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Teatro

“Depois de Malhação, deu a impressão de que todo mundo pode ser ator. Pra que estudar?”, questiona o ator baiano Lelo Filho

Genilson Coutinho,
20/08/2014 | 00h08

lelo

“Depois de Malhação, deu a impressão de que todo mundo pode ser ator. Pra que estudar?”, questiona o ator baiano Lelo Filho. Diretor, dramaturgo, produtor e administrador da Cia. Baiana de Patifaria, Lelo comemora os 26 nos da Cia e 25 anos ‘ de A Bofetada’, um dos grandes sucessos do teatro baiano.

Em cartaz na cidade com o espetáculo ‘Abafabanca – uma delícia de comedia’, Lelo arrumou um tempo na correria da sua agenda, para falar com o site Dois Terços sobre os desafios de fazer teatro em Salvador, sem patrocínio e com muita maestria, além das histórias da divertida Fanta Maria, personagem que interpreta no espetáculo. O ator ainda falou sobre as políticas dos editais e da falta de interesse da juventude pelos curso de teatro. Confira abaixo a entrevista na íntegra!

Dois Terços – Já se passaram 26 anos de Cia Baiana de Patifaria, marcados por grande espetáculos no currículo. Mesmo com toda dificuldade de fazer teatro em Salvador, o que mais te comoveu ao longo destes anos?

Lelo Filho – Pois é, são 7 peças no repertório. Me comovo cada vez que adentro um teatro, seja aqui ou em qualquer das 50 cidades do Brasil por onde a Cia já andou em turnês. Me comovo ao ver a luta de tantos artistas e colegas tentando realizar seus projetos e por isso gosto de estar presente, assisti-los quando não estou em cena. Me comovo quando olho uma lista de empresas para as quais mandamos projetos e percebo que apesar de toda trajetória que temos, a resposta do patrocínio sai pra alguém que mal sabe o que é produzir e fazer teatro, mas faz parte de algum programa juvenil na TV. Me comovo quando vejo um elenco brilhando em cena e uma equipe unida num mesmo projeto. Me comovo quando o público chega, enche a casa e comenta depois o que achou, pra elogiar ou dar toques pra que melhoremos e a internet tem ajudado muito nessa troca de ideias entre palco e plateia, pós espetáculos.

DT – A Bofetada ficou mais de 25 anos em cartaz, sempre com casa cheia e atualizada a cada nova apresentação. Em algum momento você se sentiu cansado da rotina?

a bofetada

LF – O cansaço é só pra tentar convencer um empresário de que vale à pena apoiar, patrocinar (em 25 anos A Bofetada só teve 1 patrocínio em 1999). Nunca, em momento nenhum me senti cansado pra fazer o espetáculo. Algo acontece comigo em cena que não sei explicar. Já vivi momentos bem difíceis nos quais tive que fazer o espetáculo e ainda assim foi bom estar lá. Já entrei em cena com lágrimas nos olhos por algo triste que aconteceu um pouco antes e o espetáculo me curou por aquele tempo em que estou diante da plateia. Coisas difíceis de explicar. Os deuses do teatro são poderosos. E adoro contracena, então olho o outro ator e percebo o prazer que aquele momento em cena pode gerar. Aí me divirto também. E além de tudo isso, criamos, improvisamos muito, então é a mesma coisa, mas é diferente. 

DT – Um dos personagens mais queridos pelos fãs do espetáculo, Fanta Maria ganhou vida própria principalmente nas redes sociais. O que tem de Lelo na frenética Fanta Maria?

fanta

LF – Fanta é professora no esquete maravilhoso de Miguel Magno e Ricardo de Almeida. O texto nos deu a base pra criarmos tanto durante todos esses anos. O personagem é fruto da direção de Fernando Guerreiro e de uma contracena que tive o prazer de dividir com Frank Menezes e depois com Jarbas Oliver, dois grandes atores que criaram o contraponto de Fanta, que é Pandora. E Fanta me ensina muito. Cada noite é diferente, cada plateia tem seu humor e isso altera como eu e o personagem lidamos com isso. Ela é 220v e eu, no máximo, 110. Então é muita eletricidade e isso é muito bom. Adoro a praticidade, a velocidade dela. E acima de tudo o humor. Fora que é uma aeróbica bem boa de fazer.

DT – Depois de mais de duas décadas a Cia trouxe para cena a divertida comédia Abafabanca, com novos nomes do teatro baiano que vem caindo no gosto do público. Foi difícil a escolha dos novos integrantes?

Os atores Talis Castro, Mario Bezerra e Diogo Lopes Filho

Os atores Talis Castro, Mario Bezerra e Diogo Lopes Filho

LF – Há um número enorme de gente com quem gostaria de trabalhar. Esses encontros são incríveis quando dão certo. Vejo alguém em cena e sinto vontade de estar ali contracenando, isso já é um bom começo. Com essa nova formação aconteceu isso, já eram atores que admirava. Nos testes tivemos mais gente que eu vi em cena antes ou que me indicaram pela qualidade do trabalho, pelo humor também. E vários fatores foram fundamentais na decisão final que eu e Odilon (diretor assistente) tomamos e um deles foi o fator pouco tempo que teríamos pra ensaios e estreia. Compor personagens femininos como os da Cia requer um certo cuidado.

DT – Abafabanca é um sucesso de público e crítica, porém tem se mantido no cenário sem patrocínio e sem editais. Como você tem acompanhando essa falta de apoio no cenário teatral de Salvador?

abfabanca

LF – Acho triste a situação em que a produção cultural na cidade e no estado está. Já não eram muitas empresas que investiam e agora quase não temos nenhuma no mercado com essa visão. Acho uma pena por conta do potencial, das ideias, das produções que entram em cena e que são boas, mas acabam não conseguindo se manter. Tenho visto coisas bem bacanas pra todos os gostos e isso é muito bom: a pluralidade do nosso teatro cada vez mais se reafirma.Talentos não faltam também. Mas as gestões de cultura parecem não entender como potencializar isso. Tem muito discurso, muita reunião, muitos debates e nós artistas aguardamos mais a ação. No interior toda uma cadeia produtiva e de formação de plateia está interrompida há algum tempo porque muitos teatros estão fechados. As reformas são muito bem vindas, claro, mas não podem demorar muito porque ameaçam todo trabalho que vem sendo feito pra criar público e empresários que invistam.

DT – Há um descontentamento da classe teatral com as políticas dos editais da Secult, nos últimos 4 anos. Como você tem visto essas insatisfações?

LF – Fica parecendo que somos algumas centenas de loucos e que uma minoria que habita os gabinetes e decidem os rumos dessa políticas é que são os certos. Se há insatisfação por parte de tanta gente e há tanto tempo, é um sinal de que tá tudo FORA DA ORDEM (um trocadilho com o nome de minha próxima peça) ou perto disso. São anos nesse debate e sem solução. Gente produzindo sem receber as verbas dos editais e até saindo de cena sem ter a verba e os gestores abrindo mais editais sem ter pago os anteriores. É uma bola de neve atropelando muita gente boa das nossas artes. Tirando a possibilidade de mais estabilidade para artistas. Não entendo como gente da classe participa de decisões que vão contra tudo o que centenas de outros artistas desejam, lutam pra conseguir. Ninguém quer ficar rico, queremos só mais estabilidade numa profissão tão dura. Ter poder é muito perigoso e barrar um projeto meu porque estou dizendo isso aqui, é a coisa mais fácil de acontecer. Mas eu ainda acredito que vivemos num sistema democrático (já há controvérsias!) e que os artistas precisam se mobilizar, exigir mais respeito, protestar e dizer pras plateias que ainda vão ao teatro o que realmente se passa nos bastidores. Não há diálogo com essas últimas gestões, esse é o grande problema. Eles acham que estão certos e nós todos errados. Gostaria que fosse possível somar a academia que o Secretário de Cultura traz com a experiência de tanta gente que atua na área. Eu, por exemplo, esse ano completo 32 anos na lida, no dia a dia do que é produzir e multiplicar plateias, acho que tenho algo a sugerir pra melhorar. Se perguntassem.

DT – Nos últimos anos a procura pelo curso de teatro da UFBA tem mantido a mesma média de candidatos por vaga. Você atribui essa falta de interesse pelo curso a algum fator em especial?

LF – Malhação, na TV, deu a impressão de que todo mundo pode ser ator. Pra que estudar? Não fiz a academia, sou fruto do Curso Livre do TCA e o que sei e o que tenho feito desde que comecei em 1982 é estudar, é querer entender melhor o que eu faço. Pra poder realizar, propor, discutir, criar. Eu acredito nisso. E tou só engatinhando ainda.

DT – Nas eleições deste ano o número de candidatos que estão levantado a bandeira em prol da comunidade LGBT é muito grande. Como você tem acompanhando essa movimentação política?

LF – Ainda estou atento ao que cada um diz. Campanha política é o momento em que você mais vê o teatro mal feito. São personagens diante da imprensa, do eleitor, no palanque, na TV. O que disser que vai criminalizar a homofobia já terá dado um grande passo. O problema é acreditar que o kit que foi elaborado e arquivado seja repensado e colocado em prática, com ou sem pressão dos setores mais reacionários da sociedade. É fato, esse assunto precisa ser colocado em pauta com urgência. E essa foi só uma das decepções da política atual no país.

Fotos: Arquivo pessoal do ator.