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Dramaturga estreia na poesia em obra que pauta o corpo e a percepção do universo íntimo

Redação,
06/10/2023 | 13h10

Estreia poética da escritora e dramaturga LGBTQIAPN+ Martina Sohn Fischer (@nomedemar), “O que estive fazendo quando nada fiz” é uma obra que propõe um diálogo entre as pulsões de vida e morte a partir de um reconhecimento sensível da própria voz e dos desejos, luzes e sombras — que fazem parte da composição de um eu-lírico demasiado humano. Publicada pela editora Urutau (108 páginas), a obra conta com a orelha assinada por Dione Carlos, roteirista, atriz, curadora e também dramaturga. Martina lança o livro no próximo domingo, dia 8, na 42ª Semana Literária Sesc & Feira do Livro, que acontece no Museu Oscar Niemeyer (MON), em Curitiba, às 17h. 

A morte, o amor, a depressão, a mania e as marcas que ficam são os temas centrais de “O que estive fazendo quando nada fiz”. Focado no tempo e em todos esses atravessamentos possíveis, a obra reúne poemas que começaram a ser escritos em 2017, quando a autora vivia momentos difíceis. “Os poemas foram minha forma de criar uma existência possível, mesmo desejando meu próprio desaparecimento. Só escrevo sobre o que me atravessa, a escrita é meu modo de sobreviver”, explica Martina. “Meu livro é sobre pulsão de morte, mas também pulsão de vida. É sobre depressão, mas é também sobre um olhar lírico que invade o dia para que seja possível vivê-lo, e sobre mania, quando esse olhar lírico se torna brilhante demais e consome tudo ao redor, inclusive o próprio corpo e mente.”

O aspecto subjetivo de seu estilo promove um encontro de sensibilidades, fator ressaltado na orelha como um supertrunfo da escritora, e tem como origem a intencionalidade e também o método criativo utilizado: a associação livre e a escrita dos sonhos são os pontos de partida de Martina. Só depois de já ter escrito, ela passa revisando, cortando e modificando. 

Também nesse sentido, Dione Carlos afirma que há na poesia de Martina uma voz inflamada de uma mulher guiada por paixões que ela sequer tenta controlar. E isso, segundo a atriz e dramaturga, corporifica emoções e permite que elas modifiquem sua forma, além de transformar a do leitor que, a partir do que ela constrói, abraça a própria sombra e dá a ela algumas funções.

Escrever como uma forma de lidar com o Transtorno Afetivo Bipolar (TAB)

“Só escrevo sobre o que me atravessa, a escrita é meu modo de sobreviver. Escrevo pra morrer um pouco mais devagar. Escrevo para poder aproveitar as sensibilidades do corpo, para poder habitar a loucura sem que ela me consuma”, diz Martina. “E o que me empolga muito é quando a escrita circula, se movimenta a partir de um outro que lê. É muito delicado, pois é partilhar da minha loucura, de algo que na maioria das vezes me faz mal, me dissocia, me perturba, mas tenho relatos de leitores que se identificam e que se sentem acompanhados nessa loucura, podendo juntos (leitor e obra) encontrar uma saída possível, um retorno e um fundar a vida de cada dia, com e apesar da loucura.”

Diagnosticada com Transtorno Afetivo Bipolar (TAB), a autora, que já fazia análise por mais de 10 anos, viveu recentemente uma crise muito pesada de dissociação. “Tenho lutas diárias com os medicamentos, mas é uma das coisas que me ajuda muito, poder entender e separar as coisas, me encontrar com uma outra versão de mim, encarar o que é sintoma e o que sou eu, mesmo que a cada dia isso se transforme. Escrevo para tentar me livrar de muita coisa, para elaborar, para fazer luto, para me conectar com o outro”, relata. “Não deixarei de habitar a loucura, ela me atravessa em vários sentidos, farei função, lugar e desejo disso tudo. Quero conversar com as pessoas que atravessam transtornos, quero escrever com elas, ler o que escrevem.”

A bagagem criativa de Martina Sohn Fischer 

Natural de União da Vitória (PR), que faz divisa com Porto União (SC), a escritora, dramaturga e poeta viveu grande parte da sua vida entre as duas cidades. Formada em psicologia, reside em Curitiba, capital paranaense, desde 2011. Teve três peças encenadas: “Aqui”, por Club Noir (SP), “Casa de Inverno”, por Artrupe (AM) e “Coração de Baleia”, por Ateliê 23 (AM). A peça “Aqui”, publicada pela editora 7Letras, obteve uma crítica na Folha de S. Paulo por Luiz Fernando Ramos. Martina também já escreveu contos para o site Caos Descrito, revista Jandique e Mathilda Revista Literária. “O que estive fazendo quando nada fiz” (Urutau) é seu primeiro livro de poemas. 

A construção dessa voz poética tão interior e ao mesmo tempo relacional vem do desejo da autora de seguir escrevendo como um lastro de si. Segundo Martina, todos que ela já leu, mesmo os autores que não gostou, são parte de sua bagagem criativa. “Fica na cabeça e na hora de escrever tudo isso me influencia de algum modo e minha criação vem dessa mescla”, frisa.

Na cabeceira da autora consta Clarice Lispector, Mia Couto, Virginia Woolf, Sylvia Plath, William Faulkner, Sarah Kane e Hilda Hilst, nomes que partem dessa voz subjetiva e imagética capaz de trazer sensações relacionadas à interação entre o universo íntimo e seu exterior.

Nesse momento, a autora prepara um novo livro de poemas, tem um romance “empacado no computador” e segue interessada em escrever contos e peças.

Confira um poema que faz parte do livro “O que estive fazendo quando nada fiz”:

na boca dele as palavras soaram como uma realidade possível. repeti. meus olhos água e minha boca distanciaram esse real.

desaparecer.

desaparecer e causar um vazio

no meu corpo

e outro corpo ressurgir

surgir

desse vazio que 

aparece

quando algo conhecido

se vai, pelos dedos e pelos olhos

tocar o que tange agora

o outro corpo que circunda

tem sido impossível

orbito ainda o caminho já feito ontem

é difícil habitar o próprio desaparecimento.

Adquira a obra na loja da editora: https://editoraurutau.com/titulo/o-que-estive-fazendo-quando-nada-fiz