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Dança, androginia, neon e ironia dão o tom ao primeiro clipe do cantor Achiles; assista

Genilson Coutinho,
03/12/2016 | 17h12

A música “Mar de Refrigerante” é uma grande manchete no atual cenário de música pop contemporânea. Sua origem desponta de uma coleta feita num site de notícias por Paulo Monarco, também compositor da música, que utilizou as principais manchetes que lia para compor os primeiros versos da canção.

Em 25 de abril de 2015, a manchete “Terremoto no Nepal” noticiava o sismo de magnitude 7,8 na escala de Richter e que resultou em milhares de feridos e mortos no Nepal, Índia, Bangladesh, Paquistão e China. Um pouco longe dali e alguns dias depois, em 30 de abril de 2015, os jornais noticiavam uma “Avalanche em Marechal”, no Subúrbio do Rio de Janeiro, quando um caminhão carregado de refrigerantes virou no quintal de uma casa localizada no bairro Marechal Hermes. Em entrevista ao repórter, o morador da casa atingida disse que o acidente fez surgir em seu quintal um verdadeiro “Mar de Refrigerante”.

Achiles se lançou ao desafio de continuar a composição e se debruçou sobre a ambivalência que a ideia de um mar de refrigerante sugere para analisar a complexidade do mundo moderno no campo cultural, social e político. Buscando refletir sobre a sua condição de artista e a de seus amigos compositores, o cantor nos revela as ironias e contradições do atual cenário de música brasileira independente, os efeitos da memória musical do país na visibilidade das novas gerações e os intercâmbios entre os elementos da nova música de protesto e a cultura de massa:

“Mar de Refrigerante é o grande delírio por onde caminho na minha condição de artista gay do interior da Bahia. Acho que o tema central da música e do videoclipe é o desmonte da ideia de que as coisas são puras. O corpo não é puro, o fazer política não é puro, a cultura e as manifestações artísticas não são puras. A ambivalência do mundo moderno nos convida a enxergar as coisas por infinitas janelas”, diz Achiles.

A música também chama a atenção para as complexidades do campo político com a tomada das ruas por diferentes grupos em conflito e o protagonismo das classes médias e altas nas manifestações que  resultaram num “sisma” político no país. O artista contemporiza a epidemia de campanhas solidárias a causas sociais na internet, como a “Somos todos macacos”, com o crescimento de violências racistas, sexistas e homofóbicas na rede e também fora dela. “A difusão de uma certa coletividade pelas campanhas que visam igualar as pessoas camufla a permanência de hierarquias e relações de poder que não deixam de existir por conta desses reconhecimentos”, afirma o cantor.

O tema da ambivalência, da hibridez e da impureza é potencializado pela estética andrógina de Achiles no vídeo, que celebra o surgimento de uma geração LGBT na música brasileira com o uso de neon, glitter, coreografia e LED. O clipe, que foi todo filmado no Trapiche Pequeno, na cidade de Salvador, foi dirigido pelo casal Edson Bastos e Henrique Filho, proprietários da Voo Audiovisual, vencedores do Prêmio Caymmi de Música de 2015, na categoria Produção com o videoclipe “O quintal”, de Ayam Ubráis Barco.

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Edson Bastos explica como foi o processo: “Em aproximadamente 01 ano, nos reunimos por diversas semanas com Achiles para analisar o cenário, definir a música e o conceito do clipe. Uma música muito contagiante, contemporânea e repleta de possibilidades visuais. Mas buscamos dar o tom do clipe através da ironia, que já existia na música, para que o clipe também fosse parte dela. Foi um belo desafio construir esse clipe com Achiles e com toda a equipe.”

Henrique Filho complementa que “foi uma ótima experiência realizar o clipe de um cantor que tanto admiramos, gravar em estúdio, ser um clipe de coreografia com 10 dançarinxs e ter liberdade para experimentar com uma equipe profissional. Nos envolvemos bastante com esse projeto. Foram muitas idéias que surgiram nas reuniões e ficamos empolgados com as escolhas de cenário, figurino, maquiagem, luz e dos efeitos que conseguimos atingir em cada uma das seis cenas do videoclipe”.

Sob o comando da Companhia de Dança Robson Portela, o bailarino e coreógrafo que dá nome à companhia de Jequié, Robson Willian Portela Santana, foi o responsável pela direção de coreografia dos nove dançarinos e do cantor Achiles no clipe. Ele explica como foi a concepção da coreografia: “Deixei a música me inspirar. Acreditei nos passos e nas habilidades dos dançarinos. Tentei me divertir e mergulhar a pesquisa num mar de refrigerante, sem me perder na empolgação, pensando no público que seria atingido. Os movimentos foram  pensados a partir da cultura de massa. Movimentos de preto e comportamento de massa, um pouco de erotismo pulsante onde confrontou o lirismo do corpo que dança. Ela é uma coreografia híbrida e multifacetada, passeia juntamente com a letra da música pelo protesto e pela ostentação”, diz Portela.

“Mar de Refrigerante” é o primeiro single do cantor Achiles, que compõe o primeiro EP solo do artista, com previsão de lançamento para Janeiro de 2017.

Serviço:

Lançamento do clipe “Mar de Refrigerante” do cantor Achiles