Notícias

De longe eu apenas observo: Reflexões sobre a Parada LGBTI de Salvador

Genilson Coutinho,
12/09/2017 | 15h09

21463361_1881963841820514_5263151139702389359_n

Por Tedson Souza

Pela primeira vez observo de longe a Parada LGBT de Salvador. Eu participei de todas as edições da festa. Lembro da primeira, no dia 16 de junho de 2002, um domingo chuvoso, com show do Nossa Juventude, em um palco armado na Praça Castro Alves. Mesmo de baixo de uma chuva forte, fui movido pela força de poder expressar em meio a multidão a minha sexualidade. Foi um momento de tirar todo o peso das costas e festejar por ter sobrevivido as agressões físicas e psicológicas sofridas na infância, no âmbito familiar e na escola.  E por mais que as agressões persistam até hoje, a Parada Gay da minha cidade ainda é para mim um momento de catarse e de comemoração por está sobrevivendo a tantas porradas que recebo por ser homossexual e negro nesse mundão. As cicatrizes e os fantasmas são muitos e a alegria da Parada Gay de Salvador me ajuda a exorciza-los.

Poder observar a Parada de Salvador de longe, depois de conhecer as marchas de outras cidades brasileiras, dos Estados Unidos e da Colômbia me faz valorizar cada vez mais o nosso modelo carnavalizado de mobilização. Como sabiamente canta Caetano Veloso, “A nossa dor balança o chão da Praça”.  Não adianta querer importar um modelo anglo-saxão de mobilização. O ponto forte da Parada LGBTI da Bahia é o modo soteropolitano de fazer militância em meio a festividade.

Nas edições anteriores da Parada, o grande vilão e responsabilizado pela violência e todos os males foi o “Pagode Baiano”.  Dessa vez, o coro dos que querem fazer do povo vítimas e algozes de si mesmo através do “Pagodão” já foi enfraquecido. Em 2017, não tivemos os astros pop do gênero derivado do samba de roda do Recôncavo. Em seu lugar, as estrelas da festa foram divas do eixo sul/sudeste e queridinhas do público universitário cool, Karol Conka, Valesca Popozuda e Lorena Simpson (que apesar de ter nascido em Manaus, começou a carreira artística no Rio de Janeiro).

Apesar da retirada das bandas de pagode da grade de atrações da Parada LGBTI de Salvador, a violência não diminuiu. Os relatos em redes sociais dão conta de assaltos e espancamentos. Sem o pagode, o novo vilão é o tradicionalmente soteropolitano Trio Elétrico, que foi também adotado por outras paradas pelo Brasil a fora.

Confesso que senti muita falta do Trio Elétrico quando vi os carros alegóricos mal acabados de madeira nas Marchas de Nova Iorque, Boston e Providence. Achei tudo um “armengue” e me senti muito inseguro diante daquelas “gerigonças” mal acabadas. Pensei como somos mais inteligentes e modernos, desde os anos 1950 já tínhamos o genial Trio Elétrico.

Na minha humilde opinião de quem conhece a festa desde sua primeira edição, como diz o dito popular, “O buraco é mais embaixo”. A Parada LGBTI de Salvador é uma festa de proporções gigantescas. Desde que, por conta das chuvas de junho, mudou para setembro, passou a ser o primeiro evento do calendário festivo do verão soteropolitano. Como dizemos, a população da periferia e do Subúrbio Ferroviário de Salvador “desce e… Ler mais

O Estado da Bahia e a Prefeitura de Salvador precisam colocar o exercito de serviços que disponibilizam para fazer a segurança das festas populares frequentadas pelos brancos de classe média alta da cidade como a Lavagem do Bonfim, a Festa de Iemanjá e Carnaval para trabalhar no domingo da Parada. A Polícia Militar e a Guarda Municipal precisam tratar LGBTs, Negros e periféricos com respeito e dignidade.  A decadência da Parada LGBTI de Salvador é uma prova do racismo institucional praticado pelo poder público.

Por fim, os discursos racistas e higienizadores que eu vejo nas redes sociais me deixam muito assustado. Desejo vida longa para essa Parada que a meu ver é a melhor do mundo, por ser carnavalizada e única.

Tedson Souza é Jornalista, Professor Universitário, Mestre em Antropologia e Doutorando em Antropologia pela UFBA. Atualmente realiza estágio Doutoral na Brown University, nos Estados Unidos. Trabalhou na redação da Band Bahia, onde atuou como Produtor Executivo na Bandnews FM. Também passou pelas redações da A Tarde FM e do Jornal Correio.