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Documentário mostra a vida da primeira travesti negra doutora do Brasil

Filipe Cerqueira,
02/07/2021 | 23h07
Foto: Divulgação

Ao final de Megg – A Margem Que Migra Para o Centro, curta documentário da diretora Larissa Nepomuceno, sobre a primeira professora travesti negra doutora no Brasil, Megg Rayara, o espectador se pega num rompante de emoções e pensamentos. Não tem como ser LGBT e não se emocionar com o ultimo relato da professora ao se transformar em protagonista da própria vida assumindo sua identidade para o mundo, num misto de homenagem e pedido de desculpas.

A professora Megg Rayara de Oliveira, do Setor de Educação da UFPR, foi a primeira travesti negra a se formar doutora na UFPR, em março de 2017. Foto: Divulgação

Neste curta, disponível no You Tube, conhecemos a Megg, atuante em sala de aula, comandando uma turma de jovens universitários. Ela mulher travesti, negra, em cima de um salto vermelho, propositalmente usado como marca perante outras docentes, em meio a uma sala de aula branca, de uma universidade publica, mas branca e embranquecida. O curta começa sem rodeios e acompanhamos Megg, enquanto a vemos em ação, seja em sala de aula ou em casa, mostrando para nós sua vida, ofício e seus outros sustentos (além de professora, Megg pinta, borda e é tatuadora).

A direção sabiamente não dá espaço para opiniões alheias. Aqui interessa o ponto de vista da protagonista somente. O desenho de outros personagens surgem a partir dos relatos dela. Parece obvio a escolha em concentrar tudo nela, pois são apenas 15 minutos de projeção, mas o que mais se vê por aí são diretores entregues a exibição de uma vasta possibilidade de relatos. Daí para a historia principal se perder é um pulo. E isso não acontece aqui.

É na metade da sua projeção que o filme entrega seu primeiro “plot twist” quando Megg lembra da primeira ação afirmativa que teve contato e isso vai repercutir diretamente na idéia de comunidade e como ações de um indivíduo não estão completamente sozinhas, vista na cena final. Um ato, por mais simples que seja, pode constituir referência de vida para outra pessoa. Parece estranho falar de reviravoltas no roteiro de um documentário curta, mas estamos vendo um filme e a diretora (também editora do mesmo), sabe direitinho manter o espectador curioso, entregando aqui e ali elementos para o público se manter presente.

Megg vai entregando outros personagens e objetos da sua vida. O vestido vermelho, bordado com o nome de travestis assassinadas em 2017, vestimenta da sua defesa de doutorado. Os saltos que usa para dar aula e o som deles ecoando nos corredores da UFPR evidenciando sua chegada à universidade, seus quadros com ícones lgbt negros dispostos em sua casa, entre outros.

Depois de todo o percurso, vemos o ultimo depoimento da professora, onde ela relata a escolha do seu nome e mostra o porquê do nome Megg, titulo do filme. Não quero estragar o prazer de acompanhar a história, mas garanto, em poucos segundos fiquei bastante emocionado. Não só como pessoa negra, mas também como LGBT.

O filme te chacoalha. Não é um soco, mas um choque bom. É como se dissesse, caminhe com responsabilidade. A produção mescla o tom politico e a emoção de forma muito correta. Filme simples, bonito, roteiro bem acabado, edição sem grandes arroubos, mas eficiente. Tudo isso em 15 minutos. Além disso, Megg também ganhou inúmeros prêmios e seleções em festivais de cinema por todo o país. Assista!

Filipe Cerqueira é diretor da SOUDESSA Cia de Teatro, historiador pela UNEB, realizador audiovisual pelo Projeto Cine Arts – UNEB – PROEX e apaixonado por cinema.