo, costuma ir à missa aos domingos, mas não se confessa. “Minha situação de vida não permite”, afirmou. Considera conflituoso ser gay e católico (Foto: ZÉ MOREAU)

Época

A primeira edição do Congresso Brasil x Israel aconteceu em um domingo de garoa, dia 4 de março, em uma sinagoga localizada no bairro do Tucuruvi, na Zona Norte de São Paulo. Em um salão com bancos de madeira escura circundado por um mezanino feito do mesmo material, o pequeno público masculino e feminino, branco e pardo, judeu e gói tomava seus lugares para ouvir a palestra — que começaria com bastante atraso. Vestido com uma camisa roxa, calças negras presas com suspensórios, os cabelos claros formando um topete redondo e usando pequenos óculos de aro prateado, o professor e ativista político Rommel Werneck, o Febo, destoava do estilo simples do figurino dos presentes. Ao descer as escadas do mezanino para conversar com ÉPOCA, despediu-se de uma mulher baixa, morena e de cabelos lisos que vestia uma camiseta amarela onde estava escrito “Mães pelo Escola sem Partido”. Ao receber dois beijos, um em cada face, pediu um terceiro “para casar”.

O fato de Febo ser gay não é um fator de exclusão ali ou no Direita São Paulo, movimento conservador com mais de 900 membros, presente em 25 cidades do estado de São Paulo, com 215 mil curtidas no Facebook. Febo é um dos coordenadores do grupo, responsável pelo núcleo de Santo André, cidade onde vive desde 2015 e que o fez decidir-se por atuar politicamente. A decisão se deu em virtude dos absurdos que afirma ter presenciado no ensino público municipal — como uma visita de estudantes a um acampamento do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra, o MST.

Nascido em 1987, Febo graduou-se em letras por uma universidade privada. Mora em um apartamento financiado com a mãe viúva, ex-dependente de álcool, “infantil em alguns momentos” e que não lida muito bem com a sexualidade dele. “Acredito muito na importância da família.”

Católico, costuma ir à missa aos domingos, mas não se confessa como manda a liturgia. “Minha situação de vida não permite.” Considera conflituoso ser gay e católico. Assim como um heterossexual solteiro não ser virgem. Quando o assunto é o comando da Igreja, prefere Bento XVI a Francisco.

Seu primeiro namoro foi em 2014, com um conde da dinastia de Avis, que conheceu em uma reunião do movimento monarquista. Não bastasse ter nascido em plena República, para seu duplo azar, o título do namorado não era reconhecido pelo Almanaque de Gotha, o guia da nobreza europeia. Duas vezes órfão da nobreza, define-se homonacionalista e defende a monarquia constitucional como melhor forma de governo.

Febo é um dos administradores do exclusivíssimo grupo Gays de Direita, que conta com 348 membros no país. É considerado o maior do Brasil. Para ser admitido, é preciso responder a três perguntas: 1 – O que você entende como liberalismo econômico?; 2 – O que você entende como conservadorismo?; 3 – Você é gay? Caso seja, o que é ser gay de direita para você?

O grupo tem como alguns de seus principais ideais a “aceitação de vários arranjos familiares, mas a crença na família tradicional como MODELO”, a “defesa da Polícia Militar, propriedade privada e armamento” e a “defesa da vida desde a concepção”. Febo também redigiu o estatuto de boa convivência e cordialidade do grupo, que prega “a conservação da boa saúde da língua” e “o cavalheirismo e a galância que nos distingue dos frequentadores da Parada Gay”. Os assuntos se repetem numa pauta limitada. Trump é ovacionado. Líderes políticos gays são ignorados. Um caso é o francês Florian Philippot, que deixou a Frente Nacional (hoje Reunião Nacional) para criar o partido Os Patriotas, de cunho nacionalista.

A maior parte das publicações — em linguagem que contradiz o estatuto de Febo — ridiculariza a cantora Pabllo Vittar (chamada de “traveca”), combate o machismo (do mundo islâmico), defende o armamento e quer #Bolsonaro2018. Febo inclusive. “É o único candidato de direita. Fala coisas sobre violência que ninguém tem coragem de falar.”

A simpatia do professor pelo pré-candidato vem desde 2011, quando Bolsonaro combatia o projeto Escola sem Homofobia, acusando-o de ser um instrumento de doutrinação de crianças para a homossexualidade. O projeto, arquivado pelo governo Dilma Rousseff, era voltado a pré-adolescentes e estudantes do ensino médio. “Era um negócio perigoso mesmo para adolescente.”

Para Febo, o PSDB é de “centro-esquerda”, o PT “o que for conveniente” e o PSOL deveria fazer parte do Dicionário do folclore brasileiro. Já ele é de direita na política, na economia — embora tenha posição vaga sobre as reformas de Temer — e nos costumes, assunto no qual se posiciona com desenvoltura. Admite a união civil entre homossexuais. Com relação à criminalização da homofobia, sua opinião é ambígua: “A sociedade já criminaliza.” Quanto ao uso do nome social por transgêneros, a resposta é “não”. “Já imaginou criminosos se vestindo de mulher para usar o nome social?” Com relação à cura gay: “Todo mundo diz que não funciona, mas nunca passei por uma para saber se funciona ou não”.

Começou a frequentar os eventos do Direita São Paulo em abril de 2017. Seu primeiro encontro foi no 1º Batalhão da Polícia Militar, no centro de São Paulo. As reuniões semanais do grupo acontecem todos os sábados e tratam de temas como a ameaça islâmica, a ditadura militar e a divulgação de autores conservadores. Na agenda do grupo está a implementação de projetos de lei do Escola sem Partido nas Câmaras Municipais e o Infância sem Pornografia, em oposição a mostras como a Queermuseu.

Em setembro de 2017, Febo foi convidado para fundar o núcleo do Direita São Paulo em Santo André. O grupo tem dez pessoas — o que ele considera um bom número.

Éder Nunes: “O movimento LGBT foi monopolizado pela esquerda”

Historiador, Éder Souza reclama de a pauta LGBT ter sido monopolizada pela esquerda, mas festeja o aumento do número de pessoas que são liberais em economia e nos costumes (Foto: ZÉ MOREAU)

Éder Nunes Souza, de 33 anos, chegou ao encontro com perdoável meia hora de atraso. Naquela terça-feira de fevereiro, havia saído um pouco mais tarde do Morumbi, onde despacha todos os dias na assessoria internacional do Palácio dos Bandeirantes, sede do governo do estado de São Paulo. Formado em história, Souza é negro, alto, usa óculos, tem cabelos raspados e o peito e os braços musculosos, envolvidos naquele dia por uma camisa roxa.

Negro, gay e de “centro-direita”, segundo sua definição, Souza sorri quando questionado acerca da aparente dicotomia. Responde sintética e agilmente, como se o relógio do debate eleitoral estivesse rodando. “O movimento LGBT foi monopolizado pela esquerda. Hoje em dia tem uma vertente mais encorpada de liberais, que são liberais na economia e nos costumes”, disse, em um restaurante frequentado majoritariamente por gays — de direita e de esquerda — na Rua Augusta, em São Paulo.

Nascido na periferia de São Paulo, teve uma infância modesta, mas sem privações. Estudou em colégio particular adventista e seguiu os preceitos políticos do pai, petista de carteirinha até 2015. Votou com entusiasmo em Lula nas eleições de 2002 e 2006 e, “meio a contragosto”, ajudou a eleger Dilma em 2010. “Foi a última vez que votei na esquerda”, disse.

Souza começava a se cansar das ideias da esquerda quando, em 2009, um funcionário da USP foi demitido, acusado, segundo ele, de assédio e de “colocar amônia” no bandejão. À demissão, seguiu-se uma greve apoiada por professores e alunos. Mas não por Souza. Numa manhã, o estudante chegou à Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH), o “think thank” da esquerda uspiana, e deparou com uma barricada posta para impedir a entrada de alunos e professores. Com outros antigrevistas, Souza tentou furar o cerco. “Aí começou uma treta”, contou, divertindo-se. Souza decidiu chamar a polícia, ignorando os apelos de sua orientadora da iniciação científica. A chegada da PM causou um burburinho. Alunos saíram para protestar contra a presença policial. Foi, segundo ele, uma “batalha campal” entre a direita e a esquerda, representada ali pelo PSOL.

A greve motivou-o e a outros estudantes a fundarem “o primeiro movimento antiesquerda de expressão da USP, o Reconquista”, que concorreu às eleições ao Diretório Central dos Estudantes naquele mesmo ano. A chapa ficou em segundo lugar. “A gente ganhou, mas houve uma fraude eleitoral da esquerda”, contou. “Não tínhamos a força da máquina, dominada pelo PSOL.”

Em 2013, a Reação, outra chapa de direita, perdeu nas urnas do DCE. A derrota, dessa vez, foi justa. Mas a situação se inverteu nas ruas. “Junho foi fundamental para quebrar o discurso hegemônico da esquerda.” Souza ingressou, com outros 250 mil brasileiros, nos protestos na segunda-feira 17 de junho, depois dos ataques da PM paulista aos manifestantes na quinta-feira anterior. “Achei a revolta dos 20 centavos ridícula em alguns momentos. Mas a forma como a polícia atuou naquele momento foi desproporcional.” Em 2014, filiou-se ao PSDB por considerar que o partido une questões sociais com liberdade econômica. Fez campanha pela queda de Dilma. Considera “burra” a dicotomia entre golpe e impeachment. “Qualquer pessoa com a força do PT não teria caído. A Dilma pegou Maquiavel e leu de cabeça para baixo.”

Leitor de José Guilherme Merquior — “o liberal que os liberais não conhecem” —, com a virada ideológica, Souza passou a se opor ao identitarismo dos movimentos negros. “Os ataques que o movimento negro faz ao (vereador Fernando) Holiday são racistas às vezes. Não gosto do Holiday, mas não se pode falar que ele é um ‘capitão do mato’. Ele tem direito à autonomia de pensamento. É um negro importante. Um gay importante. Ele representa alguma coisa — querendo ou não.”

Confira mais desta entrevista aqui.