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Direitos sucessórios: que o amor seja eterno enquanto dure a vida

Dra. Bethânia Ferreira,
09/08/2015 | 18h08

Defensora Pública Bethânia Ferreira (Foto: Genilson Coutinho)

Por Bethânia Ferreira

Nós já conversamos aqui que o STF – Supremo Tribunal Federal – já garantiu, para a união estável homoafetiva, direitos idênticos aos de uma união heteroafetiva, tanto no âmbito da união estável quanto do casamento. Afinal, a família deve ser regida pelo princípio da afetividade e a Constituição Federal não criou distinção entre casais homoafetivos e heteroafetivos; ao contrário, destina a ambos a igualdade de direitos.

Da mesma forma, em outro momento já informei que o CNJ – Conselho Nacional de Justiça –, utilizando de sua atribuição regulamentar, expediu a Resolução n. 175, cujo texto determina que é vedada às autoridades competentes a recusa de habilitação, celebração de casamento civil ou de conversão de união estável em casamento entre pessoas de mesmo sexo, uma vez que a decisão do Supremo Tribunal Federal vincula toda a Administração Pública e os demais órgãos do Poder Judiciário.

Partindo da premissa – lógica, acertada e inconteste – de que casais homoafetivos e heteroafetivos possuem os mesmos direitos, vamos tratar de direitos sucessórios de casais em união estável e de casais unidos pelo casamento civil. O direito das sucessões é aquela parte do direito que cuida da transmissão do patrimônio ativo e passivo, ou seja, dos bens e dívidas deixadas pela pessoa que faleceu.

O direito das sucessões trata, portanto, do direito de herança garantido constitucionalmente no Brasil. Apesar de todas as críticas existentes e das decisões jurisprudenciais em sentido contrário, o Código Civil trata de forma diversa, no momento da sucessão, o cônjuge sobrevivente – casado no civil – do companheiro sobrevivente – que estão unidos por união estável.

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Pelo direito das sucessões, o cônjuge sobrevivente herdará em concorrência com os descendentes, salvo se foi casado com o falecido no regime da comunhão universal, ou no da separação obrigatória de bens. Ainda existe a restrição da sucessão concorrente se, mesmo casados no regime da comunhão parcial, o autor da herança não houver deixado bens particulares, ou seja, todos os bens forem comuns do casal.

Da mesma forma, o cônjuge sobrevivente concorre com os ascendentes – pais e avós. Caso não existam descentes e ascendentes, o cônjuge sobrevivente será o herdeiro. Ao cônjuge também é garantido o direito real de habitação. É de extrema importância esse direito, pois garante que o cônjuge sobrevivente permaneça na residência do casal após o falecimento do outro, mesmo se a casa for o único bem a inventariar.

No caso do companheiro ou companheira, o art. 1.725 do novo Código Civil determina que o regime de bens da união estável é o da comunhão parcial, salvo se o casal tiver estipulado o contrário na escritura de união estável. Com isso, se considerarmos o regime legal, isto é, se os companheiros não dispuseram de forma diversa, com a morte do convivente o outro terá direito a uma metade dos bens comunicáveis. Essa parte dos bens já lhe pertencia desde a constituição da união estável. Não se trata de sucessão dos bens de um para outro, mas tão somente de dividir a parte de cada um por ocasião do fim da união estável, assim como se houvesse a dissolução da união estável por separação voluntária do casal.

Quanto ao restante do patrimônio do (a) companheiro (a) falecido (a), o Código Civil diz que o sobrevivente participará da sucessãoquanto aos bens adquiridos onerosamente na vigência da união estável. Caso o (a) companheiro (a) falecido (a) tenha filhos comuns, o sobrevivente terá direito a uma quota igual a que se destinará a um filho.

Por outro lado, se concorrer com descendentes apenas do autor da herança, ou seja, filhos ou netos somente do falecido ou falecida será destinado ao companheiro a metade do que couber a cada um daqueles. Se concorrer com ascendentes, por exemplo, terá direito a um terço da herança. Ele só terá direito à integralidade da herança se não houver parentes sucessíveis, ou seja, parentes na linha de sucessão, que pode chegar aos colaterais de quarto grau.

No caso de união estável homoafetiva, a prática cotidiana já nos mostrou que, quando não existe escritura de união estável e a família do falecido se mostrava contrária à união do casal, a situação do companheiro sobrevivente se transforma em uma luta diária. Muitas são as ameaças de expulsão do bem comum do casal ou da casa do falecido. O preconceito e a intolerância passam a reger a conduta dos familiares que discordavam daquele relacionamento.

Se, após o Código Civil de 2002, o companheiro supérstite não possui expressamente o direito real de habitação, apesar das decisões jurisprudenciais afirmando que existe o mesmo direito para cônjuges e companheiros, a discussão jurídica ganha força com base no preconceito e na homofobia. Somente com a edição de lei que revise o Código Civil e iguale cônjuges e companheiros em matéria sucessória, a intolerância deixará de ser motriz para a retirada de direitos de casais homoafetivos unidos por união estável.

Quando amamos sempre achamos que o amor nunca acabará ou que nenhum dos integrantes do parceiro falecerá. Somamos a isso as atribuições do dia a dia, que nos cegam e, por vezes, não nos permitem refletir sobre temas mais delicados para um casal. Vale dizer que essa discussão se faz necessária. Acertar os ponteiros legais de uma relação pode ser determinante, para que a pessoa que amamos – principalmente quando pais, filhos e irmãos não aceitam a relação homoafetiva –, não tenha que conviver, além da dor de nossa perda, com as agruras de uma batalha judicial, em virtude do preconceito e da intolerância.