HIV em pauta

“Estamos trabalhando para a cura da aids”, diz especialista

Genilson Coutinho,
02/12/2019 | 14h12

Depois de 38 anos do aparecimento dos primeiros casos de aids no mundo, avanços “extraordinários” da medicina transformaram o prognóstico da doença de fatal para uma condição crônica e gerenciável.

O adjetivo entre aspas é do infectologista Anthony Fauci, diretor do Instituto Nacional de Alergia e Doenças Infecciosas (com sigla em inglês NIAID), dos Estados Unidos, uma das principais autoridades médicas mundiais no assunto e um dos primeiros a aderir ao esforço científico global para identificar e combater a doença que, na década de 1980, assustava o mundo ao matar milhares de pessoas com velocidade impressionante.

Quando Fauci envolveu-se no estudo da Aids, ninguém sabia sequer a sua causa. Foi somente em 1983 que o HIV, vírus responsável pela doença, foi isolado. Hoje, estão sob seu comando alguns dos mais importantes experimentos associados à busca por meios mais eficazes de prevenção e à cura da enfermidade que já causou mais de 40 milhões de mortes no planeta.

Em entrevista exclusiva à Agência Einstein, concedida às vésperas do Dia Mundial da Aids, no dia 1º de dezembro, ele falou sobre o cenário do HIV e aids no mundo e das expectativas sobre os resultados de testes clínicos com vacinas, terapias de efeito prolongado e remédios que causam cada vez menos efeitos colaterais.

Como o senhor avalia a o cenário da aids hoje?

Anthony Fauci – Desde que os primeiros casos foram notificados, em 1981, o HIV tem sido uma das epidemias mais mortais e persistentes da humanidade. No entanto, foram feitos progressos extraordinários na luta contra a transmissão do vírus e na redução das mortes por Aids. A descoberta de terapia antirretroviral altamente ativa transformou o HIV de um diagnóstico quase uniformemente fatal em uma condição crônica e gerenciável.

E enquanto as transmissões de HIV permanecem inaceitavelmente altas, com aproximadamente 1,7 milhão de novos casos em todo o mundo, segundo dados de 2018, agora temos as ferramentas necessárias para acabar com a epidemia. Sabemos que uma pessoa que tem a carga viral suprimida com terapia antirretroviral diária não pode transmitir o HIV a um parceiro sexual. E pessoas em risco sem o HIV podem usar da profilaxia pré-exposição (PrEP) ou a profilaxia pós-exposição (PEP) para impedir a contaminação pelo vírus.

Quais foram os maiores avanços nesses 38 anos de epidemia?

Fauci – Uma das maiores histórias de sucesso desse campo é o desenvolvimento de vários medicamentos antirretrovirais que suprimem o vírus de forma duradoura e impedem sua transmissão. Drogas antirretrovirais também são componentes da profilaxia pré-exposição, ou PrEP, e profilaxia pós-exposição, ou PEP.

E as perspectivas de tratamento?

Fauci – Estamos trabalhando para encontrar produtos terapêuticos novos e mais eficazes, além de tratamentos efetivos para coinfecções e complicações relacionadas como tuberculose e doenças cardíacas relacionadas ao HIV. Um dos principais objetivos é desenvolver terapias de ação prolongada que poderiam ser tomadas uma vez por semana, uma vez por mês ou até com menor frequência. Elas seriam a melhor opção para algumas pessoas do que as pílulas diárias e podem ser menos tóxicas e mais econômicas.

Pode dar alguns exemplos do que está sendo pesquisado nesse sentido?

Fauci – O primeiro ensaio clínico em larga escala da PrEP infecciosa de ação prolongada começou no final de 2016. O estudo está avaliando se uma forma de ação prolongada do medicamento anti-HIV cabotegravir, injetado uma vez a cada oito semanas, pode proteger com segurança os homens cisgêneros e mulheres transgêneros da infecção pelo HIV. Se o Anti-HIV cabotegravir injetável for eficaz, pode ser mais fácil para algumas pessoas aderirem a ele, ao invés do medicamento Truvada, que tem uso diário e é o único regime de PrEP licenciado atualmente. A pesquisa está sendo realizada em oito países, incluindo o Brasil.

Que outras linhas de pesquisa estão em andamento?

Fauci – Uma delas estuda a eficácia dos chamados anticorpos amplamente neutralizantes, chamados também de BNAbs (são anticorpos produzidos por um pequeno número de pessoas contaminadas pelo HIV depois de muitos anos de infecção. Vários tipos desses anticorpos estão sendo modificados geneticamente para serem usados como vacinas em indivíduos infectados) para reduzir a concentração de HIV no sangue de pacientes. As aplicações são intravenosas e têm mostrado boa eficácia. Um dos ensaios envolve 2.700 homens cisgêneros e transgêneros que fazem sexo com homens nas Américas, em mais de 24 locais de pesquisa clínica no Brasil, Peru e Estados Unidos.

Alguma boa notícia em relação à uma vacina preventiva?

Fauci – Historicamente, a vacinação tem sido o melhor método para proteger as pessoas de doenças infecciosas. Embora haja várias técnicas disponíveis para prevenir a infecção pelo HIV, o desenvolvimento de uma vacina segura e eficaz contra o HIV permanece a chave para alcançar um fim duradouro da epidemia do HIV.

Em 2009, um grande ensaio clínico na Tailândia, conhecido como RV144, apresentou resultados marcantes quando os pesquisadores descobriram pela primeira vez que um regime de vacina oferecia proteção modesta contra o HIV. Hoje, o NIAID está apoiando três ensaios clínicos em larga escala em andamento para teste de vacinas preventivas.

Quais são eles?

Fauci – Em 2017, iniciou-se na África subsaariana um trabalho com mulheres. O objetivo é testar uma candidata à vacina que induza respostas imunes contra uma ampla variedade de cepas globais de HIV. Outra versão deste candidato à vacina está sendo testada para impedir a contaminação pelo HIV por pessoas trans e homens que fazem sexo com homens na América do Norte, Europa e América do Sul. O estudo, chamado HVTN 706, foi lançado em julho deste ano e está sendo realizado em alguns serviços de referência no Brasil. Os resultados desses estudos são esperados nos próximos anos.

Chegaremos à cura da aids?

Fauci – O HIV é difícil de curar porque o vírus integra seu próprio material genético às células da pessoa. Algumas dessas células podem permanecer infectadas de forma latente, constituindo um reservatório persistente do HIV. Embora a terapia antirretroviral possa bloquear a replicação do HIV e suprimir o vírus no sangue, o reservatório de vírus permanece. Quando a pessoa para de tomar os antirretrovirais, o HIV volta a se replicar e a viremia volta.

Mas estamos explorando terapias que suprimem indefinidamente a quantidade de HIV a níveis tão baixos que uma pessoa com HIV não precisaria mais de tratamento. Um exemplo são os testes com os anticorpos neutralizantes. Os pesquisadores também estão desenvolvendo estratégias para impulsionar o sistema imunológico a suprimir o HIV, incluindo a modificação de certas células de defesa para atingir o vírus de maneira mais eficaz e a criação de uma vacina terapêutica que treine o sistema imunológico a produzir seus próprios anticorpos neutralizantes. Outras linhas de pesquisa estudam a eficácia de iniciar a terapia cedo o suficiente após a aquisição para impedir a criação de um reservatório de HIV.

Mas há o registro de duas pessoas que ficaram livres do vírus HIV. O que foi feito?

Fauci – Embora as tentativas de expulsar o HIV das células infectadas de forma latente tenha falhadas amplamente, dois indivíduos – conhecidos como paciente de Berlim e paciente de Londres – foram curados do HIV durante o tratamento de cânceres subjacentes graves que requerem transplante de células-tronco (células capazes de gerar novas células e tecidos). Nos dois casos, esses indivíduos receberam transplantes de células-tronco de doadores com uma mutação genética que os tornou essencialmente imunes ao HIV.

Anos após o transplante, ambos pareciam não ter evidência do vírus em seus corpos. O caso do paciente de Berlim, o americano Timothy Brown, foi apresentado pela primeira vez em 2009 e o caso do paciente de Londres tornou-se público em 2019. Porém, a abordagem usada com eles não é considerada escalável para a população em geral porque apresenta riscos consideráveis

Há outros caminhos em estudo?

Fauci – Em outubro, o Instituto Nacional de Saúde (NIH) dos Estados Unidos anunciou planos de investir com a Fundação Bill & Melinda Gattes pelo menos US$ 100 milhões nos próximos quatro anos para desenvolver uma cura baseada em genes acessíveis, in vivo (dentro do organismo), tanto para o HIV quanto para a anemia falciforme (um tipo de anemia).

A intenção é que os tratamentos sejam disponibilizados globalmente, inclusive em ambientes com poucos recursos. Essa colaboração é um ambicioso passo à frente, aproveitando as ferramentas científicas mais avançadas e a considerável infraestrutura global de pesquisa em HIV do instituto. Estamos trabalhando para um dia oferecermos a cura da aids.

O Brasil registrou um aumento nos casos de HIV/aids nas populações jovem e idosa. Isso também aconteceu nos Estados Unidos? Por quê?

Fauci – O Centro de Controle e Prevenção de Doenças dos Estados Unidos estima que o número anual de novos casos de HIV entre 2010 e 2016 diminuiu entre as pessoas de 13 a 24 e 45 a 54 anos, mas aumentou entre as pessoas de 25 a 34 anos. Sabemos que métodos eficazes de prevenção e de tratamento não estão atingindo adequadamente aqueles que mais poderiam se beneficiar deles.

Para resolver isso, o Departamento de Saúde e Serviços Humanos dos Estados Unidos, do qual o NIH faz parte, lançou o programa ‘Fim à epidemia de HIV: um plano para a América.’ Ele estabelece metas para reduzir a transmissão de HIV em 75% em cinco anos e 90% em dez anos. Meus colegas e eu acreditamos que esses objetivos podem ser alcançados por meio da implementação agressiva de testes, prevenção e tratamento focados geograficamente e demograficamente.

Ao mesmo tempo em que houve avanços contra a Aids, no Brasil e nos Estados Unidos houve um aumento na incidência de outras doenças sexualmente transmissíveis, como a sífilis. Por que isso aconteceu?

Fauci – As infecções sexualmente transmissíveis, ou IST, representam um desafio significativo à saúde pública. Globalmente, mais de 1 milhão de novos casos de IST são diagnosticados a cada dia e gonorreia, sífilis e clamídia estão em alta. Se não tratadas, muitas ISTs podem causar complicações sérias. Os esforços de pesquisa em IST não abordaram adequadamente a disseminação em curso dessas doenças, principalmente porque a resistência antimicrobiana tornou algumas infecções cada vez mais difíceis de tratar e de prevenir.

Para lidar com essa ameaça à saúde pública, os programas de pesquisa biomédica precisam ser reorientados no desenvolvimento de diagnósticos, terapêuticas e vacinas inovadoras. Para esse fim, o NIAID lançou seis novos Centros de Pesquisa Cooperativa em IST que trabalharão para desenvolver vacinas para sífilis, gonorreia e clamídia.

Fonte: UOL