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Gay não quer saber de namorar

Genilson Coutinho,
12/06/2015 | 11h06

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Por Fabrício Longo

Agora é só arrastar o dedo para a esquerda ou pedir para desbloquear as fotos. As “cutucadas” ficam listadas e o número de mensagens nos aplicativos vai engordando a bolinha vermelha das notificações. Quem prefere os métodos antigos pode dar uma volta no parque usando uma calça apertada ou caçar nos cantos mais escuros da boate. Tanta oferta, tanta procura… E tanta gente reclamando que “gay não quer saber de namorar”!
É triste. Aparentemente em nossa ciranda de corpos, prazeres e paixões, a felicidade é uma luz sedutora, inalcançável na margem oposta de um lago profundo. O fenômeno tem nome – dois, aliás – e sem qualquer relação promiscuidade. Não somos felizes porque não nos consideramos dignos de sê-lo. O gay não é feliz por causa do próprio moralismo e da própria homofobia…
Sim, essa história de dizer que “nada dá certo” porque “as pessoas só pensam em sexo” é MO-RA-LIS-MO, e culpar a homossexualidade por isso é HO-MO-FO-BIA. Pra começar, não é verdade que todo mundo só queira sexo – tem gente que nem curte e não há nada de errado nisso – e muito menos que ele impeça o amor romântico. Em segundo lugar, mesmo considerando a educação masculina hiper sexualizada ou o fato de que a homossexualidade – uma prática ou orientação sexual – é usada para definir o que é “gay” – uma identidade – , não dá para afirmar que “alta rotatividade é coisa de viado”! Isso é reforçar o estigma de que somos predadores degenerados, atribuindo à nossa sexualidade algo que é socialmente entendido moralmente como sujo, como ruim, digno ou de medo ou de pena.
O amor romântico, da forma que é construído em nossa sociedade, é feito para falhar. É um ideal muito difícil de alcançar e principalmente de manter, e por ser heterocentrado, ainda mais distante da realidade gay. Não é uma questão essencialista sobre quais seriam os comportamentos “de homem”, “de mulher” ou “de gay”, mas sim de entender como a diferença social no tratamento dos gêneros – e de suas performatividades – interfere em nossas relações. O amor de Romeu e Julieta e dos desenhos da Disney é baseado no equilíbrio entre características opostas – masculinas e femininas – que resultariam na complementaridade necessária para que um relacionamento “dê certo”. É uma questão de encaixe.
Não é interessante que digamos que um namoro “não deu certo” só porque terminou? Nada é eterno e nem precisa seguir um modelo para significar alguma coisa. Quando não é possível “ser feliz para sempre” – se é que isso existe – quer dizer que “não deu certo”? O que acontece com o amor, com a história construída, com as lembranças partilhadas ou com as qualidades da pessoa amada? Tudo some? Será que esse “dar certo”, essa vitória, que esperamos de nossos relacionamentos não é precisamente o que os sabota?
Os únicos responsáveis por nossas expectativas frustradas somos – olha que coisa – nós. É óbvio que é ótimo ter clareza sobre o que deseja de qualquer relacionamento, mas não dá para exigir que a outra pessoa dê conta das nossas fantasias. Para que se estabeleça uma relação, é preciso que se esteja disposto a conhecer alguém e realmente se relacionar com essa pessoa. A relação é de troca. De ouvir e falar, dar e receber. Quando “batemos o pé” porque queremos a realização de um ideal preconcebido, não estamos ouvindo. Não estamos abertos. Não estamos dispostos a uma relação. A coisa começa errado e aí não tem mesmo como “dar certo”.
Dizem que “gay não quer saber de namorar” e que a oferta de uma “real agora” é muito grande. Bem, todos são agentes e também produtos de seu meio. A sua foda de hoje provavelmente é o grande amor da vida de alguém. Todo mundo precisa aprender a lidar com nosso mundo globalizado e tecnológico, de distâncias encurtadas via webcam, e toda pessoa LGBT ainda precisa dar conta do impacto dessa vivência – e desse estigma – em suas relações. Antes, nas saunas e bares underground, talvez fosse mais difícil engatar um relacionamento livre de amarras. Por outro lado, a união promovida pela dor talvez facilitasse a formação de laços mais duradouros, ao passo que em nossa realidade atual – que é mais tolerante, apesar do muito que ainda enfrentamos – o culto ao indivíduo deve dificultar as coisas. Faz parte. Não dá para voltar atrás. Precisamos aprender como navegar nesse mar revolto.
Um namorado não serve para afagar nosso ego ou resolver nossas frustrações. Exibir umstatus de “relacionamento sério” no Facebook não pode ser mais importante do que efetivamente construir uma relação. O que é “sério” ou “dá certo” é viver uma história real, de troca, com amor. Sem roteiros. Ela pode durar um mês, um ano, cinco, vinte… E se durar até a morte pode ter sido mais infeliz do que uma coisa rápida que marcou. Não há fórmula, então não faz sentido procurar “algo sério” ao invés de deixar rolar o que vier.
Não é que gays não procurem namoro, mas talvez que não saibam o que isso é.
Permita-se. Seja livre. Seja fabuloso.

Por Fabrício Longo
Editor-chefe do Osentendidos.com