Consciência Negra e Gay

Márcia Santos,
20/11/2010 | 23h11

Por Genilson Coutinho 20/11/2010

No Dia da Consciência Negra, o site Dois Terços conversou com lideranças dos movimentos em prol dos negros e gays sobre os preconceitos enfrentados pelos negros que assumem sua escolha sexual. E ainda ouviu também o estudante Edson Cunha que falou dos desafios diários de um jovem negro e gay em Salvador. Confira.

Neste sábado, 20 de novembro, diversos estados brasileiros  vão celebrar  mais uma vez o Dia da Consciência Negra  com muita festa e reflexões  lideradas  pelos movimentos negros no Brasil.

Em Salvador, a data não passará despercebida diante da enorme  programação voltada para o público negro, incluindo palestra, show e manifestações na cidade mais negra do país – que ainda assim ficou de fora do feriado decretado em alguns estados.

O 20 de novembro, um marco das lutas e homenagens ao grande líder Zumbi, traz para o eixo das discussões temas de fundamental importância para comunidade negra,  que busca diariamente reparação e respeito em todos os setores da sociedade.

Face às comemorações e as lutas desta data, a nossa equipe resolveu saber como está a situação do negro que se assume ser gay diante de tantos preconceitos latentes no Brasil. Os inúmeros gays negros que existem na Bahia estão  vivendo no anonimato por medo de ser assumir gay ou por medo de ser vítima do preconceito em muito caso até dentro da própria família.

Parece até que esses homens e mulheres continuam vivendo nos tempos da escravidão, nos seus círculos familiares e de amizades onde a falta de respeito e cidadania é gritante ao ponto das famílias sentenciarem que é melhor ter um filho morto do que “viado”. Essa é a triste realidade de milhares de jovens gays e negros na Bahia, que sofrem em silêncio e sem apoio.

Mesmo com todo esse sofrimento e preconceito, muitos negros estão conquistando seu espaço com muita competência e brilhantismo superando aos poucos  muitos obstáculos.  De acordo com análise da  professora pesquisadora associada ao Núcleo de Estudos de Gênero e Sexualidade (NUGSEX) da Universidade do estado da Bahia (UNEB),  Ana Cristina Conceição Santos, “negras e negros LGBT nos últimos anos vêm ganhando maior visibilidade diante das reivindicações e conquistas de espaços; contudo, o preconceito não diminuiu, pois, nós negras e negros homossexuais trazemos duas marcas de opressão: a etnicorracial e de orientação sexual”.

A prova de que o preconceito não diminui, como afirma  professora Ana  Cristina, é notável na fala de  Scarleth Sangalo, nome artístico do estudante de Publicidade e Propaganda,  Edson Cunha, de 23 anos, morador do bairro  do Rio Vermelho e que luta diariamente para romper os preconceitos contra  por ser negro e gay.  Segundo Edson, o preconceito continua, mesmo com as campanhas de conscientização desenvolvidas pelos movimentos socais e pelo governo.

“Não é fácil ser negro e gay neste país, é uma luta dura”, afirma Edson que conta que já viveu na pele o visível preconceito contra sua raça e sua escolha sexual. “Estudo , trabalho e para complementar a  renda faço telegramas animados e shows nas principais casas de espetáculo em Salvador voltadas para o público gay e sempre tenho buscado o  respeito em cada espaço que vou fazer meu trabalho quebrando alguns paradigmas  sobre  a minha arte”, afirma.

Além do preconceito enfrentado por Edson fora do ambiente gay, o mais duro de todos é vivido dentro do próprio ambiente gay. “Fico muito triste quando estou assistindo os shows das minhas amigas e o público fica adjetivando, com palavrões, toda vez que um negro, como eu, tem a coragem de botar baton, peruca e subir  no palco por amor à arte”, desabafa.

Ele ainda completa, “com preconceito ou sem preconceito estou aqui para escrever a minha história e fazer a diferença.Não sou melhor nem pior de que ninguém. Quero apenas respeito”.

Já para Nilton Luiz, ativista  do Fórum Baiano LGBT e membro do movimento   Negro LGBT, na Bahia ocorreram sim algumas melhoras em relação aos anos 80, quando surgiram as primeiras organizações de militantes negros LGBT. “Naquela época, as organizações foram todas dissolvidas e os antigos militantes não permaneceram na luta LGBT, alguns foram para outros movimentos, outros para a academia, outros desistiram. Aqui em Salvador, o Adé Dudu, criado em 1982, seguiu esse caminho. Hoje nós temos uma organização nacional de negros e negras LGBT, outra só de lésbicas e mulheres bissexuais, grupos regionais e núcleos em entidades mistas. Temos também intelectuais negros LGBT assumidos, um grupo crescente de travestis nos bairros populares e uma influência cultural vista, por exemplo, na utilização de termos das línguas das religiões de matrizes africanas na chamada homocultura. Temos até um gay assumido na novela das sete, que pode ser estereotipado, mas quebra o tabu da masculinidade compulsória do homem negro. Apesar disso, a violência homofóbica continua invisível nos bairros da periferia e as políticas públicas não são transversalidades”, conta

Para Marcelo Cerqueira, presidente do Grupo gay da Bahia, assumir ainda é um tabu em todas as classes sociais. “Os negros pobres da periferia não se assumem porque existe o mito do negão comedor e as famílias dizem preferem ter filho ladrão que gay. Os de classe média não se assumem porque com dinheiro tem mais possibilidade de sexo, relacionamento, inclusive com os dois sexos. A bissexualidade é algo bem concreto nesse momento. Os outros negros, aqueles no limite da linha de pobreza, acabam virando travesti por imposição da própria comunidade que avacalha e ele acaba permitindo isso inconscientemente. A homossexualidade, mesmo que pese os avanços da internet e das novas tecnologias, ainda é uma decisão muito difícil de uma pessoa tomar”, conclui.

Esse é o inicio de longas historias a espera de mudanças. Não podemos ficar assistindo a vida passar em uma grande tela em preto e branco, pois a vida tem que ser colorida.

Genilson Coutinho – Fotógrafo
Pós-graduando em MBA – Comunicação Coorporativa e idealizador do site Dois Terços.

Contato: couton2@globo.com

Fotos: Arquivo Pessoal de Edson Cunha