Felipe Cerqueira recebe ator Renato Caetano, do musical ‘A Cor Púrpura’, na Sala Vip
De volta aos palcos com o musical A Cor Púrpura, o ator Renato Caetano, natural de Rio Claro, interior de São Paulo, arrumou um tempinho na correria dos ensaios, para conversar com Felipe Cerqueira, colunista do Dois Terços, sobre a experiência de atuar no musical que é baseado no clássico livro de Alice Walker, e também sobre seus outros talentos enquanto artista. Renato trabalhou em grandes espetáculos como o Homem de La Mancha, de Miguel Fababella, musical que reuniu mais de 300 mil espectadores, e Merlin e Arthur – Um Sonho de Liberdade, com Paulinho Moska. Confira abaixo a entrevista exclusiva!
Filipe Cerqueira – O musical A Cor Púrpura está de volta aos palcos depois dessa longa parada por conta da pandemia. Como está sendo a experiência de atuar em um espetáculo como esse?
Renato Caetano – Pra mim a experiência de estar em um espetáculo como A Cor Purpura é impactante em vários sentidos. Primeiro por dividir o palco com essa quantidade de atores negros, dos mais variados tons de pele, dos mais variados tipos de corpos, gordos, magros etc. Do lugar de aprendizado como cantor é uma experiência fenomenal, as musicas deste musical são dificílimas. 100% ao vivo! Fazer um musical preto, que estreou no primeiro ano do Bolsonaro enquanto presidente, um homem que colocou a cultura em um patamar bastante complicado. A Cor Púrpura mudou também minha percepção enquanto artista negro, de conviver com esses atores negros incríveis. Agarramos essa oportunidade com unhas e dentes. Pois a gente sabe que esse tipo de oportunidade é muito difícil de acontecer, de um musical negro chegar ao Brasil e ser produzido com essa qualidade. São incríveis experiências, não só como ator, mas como ser humano mesmo… Já aconteceu de ver, na plateia, pessoas pretas emocionadas, famílias que vão inteiras ver o musical e saem impactadas.
FC – O espetáculo traz um elenco numeroso de atores negros. Como está sendo trabalhar com todo esse povo talentoso…
RC – Somos todos incríveis!… Interessante você falar sobre isso… Chegam as pessoas e faziam a fatídica pergunta. Onde vocês estavam? Isso é muito curioso, por que a gente se pergunta… Onde a gente estava? Trabalhando. Sempre. Onde vocês estavam?! Porquê ninguém do elenco deste musical acordou e decidiu, do nada, ser ator de musical. A própria Letícia (Soares, atriz que faz a protagonista do musical, Celie) é uma das pessoas que nunca parou de fazer musical. Talentosa!
FC – A montagem brasileira é bem diferente da versão estadunidense. Vi que vocês fazem de um tudo, até participam como engrenagem do cenário, ou seja movimentam a história de uma forma diferente…
RC – Essa montagem é muito particular porquê não tem como deixar o espetáculo esfriar. Nós enquanto atores temos de ficar ligados nas coxias o tempo todo. Principalmente no primeiro ato, nós cantamos, dançamos, movimentamos o cenário. A gente fica ligado no que acontece no palco, mas também a gente se assiste com muito orgulho, sabe? É muito bom ver as meninas das cuxias, eu fico babando…
FH – Você trabalhou antes no teatro da Vertigem, histórico grupo de teatro paulistano com seus espetáculos e sua linguagem completamente diferente. Montagens em lugares inusitados para a época, espetáculos itinerantes. O Livro de Jó, Apocalipse são lembrados até hoje… Nos conte um pouco sobre essa experiência.
RC – Nossa cara!… eu trabalhava no escritório, depois ia pra SP Escola de Teatro no Brás e depois pegava a rotina de ensaios, puxados, iam madrugada adentro… Eles tem como pesquisa o lugar não convencional. Eu como um cara do interior não sabia quem eles eram e quando fui entender a importância do trabalho deles… Caramba!!! A gente começava o espetáculo em um shopping center, ia pra rua e acabava em um teatro abandonado… meu aprendizado principal no Vertigem é que ser ator é muito além de estar no palco ou não. E eu tenho a sorte, desde o Vertigem, trabalhar em espetáculos que mexem muito comigo…
FC – Como cantor, quais são as suas referencias musicais e o que te motiva a cantar fora dos palcos?
RC – Primeiramente que eu não me vejo enquanto um cantor. Me enxergo como ator que canta. Gosto de cantar protegido pelo teatro. Já tive experiências de cantar em bar, foi bom, mas não é um lugar que me sinto totalmente a vontade. Do passado, minhas referencias de menino do interior é de só ouvir sertanejo. Eu vim descobrir cantores negros, anos depois. Só comecei a entender esse movimento negro na música quando eu vim pra capital. Hoje, eu ouço muito musica preta, o teatro musical me levou a procurar esses cantores negros. R&B, soul, jazz. Milton, Nina Simone, Djavan. Pra alimentar meu trabalho enquanto ilustrador, desenhista, pintor, eu ouço muito Beyonce (rsrsr), as mais lentas claro.
FC – Além de ator, agora você também é cineasta. É sua a direção do curta Pra Se Manter São, construído inteiramente na pandemia. Pode falar pra gente do processo de feitura do projeto?
RC– O filme nasceu a partir de um grupo virtual de amigos, chamado Revela, que a gente fez pra sobreviver frente a pandemia. Um espaço afetivo e efetivo, de escuta, visto o caos que estavam oe está acontecendo. Os encontros foram de julho a dezembro de 2020 e todas as reuniões foram gravadas. Na virada do ano, transformamos esse grupo virtual em coletivo artístico e recebi um convite para participar de uma mostra on line. Levei a ideia de poetizar cenas a partir de áudios que eles escolhessem dessas reuniões. Seis deles toparam, eles fizeram as cenas e eu as editei e daí nasceu o curta Pra Se Manter São que está seguindo um belo caminho de exibições em festivais.
FC – Na pandemia surgiu um convite para ilustrar a capa do jornal Le Monde Diplomatique Brasil. Desenho impactante, com muitas referencias, dono de uma reflexão profunda sobre o atual descaso do Governo atual com o Brasil. Onde surgiu esse Renato ilustrador? Pode nos falar sobre estes e outros trabalhos feitos para o jornal?
RC – Cara, esse Renato veio no teatro da Vertigem, onde comecei a desenhar, cenas, com tinta gache, mas com pegada aquarela. Nesse momento o meu desenho começou a se firmar o que ele é hoje…. Meu trabalho como ilustrador para a Le Monde tem repercutido bastante. Já tem um ano que trabalho fazendo algumas coisas para eles. Me dão muito espaço pra criar, pra falar a partir da minha arte. Sinto que reverbera muito. Isso pra mim é muito bom, pois é mais uma forma de falar o que está aqui dentro, enquanto artista, enquanto causa e fazer chegar em um publico que eu não conheço, questões que são muito caras pra mim. E sinto que estou fazendo história junto com eles e minhas ilustrações.
*Filipe Cerqueira é diretor da SOUDESSA Cia de Teatro, historiador pela UNEB, realizador audiovisual pelo Projeto Cine Arts – UNEB – PROEX e apaixonado por cinema.