Corrupção – grandes & pequenas

Genilson Coutinho,
15/04/2012 | 15h04

Tenho reservas em relação a discursos prontos “antissistema”, “viva la revolucion” etc, pois costumam guardar entrelinhas fascistas. O fascismo costuma alinhar-se ao populismo e destruiu a Europa e as Américas pelo menos uma vez. Ainda sofremos consequências disso. O golpe militar brasileiro, por exemplo, é chamado ainda hoje em alguns círculos de A Revolução de 64. Era moralizante e visava combater a corrupção do nosso governo. Deu no que deu.

O fascismo é uma solução fácil e que, infelizmente, tem apelo pois pensa no curto prazo, nos problemas imediatos, sem levar em consideração princípios humanistas, ambientais etc. É uma ideia fácil de ser comprada pelos inquietos e inconformados. E nasce de uma retórica falaciosa inscrita no medo e no horror: o discurso purificador! União, força acabam virando palavras de ordem que suprimem as diferenças e singularidades individuais – essas preciosidades que fazem com que os indíviduos sejam essenciais à diversidade sociocultural de uma sociedade.

Sei é que os discursos purificadores fazem o meu dedão do pé encolher, não porque queiram arrumar a casa. Arrumar a casa é mais do que necessário. É um processo longo, árduo, difícil e que demanda conhecimento do passado histórico para não repetir os mesmos erros. Esses discursos purificadores, por outro lado, costumam usar ideias populares e bem aceitas para abrir caminho para os abusos de um ou outro ditador mal-intencionado e carismático.

“Temos que combater a corrupção!”. Temos, não há dúvidas. Ela começa no dia-a-dia. Digo isso porque vem aí a Marcha da Corrupção (no dia 21 de abril). Movimento nacional de força e tudo o mais. Mas, a meu ver, marchar contra a corrupção é o equivalente a marchar contra a fome, contra a peste, contra a morte e para Jesus. São atos simbólicos, demonstrações de adesão e poder popular e que possuem poucous efeitos práticos: força através dos números sem uma política eficaz de visibilidade acoplada, sem programas de acompanhamento, ou seja, meramente ideias soltas ao vento.

Se o propósito era conscientizar a população… acho que todo mundo já está meio careca de saber que corrupção é errado & feio, que tomar o que não é seu é errado, que usar verba pública para assuntos particulares ou privados é errado e por aí vai.

Faltava, há uns dez anos atrás, pressionar a agenda cultural, mediática e a agenda política contra a corrupção. Nos anos 80, estávamos acostumados com a ideia de um Brasil politicamente irregular e de uma economia de altos e baixos titânicos e tirânicos. Ninguém tinha muito a perder porque a condução da economia por si só já causava inúmeras e frequentes perdas financeiras aos cidadãos. As produções culturais repetiam a ideia de que político não prestava e de que o governo ia para os diabos porque ninguém sabia o que estava fazendo. Faltava orgulho nacional e faltava vergonha na cara. Isso vem mudando muito provavelmente graças à estabilidade econômica e ao dinamismo das novas formas de comunicações, especialmente do poder de engajamento digital que as redes sociais ofertam. Resulta disto que, se as contas estão em dia, posso me orgulhar da minha casa etc.

No que concerne à agenda mediática, os grandes veículos já compraram a ideia, alimentando sua natureza de cães de guarda da democracia e do processo político. O jornalismo virou escravo do própriodiscurso que teceu para se justificar. Num passado não muito distante, o jornalismo assumiu para si, publicamente, o papel de vigilante da sociedade, da esfera púlica e, especialmente, dos governos. Para tanto, posicionou-se como objetivo, racional, imparcial etc. Como água dura tanto bate até… o jornalismo acabou incorporando à sua prática esses predicados ideais. O ganho foi poder falar da sociedade e da política, atuando em ambos, seguindo interesses do campo jornalístico, dos empresários do setor e por aí vai. Antes do início do século XIX, a objetividade nem era uma premissa jornalística. Ao contrário, esperava-se que o jornalismo fosse parcial e opinativo, assim todo mundo saberia onde estava pisando, o que eu, inclusive, aprecio. Por isto gosto tanto do jornalismo da Carta Capital e da The Economist. Eles dizem a que vêm e quem apoiam e porque apoiam segundo uma linha de argumentação coesa, coerente e rigorosa. Sem fé, sem ideologia, sem ideias jogadas ao léu. Esse posicionamento daqueles veículos garante uma posição clara e bem definida na esfera de discussão pública e política. E não, isso não é mau, ou o mal! Os veículos eram no passado arena de debate público, dos interesses da população.

Mas não se engane, muito provavelmente estarei na Marcha Contra a Corrupção, que tem uma pauta bem definida: fim do voto secreto para parlamentares, corrupção como crime hediondo e por aí vai. Acho bom que as pessoas estejam nos espaços públicos, microarenas políticas, externando sua vontade de um país melhor e mais eficiente. Isso explica ao jornalismo watchdog o que queremos, tangenciando pressões mercadológicas do campo jornalístico. O jornalismo por sua vez explica às gerações alinhadas à pauta cultural dos anos 80 – do Brasil como o país para onde os malandros convergiam – que o dinheiro que some dos cofres públicos é nossos e daquela geração também (hoje detentora de padrões econômicos muito mais confortáveis).

O que falta explicar: comprar carteira de motorista é corrupção, usar programa de habitação popular do governo para construir patrimônio é corrupção, fraudar carteira de estudante é corrupção, comercializar patrimônio intelectual protegido por direitos autorais é corrupção, dar propina a policial para se livrar de multa é corrupção… Costumamos focar nas grandes corrupções e esquecemos dos deslizes morais/éticos menores do cotidiano. A Marcha Contra a Corrupção tem um teor moralizante necessário, que não é épico pois não vivemos em nenhum regime de exceção e nem todos os políticos são corruptos. Quero saber mesmo é se os interessados na pauta anticorrupção vão incorporar o discurso à prática cotidiana, berço das corrupção. Isso tudo sem passar pelos dois chavões que me irritam epicamente: conscientização e fiscalização. Se fôssemos éticos, integralmente éticos, nem uma nem outra seriam realmente necessárias. Bastaria acordar todo dia e saber que uma conduta correta reflete-se na preservação e prosperidade da coisa pública e da vida política… Assim, não seria necessário nem adquirir consciência posto que ela mora na conduta ética e nem ser fiscalizados.

João Barreto – Jornalista

Jornalista e mestre em Comunicação e Cultura Contemporâneas pela Faculdade de Comunicação da Universidade Federal da Bahia. É analista de comunicação e cultura, especialmente de poéticas audiovisuais. Também tem interesse em desenvolvimento sustentável.
twitter: @jaobarreto / Blog – http://jaobarreto.wordpress.com/