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Teatro

Espetáculo de teatro reflete o abandono do Centro Antigo

Fábio Rocha,
22/09/2015 | 18h09

Foto: Andréa Magnoni

Um espetáculo que não se dá numa sala de teatro, nem numa única praça. Mas se insere na dinâmica do trânsito, das lojas e da noite do bairro do Politeama. É assim que funciona Ruína dos Anjos, mais nova montagem d’A Outra Companhia de Teatro. A obra que estreia hoje dia 22 de outubro e faz temporada até 22 de novembro, de terça a quinta-feira, às 20h tem encenação de Vinícius Lírio e criação em parceria com Luiz Antônio Sena Jr, dramaturgo da obra inédita.

Residente em uma sala no Edifício Centro Comercial Politeama, que durante décadas abrigou o Cine Art, A Outra Companhia começou a se inquietar com o abandono do Centro Antigo, repleto de lugares que já não funcionam, prédios inteiros cujas salas estão fechadas há anos, a efervescência cultural de décadas atrás deu lugar ao descuido. Para falar desse cenário que afeta a relação que o soteropolitano desenvolve com sua cidade, o grupo começou a construção de uma obra que reúne personagens que podem ser enxergados nas ruas do Politeama, especialmente à noite: a moça que faz malabares no sinal de trânsito, a travesti que faz ponto nas esquinas, o jovem homofóbico, o cadeirante que vende cafezinho, a velha catadora, o jovem sagaz que trafica e prega palavras que se quer ouvir.

De maneira itinerante pelas ruas do bairro, a lógica que Ruína dos Anjos propõe convoca para além do público que efetivamente vai assistir a montagem, outro público que vê fragmentos da peça, que se dá em vários pontos do espetáculo.

Ruína dos Anjos tem como mote a reabertura do cinema e a esperança de renovação que ela traz para aquele lugar, que no passado viu um apogeu, hoje vivencia um abandono. Tal qual a vida daqueles personagens, que perderam a luz que um dia tiveram. A degradação espacial como também um reflexo da degradação humana” explica Luiz Antônio. Assim, a montagem não pretende alterar a dinâmica das ruas do Politeama para realizar as apresentações, sem alterar o trânsito, tampouco recorrer a uma iluminação diferenciada ou um figurino grandioso. “Queremos que a realidade que se torna invisível nesse espaço possa ser reconhecida, mostrar histórias que são esquecidas. E por isso é importante manter a dinâmica do local, chamando o espectador para testemunhar essas historias que estão sendo partilhadas” acrescenta o dramaturgo e ator do espetáculo.

Uma inspiração foi a obra A Missão, do autor alemão Heiner Muller, que fala do cenário de um mundo pós-guerra, vivendo uma franca decadência. “No decorrer das leituras e estudos sobre a obra, percebemos que há uma pungência de falar dessa degradação que se opera de outro modo, aqui, com outras questões que são contemporâneas dessa Salvador, que tem suas especificidades” acrescenta Roquildes Júnior, ator e diretor musical de Ruína dos Anjos, que utiliza recursos de musicalidade que entram na montagem de forma integrada com a dinâmica do espaço.

O figurino e a caracterização leva a assinatura de Thiago Romero, buscando uma afinação com o universo urbano e cotidiano, sobrepondo peças e reutilizando-as, sem criar uma atmosfera de ilusão. O mesmo conceito de desenho de luz, assinado por Fernanda Paquelet, segue um respeito às possibilidades que a rua dá e sua própria escuridão, sem propor uma ficção, mas chamando atenção do olhar do espectador para aquilo que a falta de iluminação pública impede de ver cotidianamente.

Para construção deste espetáculo desafiante, o grupo convocou a colaboração de Luiz Fernando Marques, do Grupo XIX (São Paulo), cujos espetáculos implicam na apropriação de espaços inusitados e fora da caixa cênica, como Hysteria e Hygiene. Também orientaram a pesquisa o encenador Francis Wilker, diretor do Teatro do Concreto (Brasíilia), e Eliana Monteiro, do Teatro da Vertigem (São Paulo), cujo espetáculo mais recente se passa numa fábrica abandonada. A preparação vocal ficou a cargo da mineira Babaya Morais, que desenvolve um trabalho sistemático com grupos como Galpão (MG), Ponto de Partida (MG) e Clowns de Shakespeare (RN).

O projeto Ruína de Anjos foi contemplado no edital Setorial de Teatro 2014, do Fundo de Cultura do Estado da Bahia –  FUNCEB, da Secretaria de Cultura e Secretaria da Fazenda do Estado da Bahia.

Serviço:
Temporada de Estreia:
de 22 de setembro a 22 de outubro
Terças, quartas e quintas
20 horas
Em frente à Casa da Outra (Rua Politeama de Cima, nº114, Ed. Centro Comercial PQQ (Pague Quanto Quiser)