Começa hoje 2ª Conferência LGBT : ABGLT – o que queremos, avanços e desafios

Genilson Coutinho,
15/12/2011 | 12h12

Nós, ativistas pelos direitos humanos e promoção da cidadania de lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transexuais (LGBT) de todas as unidades da federação e que compomos o conjunto das afiliadas da Associação Brasileira de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais – ABGLT, que atualmente é a maior rede LGBT da América Latina com 257 organizações afiliadas, estamos reunidos em Brasília-DF, de 15 a 18 de dezembro de 2011, para participação na 2ª Conferência Nacional de Políticas Públicas e Direitos Humanos de LGBT.

A 2ª Conferência Nacional de Políticas Públicas e Direitos Humanos de LGBT que traz o tema: Por um Brasil livre da pobreza e da discriminação: promovendo a cidadania de LGBT, é mais um marco histórico, fruto da luta de vários(as) ativistas e militantes que têm atuado cotidianamente, em várias áreas e sempre exigindo o fim do preconceito, da discriminação e da violência homofóbica, contribuindo para a implementação de políticas públicas para a promoção da cidadania das pessoas LGBT.

Em 2008 o movimento LGBT vivia um momento especial, pois pela primeira vez governo e organizações da sociedade civil discutiam propostas de Políticas Públicas para o enfrentamento à homofobia e garantia de direitos humanos da população LGBT. Tratava-se da 1ª Conferência Nacional LGBT.

Nesses últimos três anos houve diversos avanços no contexto nacional e na garantia de bases de consolidação de Políticas Públicas para a população LGBT. A partir da 1ª Conferência, foi criado o Plano Nacional de Promoção da Cidadania e Direitos Humanos LGBT, a Coordenação-Geral Nacional de Políticas LGBT, além de instaurado o Conselho Nacional de Combate à Discriminação e Promoção de Direitos Humanos LGBT. O Supremo Tribunal Federal – STF decidiu pela equiparação das uniões estáveis heterossexuais com as homossexuais, garantindo o acesso aos mesmos direitos de ambas as uniões.

 

Contraditoriamente, mesmo com os avanços no plano federal, observou-se ainda um acirramento da violência homofóbica e da resistência de setores conservadores e fundamentalistas religiosos contrários a qualquer tipo de afirmação dos direitos LGBT. É nesse contexto que a presidenta Dilma, em decisão equivocada e retrógrada, recuou em relação ao material didático-pedagógico do projeto Escola Sem Homofobia, trazendo a mensagem de que a luta LGBT deve ser feita autonomamente de governos.

Infelizmente, o ano de 2011 está sendo marcado pelo crescimento da violência homofóbica. Assistimos, estarrecidos, a veiculação de diversas notícias de agressões físicas nas ruas, universidades, escolas e espaços públicos em geral. Grupos de skinheads, de orientação nazista, bem como homofóbicos em geral, têm aterrorizado vários homossexuais nas grandes cidades do país.

Todo esse quando é diretamente alimentado pelo discurso homofóbico de fundamentalistas religiosos e líderes conservadores. As suas declarações e ações, contrárias a qualquer afirmação dos direitos LGBT, alimenta o ódio contra a comunidade LGBT, representando um atentado aos direitos humanos. Tal situação tem aumentado a tensão e medo na nossa comunidade, além de ter criado obstáculos para o reconhecimento dos direitos da população LGBT e para a execução de políticas públicas de combate à homofobia.

Esse cenário, implantado por esses setores fundamentalistas religiosos, fascistas e conservadores, tem provocado a morte de diversos adolescentes, jovens e adultos, como Alexandre Ivo que morreu em 2010, vítima do ódio homofóbico. Infelizmente, esses setores têm convocado a “família brasileira” para a guerra contras as pessoas LGBT no Brasil.

É neste cenário de violências e mortes, avanço e organização do fundamentalismo religioso, ofensiva conservadora e recuo nas Políticas de Direitos Humanos LGBT que vamos para esta 2ª Conferência propor ações que respondam às necessidades das pessoas LGBT e possam alterar esta triste e violenta realidade.

O momento nos exige grande responsabilidade. Precisamos estar focados em apresentar as demandas prioritárias do nosso movimento e propor ações efetivas e consistentes. Vamos cobrar do Estado brasileiro, do legislativo, do executivo e do judiciário, medidas que garantam a cidadania plena LGBT. Vamos cobrar de todos os governos municipais, estaduais e do governo federal políticas públicas que protejam a vida, promovam o respeito à diversidade sexual e asseguram todos os direitos da população LGBT.

Políticas públicas estas que devem ter como princípios a garantia da laicidade do Estado, o pacto federativo (construindo um sistema nacional de políticas LGBT), a garantia de recursos orçamentários (institucionalização nos Planos Plurianuais, nas Leis de Diretrizes Orçamentárias e Leis Orçamentárias Anuais), o controle social (conselhos, grupos de trabalho, conferências), estruturas de governo LGBT (coordenadorias, departamentos, secretarias), transversalidade de todas as políticas, equidade de gênero, regionalidade e territorialidade, recorte étnico-racial, geracional, garantia da acessibilidade universal.

OS TRÊS DECÁLOGOS DA ABGLT

sobre as políticas públicas para LGBT no Brasil: avanços, desafios e demandas prioritárias

DEZ AVANÇOS (entre a 1ª Conferência Nacional LGBT em 2008 e a 2ª Conferência Nacional LGBT em 2011)

1.Reconhecimento das uniões estáveis homoafetivas pelo Supremo Tribunal Federal e do casamento civil de um casal de lésbicas pelo Superior Tribunal de Justiça; autorizações de conversões de uniões estáveis em casamento.

2. Estabelecimento do tripé da cidadania LGBT nacional: a criação da Coordenação-Geral LGBT na Secretaria de Direitos Humanos; o lançamento do Plano Nacional de Promoção da Cidadania e Direitos Humanos de LGBT; a instalação do Conselho Nacional LGBT.

3. Reconhecimento do Governo Federal das uniões homossexuais (Ministério das Relações Exteriores, Ministério da Defesa), inclusive para fins de imposto de renda.

4. Decreto que instituiu o 17 de maio como Dia Nacional de Combate à Homofobia.

5. Criação dos tripés da cidadania LGBT nos estados de Rio de Janeiro, Mato Grosso do Sul, Piauí, Bahia, Paraíba, Pará e São Paulo.

6. Reconhecimento do nome social das pessoas trans pelo Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão e pelo Ministério da Educação, além de 19 Estados (AL, DF, ES, GO, MA, MT, PA, PA, PB, PE, PI, RJ, RN, RR, RS, SC, SE, SP, TO).

7. Aprovação pela Organização das Nações Unidas da resolução que determina a realização de ações concretas relativas à violação dos direitos humanos por motivo de orientação sexual e identidade de gênero.

8. Atuação do Grupo de Trabalho Saúde da População LGBT; aprovação do Plano Operativo da Política Nacional de Saúde Integral de LGBT, que inclui o processo transexualizador; o apoio do Ministério da Saúde a ações educativas e preventivas nas Paradas LGBT.

9. Ampliação das parcerias com o Conselho Federal de Psicologia, com o Conselho Federal de Serviço Social e com a Ordem dos Advogados do Brasil (Estatuto da Diversidade Sexual e Propostas de Emenda à Constituição).

10. Lançamento do módulo LGBT do Disque 100, proporcionando dados oficiais demonstrando que 12% das denúncias dizem respeito à discriminação de pessoas LGBT, bem como a assinatura do Pacto Federativo contra a Homofobia por 12 secretarias estaduais de segurança pública, com mais 9 em processo de assinatura; liberação do material educativo sobre homofobia nas escolas para o curso Gênero e Diversidade na Escola em 36 universidades.

DEZ DESAFIOS

1. Ausência de marco legal. O Congresso Nacional não aprovou nenhuma lei referente à cidadania LGBT, a não ser indiretamente na lei Maria da Penha e no Estatuto da Juventude.

2. Crescimento do fundamentalismo religioso que avança sobre a laicidade do Estado, pressionando governos e partidos, incidindo adversamente na elaboração legislativa e nas políticas públicas.

3. Câmaras Municipais e Assembléias Legislativas têm aprovado legislações homofóbicas, como o “Dia do Orgulho Heterossexual” e a proibição de falar sobre homossexualidade nas escolas.

4. Tudo indica que aumentam as violações homofóbicas, agressões  e assassinatos, sem que haja uma política nacional articulada para deter esse recrudescimento.

5. Falta de institucionalização das políticas LGBT (o atual Plano Nacional LGBT não é formalizado, não foi instituído por decreto, não tem indicadores ou meios de verificação, e nem comitê técnico que acompanha sua execução cotidiana).

6. Falta de orçamento para políticas LGBT. O projeto do Plano Plurianual enviado pelo governo federal para o Congresso não prevê o programa específico “Promoção da Cidadania LGBT”. O projeto de Lei Orçamentária Anual para 2011 enviado ao Congresso Nacional pelo governo federal prevê recursos insignificantes para políticas LGBT (na Secretaria de Direitos Humanos são apenas R$1.1 milhão); pouquíssimos recursos para ONGs na área de direitos humanos das pessoas LGBT.

7. A maioria dos Estados não instituiu o “tripé da cidadania” (Coordenadoria, Conselho LGBT e Plano de Combate à Homofobia). Os que o fizeram, majoritariamente, não destinaram recursos orçamentários adequados às políticas.

8. A imensa maioria das prefeituras ignora o tema das políticas públicas LGBT, não instituindo nenhuma ação de combate à homofobia.

9. Muitos juízes de primeira e segunda instância ainda se negam a julgar favoravelmente as causas LGBT, principalmente o casamento civil entre pessoas do mesmo sexo.

10. Meios de comunicação, principalmente televisões abertas, propagam homofobia por meio de programas religiosos, programas de humor ou popularescos.

 

DEZ PRIORIDADES da ABGLT : o que queremos

1. Aprovação da criminalização homofobia, Lei Alexandre Ivo; casamento; e mudança de nome para as pessoas trans.

2. Novo Plano Nacional LGBT, institucionalizado por meio de decreto presidencial, com recursos orçamentários claramente definidos, com metas claras, meios de verificação, comitê gestor interministerial e cronograma das ações priorizadas e  hierarquizadas; Editais públicos para ONGs para o trabalho com a comunidade LGBT.

3. Criação da Secretaria Nacional LGBT, responsável por articular, monitorar e visibilizar a execução do conjunto das políticas públicas e do Plano Nacional de Promoção da Cidadania e Direitos Humanos de LGBT.

4. Reconhecimento do nome social de pessoas trans em todo o Brasil, aprovação da legislação que permita alteração do prenome.

5. Educação: políticas permanentes de combate à homofobia nas escolas, priorizando a formação continuada dos professores, a elaboração e distribuição de material didático-pedagógico e as pesquisas acadêmicas sobre gênero, sexualidade e diversidade.

6. Segurança pública: criação da metodologia nacional e unificada de registro de assassinatos homofóbicos, crimes de ódio e violência homofóbica no geral; capacitação dos operadores de segurança pública em direitos humanos LGBT, com a participação do movimento social organizado, políticas e estruturas específicas para a prevenção e repressão de crimes contra LGBT.

7. Cultura: apoio às manifestações culturais da população LGBT, de promoção da diversidade, editais de apoio à Paradas do Orgulho LGBT, livros, CDs, seminários, filmes, eventos etc.

8. Saúde: execução integral, em todo o Brasil, por todos os governos, da Política Nacional de Saúde de LGBT, fortalecimento do Grupo de Trabalho Saúde da População LGBT.

9. Campanhas nacionais, estaduais e locais de combate à homofobia, promoção da cidadania LGBT e respeito à diversidade sexual, principalmente nas mídias eletrônicas (rádio e TV), mas também na internet, redes sociais, jornais impressos etc.

10. Trabalho, Assistência Social e Previdência: políticas de geração de emprego, qualificação profissional e intermediação de mão-de-obra e inclusão previdenciária voltadas às pessoas LGBT, sobretudo travestis e transexuais. Ampliação da inserção da temática LGBT nas políticas de assistência social, no Brasil sem Miséria, nos Centros de Referência e Centros de Referência Especializados de Assistência Social (CRAS/CREAS).

Por

Toni Reis – Presidente da ABGLT