Em entrevista a publicação gay, Daniela Mercury dispara: “Eu não me vejo como minoria. A gente é gente!”

Genilson Coutinho,
12/07/2013 | 09h07

O calor do repique baiano esquenta uma tarde fria de Outono em São Paulo. De dentro de uma sala de ensaios do CLAM – Centro livre de aprendizagem musical, no bairro de Moema, uma voz conhecida canta “Por Amor ao Ilê” acompanhada de ninguém menos do que a formação atual do histórico Zimbo Trio. É a voz marcante de Daniela Mercury, rainha do axé, rainha da energia boa e agora rainha da luta contra a homofobia.

Daniela se tornou ícone ao assumir seu relacionamento com a jornalista Malu Verçosa, e já declarou que elas se casarão no civil, com direito à festa. Tudo com uma naturalidade que fica clara quando ela explica seu posicionamento: se Malu não quisesse assumir, talvez as duas não estivessem juntas. Daniela não se considera minoria porque é gente, e gente tem pelo menos 7 bilhões no mundo, segundo pensa.

Com uma baqueta em cada mão, a cantora, compositora e bailarina ensina aos parceiros do Zimbo Trio o que é que a baiana tem. Para ser bem entendida, repete os movimentos musicais com a boca sem economizar nos “parátiparápapá” e outras mais onomatopeias. Enquanto canta, desce as baquetas no repique para deixar ainda mais baiano o show que fez na Virada Cultural 2013, em São Paulo.

Ao lado de um dos mais famosos trios da música popular brasileira, ela se apresentou em um dos principais palcos do evento em um show elogiado por todos. Daniela voltou a se apresentar nas ruas da capital paulista no dia 2 de junho, quando de cima do trio-elétrico fez um show e deu um show ao cantar para uma multidão – e tascar um bom beijo na boca de sua amada.

Leonina de energia invejável aos 47 anos e com uma beleza que fica ainda maior quando se está perto dela, Daniela parece ter disposição para dar e vender. Ensaia por horas, tocando e cantando, e ainda tem pique para mostrar ao piano uma de suas composições, para dar seguidas entrevistas para diferentes veículos de imprensa e, no fim de tudo, ter humor suficiente para fazer piadas com suas lembranças de infância e com seu cotidiano dentro de casa.

Confira um pouco da entrevista aqui. 

Como foi o convite para participar da Parada de São Paulo? Eu sei que vocês antes já tentavam essa participação, mas nunca tinha dado certo a agenda.

Isso para mim é uma delícia, ir para a Paulista. Eu adoro a ideia de a gente não se distinguir muito. Esses momentos de luta são fundamentais para se mostrar que existe uma sociedade organizada, que não vai se deixar violentar. Então nesse sentido, como os gays sofrem violência, como as mulheres sofrem violência, a gente se organiza. Mas o ideal é que a gente faça uma Parada Gay com todos os héteros presentes, com todas as pessoas curtindo essa grande festa de afirmação, de celebração de vida e do amor entre pessoas do mesmo sexo. vou cantar pra gente ver que é tudo mais simples do que a gente imagina. Tudo faz parte de a gente amar as diferenças, amar a diversidade, amar o colorido do mundo.

Depois que você se assumiu virou um verdadeiro ícone contra a homofobia, em favor das minorias. Você se vê assim?

Mas eu não me vejo como minoria, nem eu nem essa turma toda, quem quer que seja. A gente é gente. E gente, que eu saiba, no planeta é maioria. São mais de 7 bilhões. Ninguém é mais importante do que os outros porque vai manter um padrão de um jeito ou de outro. Lógico que o ser humano, por causa da reprodução, se acostumou a ter o casal hétero. Mas com a revolução sexual, desde que a gente não precisa se preocupar tanto com a reprodução, o sexo passou a ser uma coisa importante para a vida, independente de se querer ter filho ou não. Esse é um padrão muito mais dos nossos pais, nosso avós, de outras gerações, que ficou mais simples. Mais simples para os seres humanos se relacionarem de maneiras diversas.

Mas você virou um ícone, isso é inegável.

Fico feliz em ser ícone, mas ao mesmo tempo eu acho que já estava tudo aí. Só precisava de alguém para catalisar essa energia, se posicionar e existir plenamente sem medo de ser feliz, sem vergonha de dizer que é gay. Que tem desejo por uma pessoa do mesmo sexo. Eu nunca nem entrei no armário. Eu não sou uma mulher de armário, sou mulher de falar tudo, sou mulher de ser inteira no que eu penso e vivo. Se Malu não quisesse assumir, não estaríamos mais juntas. Eu não ia viver às escondidas. Não tínhamos saída. Era hora de inspirar as pessoas.

Matéria publica originalmente na revista  Junior #52, nas bancas de todo o Brasil.