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Crítica: Daniela Mercury e seu EP Tri eletro

Tedson Souza,
11/10/2017 | 17h10

Daniela Mercury acaba de lançar nas plataformas digitais um álbum inédito, o EP Tri eletro, que apresenta três novas canções. A música de trabalho Banzeiro é uma regravação da cantora e compositora paraense Dona Onete.  Com arranjo de Yacoce Simões e da própria Daniela, a versão “mercuryzada” é um convite para tirar o pé do chão e transporta o Carimbó e toda a latinidade amazônica para o Trio Elétrico. O resultado final lembra as efervescentes  Monumento Vivo, do álbum Canto da Cidade (Sony 1993) e Água do Céu, gravada pela primeira vez em Balé Mulato (EMI 2005) e regravada no ano seguinte em Balé Mulato ao vivo (EMI 2006), com participação da cantora baiana Gilmelândia.

Na segunda faixa, um grande desafio, pois Pagode Baiano não é para qualquer um. Pode até não parecer, mas é muito complexo fazer uma quebradeira, misturar com bossa e Chico Buarque ainda mais ainda. Com muita verborragia, Daniela Mercury assassina o Pagodão com “Samba Presidente”. A faixa arremedo honra o apelido “ET”, dado ao álbum pela própria artista. Enfim, um ET nada “novidadeiro”, que já vem desenhado desde o insosso “Vinil Virtual”.

Foto: Genilson Coutinho

Na era em que as participações dominam o universo pop, Daniela Mercury, mais uma vez, convida Marcio Victor, que é o autor do arranjo, toca percussão e faz uma tímida e inexpressiva participação nos vocais. A marcante voz de Marcio Victor aparece apenas no final da música, que tem um tom panfletário, refletindo a insatisfação dos artistas diante da famigerada e nefasta onda conservadora que vem ameaçando a liberdade de expressão no Brasil.

O protesto é justo, contundente, mas Daniela perdeu a oportunidade de dividir e dialogar melhor com Márcio Victor. Como de costume, La Mercury, do alto do seu trono imaginário e com presença imponente, tem dificuldade de dividir.  Essa limitação em partilhar é tão evidente que o colega Netinho, em entrevista ao Bahia Notícias, relatou o incomodo com a postura da Rainha do Axé, durante apresentação no Festival Nacional da Música, em 2007, “Daniela Mercury é isso aí. Todo mundo queria cantar e ela (Daniela) não deixava ninguém cantar”. Ao invés de dividir, Marcio Vitor, considerado uma das maiores influências musicais para a juventude soteropolitana, é alçado por Daniela ao local de coadjuvante.

Em uma breve pesquisa por comunidades de fãs da artista nas redes sociais, a impressão é de que a terceira música do EP é a preferida entre os fãs soteropolitanos. De fato, Eletro Ben Dodô (Lucas Santtana e Quito Ribeiro) eletriza o som do Ijexá  e lembra o frescor e viço de uma Daniela Mercury do final dos anos 1980 e 1990, que comandava a massa na frente da Companhia Click ou de cima do Trio Paes Mendonça.

O disco tem gosto de café instantâneo requentado e bate na mesma tecla a da mistura. Miscigenação celebrada por Daniela outrora no magnífico “Feijão com Arroz” e exaurida em “Baile Barroco”, “Bale Mulato”, “Bale Mulato ao vivo” e ” Canibalia”. Ufa.. É tanto sinônimo… Uma mistura que favorece a Sinhá Daniela, que usa muito bem a negritude como pano de fundo e em favor de sua branquitude.

O ponto positivo do negócio: confesso que depois de 2005 é a primeira vez que consigo escutar uma música de Daniela Mercury até o fim… Talvez funcione no Carnaval do Beco da Off, na Pipoca da Rainha e no Bloco Crocodilo.

Foto: Genilson Coutinho

Ao gravar um flash mob na tarde ensolarada de domingo no Farol da Barra, Daniela mostrou que está disposta a fazer um excelente trabalho de divulgação. A cantora tem feito transmissões ao vivo em suas redes sociais, acompanhei algumas e enxerguei uma dificuldade com a linguagem da internet. Enfim, Daniela carrega consigo uma visão iluminista de arte, que caiu por terra nos nossos tempos. O artista não está mais além, ele precisa descer do pedestal, quebrar a parede, principalmente, na era do Facebook, Instagram, em que as pessoas estão cada vez mais próximas. Mais do que nunca, é preciso partilhar e dividir o protagonismo na hora de produzir arte.

Foto: Genilson Coutinho

Tedson Souza é Jornalista, Professor Universitário, Mestre em Antropologia e Doutorando em Antropologia pela UFBA. Atualmente realiza estágio Doutoral na Brown University, nos Estados Unidos. Trabalhou na redação da Band Bahia, onde atuou como Produtor Executivo na Bandnews FM. Também passou pelas redações da A Tarde FM e do Jornal Correio. Daniela Mercury é sua cantora favorita.