Confecção da carteira social para travestis e transexuais começa este mês no RS

Genilson Coutinho,
13/08/2012 | 12h08


Identidade de gênero. Esta é uma iniciativa inédita no país, criada pelo governo do Rio Grande do Sul para atender a diversidade sexual com a confecção da carteira de nome social. A partir do dia 20 de agosto, as travestis e transexuais interessadas poderão ter um documento de identidade no gênero no qual se identificam. O documento vale apenas em território gaúcho e será feito no Instituto Geral de Perícias (IGP). Apesar de não valer como registro civil, a carteira social é um mecanismo de rompimento do preconceito com a população LGBT.
“É uma forma de extirparmos a discriminação e a intolerância do nosso estado. Esta é a essência dos crimes. Essa iniciativa poderá contribuir para redução da criminalidade de modo geral. Queremos evoluir para uma cultura de respeito ao outro no estado”, explica o secretário estadual de Segurança Pública, Airton Michels.
O decreto que institui a carteira de nome social para travestis e transexuais foi assinado no Dia Estadual de Enfrentamento à Homofobia, 17 de maio, pelo governador Tarso Genro (PT). No próximo dia 17 completam os 90 dias para a vigência da norma. “Como é uma sexta-feira, vamos começar as emissões no dia 20, que é uma segunda”, esclarece o coordenador estadual de Diversidade Sexual, Fábulo Nascimento.

“Os novos policiais estão sendo formados para aprender a lidar com a diversidade sexual”, diz secretário Airton Michels./ Foto: Ramiro Furquim/Sul21
Como não há uma política nacional para mudança dos registros para a população LGBT, a medida não tem validade fora do RS. Pela mesma razão, pessoas de outros estados que venham a fazer a carteira social não poderão utilizar fora do território gaúcho. “O documento incluirá o número do RG, mas recomendamos portar sempre a carteira identidade que consta no registro civil consigo dentro da bolsa. Haverá esta limitação de ser um tratamento informal. No texto legal, terá que ter o nome civil”, ressalta o titular da Segurança.
“É uma política de afirmação, porque todas as travestis e transexuais almejam mudar o registro. Isso é motivo de discriminação nos espaços públicos e no cotidiano da sociedade”, salienta o coordenador de Diversidade. De acordo com Nascimento, na rede pública estadual conforme decreto assinado ainda em 2011 por Tarso Genro, “o nome social de um estudante terá que constar na chamada, mesmo ele não tendo a carteira social”.
“O preconceito não vai diminuir”, diz dirigente da Igualdade-RS

Apesar de ser uma importante conquista para o enfrentamento da homofobia, a carteira social não resolve por si só a cultura de preconceito. Na avaliação da presidente da Associação de Travestis e Transexuais no RS, Marcelly Malta, o ponto mais importante da nova lei é a mudança no atendimento dos serviços públicos. “Independente do preconceito que tenham ou não, as pessoas terão que nos chamar como nos identificamos”, afirma.
O secretário de Segurança Pública, Airton Michels confirma que a mudança cultural é uma tarefa a médio e longo prazo. “Na área da segurança, por exemplo, é uma área de natureza conservadora. Onde se trabalha com situações limites há uma tendência a preservar tendências e pré-concepções. No caso dos homossexuais, se reproduz muito estigma”, fala. Porém, o fato de a carteira social ser uma medida institucional, com confecção no IGP, amplia a credibilidade da medida. “Não é como no Piauí que foram feitas carteiras quase fictícias, não como documentos reais”, compara.
Para garantir o atendimento livre de preconceito, os servidores da Segurança Pública, Saúde, Educação e Assistencia Social, que tem atendimento direto com as ‘trans’ e ‘travas’, foram capacitados pela Coordenadoria de Diversidade Sexual. “Já temos 4 mil servidores capacitados. Estamos cumprindo um calendário estadual, incluindo o interior, para alcançarmos a meta de 10 mil servidores formados para atender a dinâmica da diversidade sexual até o final do ano”, diz o coordenador Fábulo Nascimento.
Os 730 novos policiais civis e militares também estão sendo formados para a compreensão sobre a homossexualidade e a existência do documento e os direitos LGBT. “Escrivães e delegados de polícia já estão fazendo um tratamento diferente pelo que temos acompanhado. E, muitas travestis e transexuais estão nos procurando para saber como fazer a carteira social”, conta Marcelly Malta. Segundo ela, as travestis cerceadas de liberdade no Presídio Central, que já convivem em cela exclusiva, receberão um mutirão dos órgãos estaduais para a confecção dos documentos.
O documento
Para fazer a carteira, as pessoas interessadas devem procurar os postos de identificação, local onde é feita a carteira de identidade e pagar a mesma taxa da confecção do Registro Geral (RG), no valor de R$ 40. No entanto, quem não tiver o valor pode fazer uma declaração de pobreza e ficará isento da taxa. A confecção será em caráter experimental por 30 dias. A partir de 20 de setembro o serviço deverá ser ampliado para todo o estado.

A troca do nome no registro civil ainda é feita no Brasil apenas por meio de processo judicial. Para a trabalhadora autônoma Luisa Helena Stern, a mudança de nome ocorreu em um ano e ao custo de R$ 100 reais. “Com o ganho de causa pude mudar minha certidão de nascimento e então o RG, CPF e todo o resto. Mas não são todos que conseguem. Depende da compreensão de cada juiz”, conta.

Em Porto Alegre, os processos podem ser encaminhados na Vara de Registros Públicos ou na Vara Cívil. Aqueles que não têm condições de pagar as custas do processo podem pedir auxílio para Defensoria Pública. “Quem consegue dispensa pela assistência judiciária gratuita pode pedir também a readequação de sexo por um valor de laudo pericial bem mais acessível. O custo pago pelo serviço público é R$ 350 reais. Quem faz particular a Perícia cobra o que quer”, revela Luisa.
No caso dela, foram pedidos R$ 3 mil reais, motivo que a fez desistir da readequação de sexo. Segundo ela, as transexuais e travestis já operadas conseguem a autorização judicial para trocar o registro civil com mais facilidade. “Eu desisti do pedido de readequação de sexo e o meu pedido de registro saiu em 10 dias”, diz.
Na avaliação de Luisa, a carteira social que será confeccionada a partir de 20 de agosto será um importante conquista. “Será a possibilidade da auto-atribuição do nome com o qual as pessoas se identificam, sem laudo pericial. Isso é algo próximo das legislações mais avançadas que vigoram na Argentina e Espanha, por exemplo. Abre caminho para que o legislativo faça a lei em nível nacional”, acredita.
Fonte: Sul 21